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Ronaldo Lima Lins

Escritor e professor emérito da Faculdade de Letras da UFRJ

203 artigos

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Desonra

O Brasil parece se aproximar desse quadro de cores tenebrosas. Na sua despedida do Supremo, o Ministro Celso de Mello, levado a redigir o seu voto sobre o inquérito que investiga a suspeita de interferência do Presidente na polícia federal, reivindicando fazê-lo por escrito, negou a solicitação

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Num dos excelentes romances do século XX, John Coetzee, o sul-africano ganhador do Nobel, estuda as condições de vida e de comportamento em seu país no limite da virada, quando a revolução contra o apartheidtoma lugar nas ruas e na mente das pessoas. É o caso de Disgrace, editado em português, pela Companhia das Letras, com o título de Desonra. Há uma espécie de desacerto geral, como se todos os valores tivessem se dissipado. Instantes assim se revelam excepcionais, mas existem, quando já não se crê nos dogmas constituídos e não se formularam novos. Na economia, na moral, nos tratamentos hierarquizados, no relacionamento entre as pessoas, nada subsiste com solidez e confiabilidade. Os monstros obcecam os pensamentos e agem livremente como se houvessem virado os imperadores da ética. 

O Brasil parece se aproximar desse quadro de cores tenebrosas. Na sua despedida do Supremo, o Ministro Celso de Mello, levado a redigir o seu voto sobre o inquérito que investiga a suspeita de interferência do Presidente na polícia federal, reivindicando fazê-lo por escrito, negou a solicitação. Não caberia o privilégio (afirmou), como não cabem numa sociedade democrática conceder benesses aristocráticas não extensíveis ao restante da população. Ainda estamos e precisamos combatê-lo, deixou subentendido, o recurso da exibição de autoridade, quando, para escapar dos confrontos, o indivíduo apela para o gasto e enferrujado “sabe com quem está falando?” Ignora-se como se comportarão os demais ministros. Mas, sem dúvida, Celso de Mello deu uma lição. Afinal, ainda há o que defender. Se alguém fizer um papelão, ele não será. 

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Não muito longe dali, em Brasília, corroborando a ideia de que perdemos a noção de compostura, O Vice, Hamilton Mourão, em entrevista ao jornalista inglês Tim Sebastian, do programa Conflict Zone, da Deutsche Welle, embora discordando da tortura, destacou, como um homem de honra, a figura de Brilhante Ustra. No país, se acham vivas e sangrando as feridas do regime militar e seus excessos no uso da repressão. O executante da tortura não pode ser visto como uma pessoa comum, dessas que passam à nossa frente sem chamar atenção. Frequentador das sombras e dos porões, cumprindo ou não ordens, ele se realiza pelo sadismo, pelo prazer de provocar dor e sofrimento numa vítima indefesa. Na América Latina, as polícias políticas usaram e abusaram de tais criminosos, com o beneplácito de prestar serviços e serem até condecorados. Brilhante Ustra, na lista, foi um dos mais notáveis. Gostava de ouvir gritos de dor de homens e mulheres entregues aos seus caprichos de opressão psíquica, política e, frequentemente, sexual. Com efeito, há qualquer coisa de podre no reino da Dinamarca. Se os valores nos escapam a esse ponto, não sobra muita coisa. 

No livro de Coetzee, por falta de opções, o personagem termina num matadouro de cães. Em nome da saúde pública, para evitar doenças e ataques na rua, alguém determinara que os cães sem dono tivessem de ser eliminados. Não havia metáfora mais terrível diante da anomia generalizada. Estamos longe disso? Difícil arriscar. Da categoria de honra, com certeza, não chegamos perto. 

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