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Pedro Simonard

Antropólogo, documentarista, professor universitário e pesquisador

92 artigos

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Dia da Consciência Negra e Racismo Institucional

No Brasil, o racismo é um ranço decorrente da escravidão. Esta ainda é um elemento presente no imaginário e no modus operandi das classes dominantes e da classe média brasileira

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Eu era pequeno, morava em Jacarepaguá e estudava na escola estadual Dom Armando Lombardi, na Praça Seca, da rede de escolas públicas do estado da Guanabara. A estrutura era boa não faltava merenda, as professoras eram excelentes. O problema era o racismo institucional que se manifestava nas coisas mais simples que iam desde uma professora “carinhosamente” comentando sobre o cabelo de um aluno ou aluna negros, passando pelos funcionários em funções de serventia – merendeiras, bedéis, porteiros – todos negros e pela ausência ou presença mínima de professores negros.

Se este tipo de racismo fosse o único que se manifestasse já seria muito preocupante, mas o pior estava no conteúdo de história que nos ensinavam, a nós, crianças do primeiro ao quinto ano, entre seis e dez anos, que a tentativa de escravização do “índio” fracassou porque este era indolente, não gostava de trabalhar e fugia do trabalho constantemente. O africano, por sua vez, foi escravizado porque era mais “dócil” e fugia menos do seu proprietário. Isso mesmo, nos ensinavam que o indígena era preguiçoso e o africano era “dócil” nas escolas públicas da Guanabara no final dos anos 1960 e início dos anos 1970.

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Este tipo de explicação “histórica” não nos explicava indígenas não se adaptavam ao trabalho escravo porque era muito diferente do modo de vida que levavam e se recusavam a se submeter à escravidão. Capturados, eles eram conduzidos a pé do local de sua captura para o local onde iriam executar as tarefas para os senhores de escravizados. Neste itinerário iam memorizando o trajeto e assim que conseguiam fugir retornavam para seu local de origem; não precisam atravessar o Atlântico a nado para poder reencontrar os seus.

No que concerne ao africano, esta possibilidade de retorno para seu local de origem não existia. Eram transportados durante vários dias nos porões de navios, viam o céu poucas vezes ou não o viam nunca durante a viagem. Ao chegarem ao território brasileiro, desembarcavam em um território totalmente novo. Tal qual os indígenas, recusavam a escravidão. A resistência do africano e, posteriormente, do negro nascido no Brasil à escravidão era constante e multivariada. Ia da fuga e formação de quilombos, passando por uma falsa adaptação ao regime escravocrata na qual faziam de tudo para executar suas tarefas diárias com um mínimo de dispêndio de força e produtividade possíveis, até revoltas sangrentas onde morriam muitos brancos e muitos pretos.

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No que concerne à resistência negra, a escola só nos ensinava a existência do quilombo dos Palmares, a história, mal contada, de Ganga Zumba e Zumbi. Nenhuma frase sobre o quilombo de Manuel Congo que resistiu à escravidão em pleno Vale do Paraíba, nem sobre a revolta dos Malês, cujo foco principal agitou Salvador na primeira metade do século XIX. Em Alagoas, onde se localiza a Serra da Barriga, Zumbi dos Palmares e Ganga Zumba são leves lembranças. Este estado se orgulha em definir-se como a “terra dos marechais” porque lá nasceram Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto. Zumbi é nome de praças e do aeroporto internacional; Ganga Zumba é praça e alguns logradouros públicos. Acotirene, considerada a matriarca fundadora do Quilombo dos Palmares e grande guerreira, e Aqualtune, guerreira e grande liderança de Palmares, também são pouco lembradas.

Na escola não se abordava a história dos grandes reinos e civilizações africanas. Os africanos só entravam nas aulas de história a partir da descoberta da América e sua vinda para o Novo Mundo para trabalhar como escravizados. Nos ensinavam uma história surpreendente, mais pelos esquecimentos do que pelas lembranças.Joaquim Nabuco já profetizava, cerca de dez anos após a abolição, que a escravidão permaneceria por muito tempo como a característica nacional do Brasil. Ele tinha razão. Avançamos muito pouco desde 13 de maio de 1888. A população negra do Brasil contemporâneo continua sendo discriminada e tratada como cidadã de segunda categoria.

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O racismo é algo estrutural na sociedade brasileira e se reproduz cotidianamente sem que a maior parte dos brasileiros se levante e se posicione contra suas manifestações nefastas.

No SUS, mulheres e homens negros reclamam que são mal antendidos. São comuns os relatos de cidadãos negros que se queixam de receberem menos anestesia do que deveriam e que são submetidos a dores lancinantes em procedimentos cirúrgicos. Se queixam de médicos que agem como se tivessem asco de tocar em seus corpos ao examiná-los.

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Nas escolas, professores, diretores e funcionários se incomodam com penteados e cabelos crespos. O funk sofre perseguição do aparato repressivo do Estado, assim como já havia sido perseguido o samba ao longo do século XX.

Religiões de matriz africana são perseguidas e têm seus locais de culto vandalizados. A polícia ou faz vista grossa a essas agressões ou instaura inquéritos que, na grande maioria das vezes, não chegam à conclusão nenhuma.

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A polícia continua abordando cidadãos por causa de sua “cor padrão”. Jovens são executados nas periferias devido a sua cor e para piorar, seus algozes também possuem “cor padrão” e têm a mesma origem de classe. As classes dominantes executam uma espécie de controle de natalidade sobre a população negra ao selecionar na mesma classe social e no mesmo grupo étnico os agentes de seu aparato repressivo, responsáveis por reprimir, enquadrar, matar e levar adiante uma guerra contra a população negra. Nesta guerra de um lado e de outro, morrem jovens negros. Desta maneira, as classes dominantes, uma espécie de burguesia regional e submissa às burguesias imperialistas, mantém sob controle aqueles que poderiam causar problemas a sua dominação.

Em Brasília, na Câmara dos Deputados, no Mês da Consciência Negra e às vésperas do Dia da Consciência Negra um deputado, policial de origem, danificou uma obra em uma exposição comemorativa do Mês da Consciência Negra porque aludia ao racismo institucional que norteia a ação da polícia militar em todos os estados do Brasil. Danificou e registrou sua ação para posterior divulgação nas redes sociais, ciente de que ações racistas ainda encontram muito apoio em setores expressivos da sociedade brasileira. Deputados negros retiraram-se da Câmara como protesto. Se o presidente desta casa legislativa, deputado Rodrigo Maia do DEM-RJ, não tomar providências sérias contra este deputado, visando repudiar este tipo de ação, a Câmara dos Deputados estará indicando para a sociedade brasileira que é mais uma instituição que naturaliza ações e práticas racistas ou que toleram o racismo.

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O racismo institucional se manifesta nas igrejas cristãs onde pouquíssimos negros atingem as funções mais elavadas que gozam de maior status social e podem influenciar decisivamente nas diretrizes dessas igrejas. Se manifesta nas Forças Armadas que dificultam acesso dos cidadãos negros às patentes mais altas. Está também presente nos altos escalões do serviço público e dos três poderes, nas universidades e em quase todas as instituições sociais.

No Brasil, o racismo é um ranço decorrente da escravidão. Esta ainda é um elemento presente no imaginário e no modus operandi das classes dominantes e da classe média brasileira. Combatê-los, ao racismo e aos resquícios da escravidão, é uma tarefa urgente a que a sociedade brasileira não pode se furtar a realizar sob o risco de aprofundarmos ainda mais as desigualdades sociais, econômicas, culturais e políticas que dificultam a democratização, o respeito às diferenças e o respeito às regras básicas de convivência e socialibilidade.

Já passou da hora de enterrarmos de vez o Conde de Gobineau, Cesare Lombroso e todos os teóricos e teorias racistas. Precisamos enfrentar de vez nosso passado e presente racistas, abandonar a ideologia da democracia racial, reconhecer nosso racismo estrutural e garantir respeito e justiça para a população negra do Brasil. Precisamos entender que as ações afirmativas não são favor, mas medidas de restabelecimento de igualdade, democracia, justiça, respeito e cidadania. Precisamos, de maneira contundente, combater todas as formas de racismo, combatendo veementemente o racismo institucional que se apodera das instituições sociais para discriminar os cidadãos devido a sua origem étnica. Precisamos entender também que não se combate o racismo só com medidas que visem a assegurar uma melhor convivência social entre os grupos étnicos, mas que é preciso combatê-lo atacando, concomitantemente, as relações de classe que engendram o racismo, o preconceito e o controle social.

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