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Luiz Fernando Padulla

Professor, biólogo, doutor em Etologia, mestre em Ciências, autor do blog 'Biólogo Socialista'

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Desabafo de um professor brasileiro

Como cidadãos e cidadãs honrados que somos, comprometidos com a verdadeira educação e com nossos alunos e alunas, seguiremos nessa batalha, contextualizando e conscientizando nosso público, e mais uma vez lutando de forma desigual: contra o $istema e contra a ignorância!

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Voltamos às aulas presenciais. Sem a normalidade dos alunos e alunas. Mas com a pressão e o descaso de sempre. E a sensação de que estamos sendo direcionados para um abate penoso.

Em um novo ano, não prevejo novas esperanças e dias melhores. Sou otimista por natureza, enxergando o copo sempre meio cheio. No entanto, não tenho como deixar de ser realista. Em pleno século XXI, voltamos às trevas! Usamos recursos e alta tecnologia para termos que defender o óbvio: a Terra não é plana! Vacinas salvam vidas! (E a vontade de dizer abertamente: Bolsonaro te enganou!)

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E sob o risco de sermos mais uma vez taxados e rotulados de “doutrinadores", tentamos alertar aos filhos e filhas o que se passa de absurdo em nossa nação – outrora pátria amada.

Que tempos são esses? Será que estamos a dormir profundamente em um berço esplêndido e tudo não passa de um pesadelo? Não! Eis que me lembro que sou professor, e noites de sono, ainda mais profundos e reparadores, não condizem com minha realidade. Mais do que um educador, sou brasileiro. Sonhar parece que nunca é nosso direito. Mas os pesadelos, esses sim parecem reais e intermináveis.

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Deveres, obrigações e cobranças ditam nossa rotina. “Vocês sempre dão um jeito!”.

Mais do que nunca, percebo o quanto nossa profissão é importante. Talvez os que hoje protestam pela reabertura do comércio, ignorando a situação catastrófica da pandemia, não tenham tido aulas eficientes. Ou talvez tenham cabulado ou dormido nas aulas sobre doenças e vacinas.

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Imprudência esse retorno presencial – mesmo que com “medidas preventivas" sendo propagandeadas. Dezenas de crianças e adolescentes servindo como vetores e dispersores do vírus que tanto se fala em reduzir a circulação. Sem falar no risco que eles mesmos correm com a chegada da nova variante – mais agressiva para esse público.

(E o governo parece ignorar que esses mesmos jovens convivem com seus pais, mães, avós. Seria mais uma tática de eliminação dos idosos, tal como apregoou descaradamente o governador do Texas, Dan Patrick, em março de 2020, quando disse que os idosos deveriam estar dispostos a morrer pelo bem da economia?)

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Como sempre, nós, professores e professoras, nunca somos ouvidos. Afinal, quem somos nós para emitirmos qualquer opinião e/ou preocupação? Apenas marionetes que sempre devem se adequar aos que mandam e todas as mudanças, nem que sejam da noite para o dia. Somos a mão-de-obra barata, mas que todo ano é incentivada a “vestir a camisa", a “fazer a diferença”, mas quase que diariamente, após os planejamentos motivacionais que tentam nos iludir com técnicas vazias de coaching, somos tratados como escravos de um sistema cuja clientela sempre tem razão.

O medo impera e tenta nos calar. “Eu pago o teu salário!”. Salário que não reflete todo trabalho que temos, e muitas vezes é usado para combatermos as crises de depressão e ansiedade que nos acomete cada vez mais.

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Voltamos. Iremos nos expor. Crianças e jovens também. A doença não cessará.

O vírus, que só deixaria de circular e causar mortes com a vacinação em massa e, antes disso, somente com a cooperação da sociedade em manter distanciamento social, agradece a cada atitude que está sendo tomada.

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É como se surfassemos a segunda onda com uma despretensiosa prancha de isopor, cujo vendedor, na ânsia de lucrar, nos garantiu que aguentaria qualquer onda. A onda ganhando volume até virar o esperado tsunami. E infelizmente, sabendo que não resistiremos ao impacto – mas não tivemos outra opção a não ser surfá-la, pois fomos jogados pelos “cidadãos de bem”.

Um risco sem a necessidade, cujo preço não será apenas na forma de cifras, mas de vidas. E essas, não conseguiremos reconquistar.

Querem voltar à normalidade sabendo que ainda não é o momento. Mas os intere$$es falam mais alto. E estranhamente, surge um novo movimento “Escolas Abertas” que ganha espaço na mídia, com objetivo de manipular a massa de manobra e forçar decisões judiciais através de argumentos emotivos e irracionais.

(O cheiro pútrido de um movimento natimorto como esse, nos remete à lembrança do tal MBL, que ajudou a nos colocar na escória das nações , cujos frutos apodrecidos são colhidos em uma cultura sem fim!).

Ver o $indicato das escolas particulares dizer que “é um crime o que estão fazendo com as crianças” quando se fecham escolas, pode até comover. Mas quando se sabe que a real preocupação é a perda de clientes, e não de alunos e alunas, a máscara cai – e esperamos que pelo menos a de proteção permaneça sendo usada de forma correta.

Nem falarei do descaso do Estado para com o ensino público, cuja realidade do sucateamento é escancarado, ainda mais em políticas neoliberais como fazem os tucanos. E uma vez mais, desprezam a realidade dos alunos e alunas, que dependem de transporte público lotados, por exemplo.

Lembrando que em maio de 2020, a Organização Mundial da Saúde já alertava que a América do Sul se tornará o epicentro da Covid-19, com destaque ao Brasil. E o público mais vulnerável é justamente o mais marginalizado pela sociedade. As favelas paulistanas, devido às precárias e até inexistentes condições de higiene, acesso à água, serviços de saúde e pobreza extrema, concentram os maiores números de mortes. Uma população de maioria negra. Meritocracia?

Mas esses números não interessam para o capital. O que se preocupam é com a redução de 1,5% do PIB mundial com o fechamento do comércio educacional.

Fossem esses cidadãos realmente preocupados com a educação, jamais tomariam essa atitude. Pelo contrário. Apoiariam o eixo-motor desses estabelecimentos que são os educadores. Lutariam ao nosso lado para ajudar a frear o vírus. Mas não. São hipócritas e falsos moralistas.

Tal como nossa Justi$$a, defendem a Educa$$ão.

Pais e mães (ou melhor, os progenitores) que apoiam esse retorno, seriam os mesmos que protestam pela abertura do comércio? Seriam os mesmos que raramente se preocupam com o cotidiano escolar, sequer aparecem em reuniões escolares e agora, não suportando mais sua prole em casa, repentinamente resolveram se preocupar com a “aprendizagem"? Ou ainda, aquele público que defendia o “homeschooling”, proposto pelo atual (des)governo no ano de 2019, sob a figura da atordoada ministra (sic) Damares?

O protesto da incoerência associada à morte. Parece uma distopia a lá George Orwell. Inacreditável e real.

Levantamento do Sinpro (Sindicato dos Professores de São Paulo) aponta que são mais de 2,7 milhões de estudantes matriculados na educação básica, o que corresponde a 22% da população da cidade. No entanto, a porcentagem de pessoas possivelmente expostas com a volta às aulas presenciais é ainda maior quando se extrapola para as casas de cada uma dessas vidas. Como bem indagado pela área jurídica, seriam as escolas uma bolha resistente à disseminação do vírus? Vê-se, portanto, que o risco vai além da comunidade escolar, colocando em risco toda a sociedade – o que contraria todas as normas mundiais de controle e prevenção da proliferação da doença.

De forma irresponsável, o Estado recorreu da decisão liminar que barrava o retorno dos estudantes e conquistou o direito de permitir a volta às aulas presenciais com público reduzido. Decisão imprudente, ainda mais quando se têm o disparo dos casos entre jovens de 10 a 19 anos em São Paulo (6,7%), segundo dados do próprio Governo de São Paulo!

Mais do que a potencial transmissão para dentro das casas, segundo estudos preliminares, as pessoas que já foram acometidas da doença e se recuperaram, não mantém o nível de anticorpos que seria garantido apenas pela vacinação, estando, portanto, sujeitas a reinfecção.

Vendo que a cada 6 minutos, uma vida é perdida em São Paulo, equivalente aos índices de Los Angeles, ou ainda que a média móvel de mortes se mantém acima de 1000 vidas levadas pelo vírus sob a complacência de um presidente lesa-pátria, os dias se tornam cada vez mais difíceis para quem trabalha e luta contra essa pandemia.

Mais do que “e daí?”, eis que agora o “brasileiro é forte e não tem medo do vírus”.

Os dados, as estatísticas, os corpos estão aí: vivemos o pior momento desde julho de 2020! Somos o pior país no mundo em combate à pandemia, conforme estudo do Lowy Institute de Sydney.

Querem tanto a normalidade, mas não se esforçam para que isso seja possível. O senso de coletividade não existe em nossa sociedade.

A única alternativa para a situação é a vacinação. Não há outra alternativa segura e viável para que a pandemia seja controlada. No entanto, a lentidão com que as primeiras doses da vacina estão sendo aplicadas, retardam ainda mais a esperança. Falta de planejamento, desafios para uma comunicação eficaz, problemas na coleta das informações e falhas no sistema do Ministério da Saúde. Atraso de um lado, precipitação do outro.

Por que não acelerar o Programa Nacional de Imunização ao invés de acelerar ainda mais a dispersão da doença?

Com novas variações do vírus atrelada a sua rápida (e descontrolada) dispersão, medidas de contenção e prevenção são ainda mais urgentes e necessárias.

O mundo tomando atitudes em favor das vidas e por aqui, mostrando que o BraZil segue sendo uma colônia, cujos erros do passado de nada servem para um país sem memória e, literalmente, sem educação.

O professor português, Boaventura de Sousa Santos é cirúrgico em suas colocações sobre o que essa pandemia deveria nos mostrar e ensinar: precisaríamos aprender com o vírus, sem que nos limitemos ao que ele causa, mas tentar saber o que ele nos quer dizer e o motivo disso. Infelizmente, poucos se atentam a essas mensagens, e ignoram o pensamento coletivo e solidário.

Tal como a peste assolou o mundo séculos atrás, e agentes públicos se negaram a tomar medidas de isolamento para não arriscar o comércio global, promovendo uma resposta desastrosa e crise humanitária sem precedentes com a disseminação da doença, estamos novamente cometendo esse erro. Provamos com essas atitudes que somos ignorantes.

Nós, educadores, reconhecendo não apenas os esforços e sacrifícios dos profissionais da saúde, seguiremos ao lado deles. Ao lado da ciência e defendendo a vida. Somos contra esse retorno.

Perdoem-me o desabafo – por sinal, desculpas nem sempre culposas é algo que estamos acostumados a fazer. Mas quando havia uma esperança de que a sociedade poderia estar despertando para um convívio mais harmônico, empático e solidário, os interesses pessoais e financeiros voltaram com mais força.

Força que nos tiram a cada nova decisão arbitrária e injusta. Em um país cuja educação vira mercadoria e dificilmente será libertadora, essa é nossa sina.

Dependemos do salário. Mais vale o silêncio e a normose? (ou seria mais-valia?).

Podem nos crucificar como sempre fazem. Mas a história nos absolverá, como dizia uma verdadeira liderança que pensava no povo. Pena que não nos ouvem. E quando o desastre acontecer, será tarde.

Mas, como cidadãos e cidadãs honrados que somos, comprometidos com a verdadeira educação e com nossos alunos e alunas, seguiremos nessa batalha, contextualizando e conscientizando nosso público, e mais uma vez lutando de forma desigual: contra o $istema e contra a ignorância!

Nosso luto é verbo! E a única luta que se perde é aquela que abandonamos. E da Educação, jamais abriremos mão.

Viva Paulo Freire!

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