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Guto Alves

Jornalista, repórter na área de Cultura e hoje trabalha com comunicação e marketing político

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Do transe coletivo ao ódio: já perdemos muito para Bolsonaro

Medo só sente quem tem no corpo a marca de uma vida percorrendo caminhos escuros, tristes e lamacentos. Medo só sente quem sabe o chão por onde sempre pisou

Do transe coletivo ao ódio: já perdemos muito para Bolsonaro
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Tenho levantado da cama como todo brasileiro, me perguntando o que será de nós ao cabo dessa realidade quase distópica que vivemos. Ando arrastado pela casa todas as manhãs. Pareço ter acordado de um pesadelo e continuado nele, imerso numa angústia e em um medo persecutórios que, via de regra, me acompanham pelo dia, pela semana, nutrindo em mim, e em muitos de nós, um sentimento que não se resume a uma palavra, mas a um conjunto de sensações que nos coloca neste lugar do desespero, da angústia, da fala abafada.

Não ouso dizer que não é por qualquer outra razão senão a ascensão de Jair Bolsonaro e o que ele representa em sua ressonância no cenário político-social Brasileiro. Um cenário onde religião e política se mesclam de forma cada vez mais evidente e colocam como messias um ser humano que já disse, reproduzo ipsis literis, que não estupraria uma mulher porque ela não merecia ser estuprada por ser "muito feia", que já defendeu grupos de extermínio, que é amplamente a favor da tortura e tem em sua cabeceira um livro de Brilhante Ustra, torturador da ditadura militar brasileira que torturava mulheres na frente de seus filhos e enfiava ratos nas vaginas dessas mulheres. Pensando nisso, acredito que já perdemos boa parte da parcela de humanidade que há em nós ao vermos as pesquisas de intenção de voto.

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Outro dia, me peguei sentado em uma cadeira que tenho perto de uma grande janela aqui em casa, de onde só vejo o verde do Outeiro da Glória. Lá estavam dois gatos refestelando-se sobre folhas molhadas — como se não bastasse, os dias têm sido cinzas. Quando dei por mim, por breves instantes, o mundo lá fora parecia não existir e para mim a única realidade possível era a daqueles dois gatos que despertaram em mim um desejo forte, intenso. Por um segundo quis ser aqueles gatos se sujando na folhagem molhada de chuva e todo o resto que vá para o inferno.

Fato é que não sou gato e minha condição de sujeito político me obriga, sim, a carregar no meu corpo as marcas e as angústias sobre todo o espectro que temos atravessado há alguns anos, desde que o nome de Jair Bolsonaro surgiu no cenário político brasileiro. De piada em piada, de meme em meme, de absurdo em absurdo, o personagem Jair Bolsonaro se construiu uma pérfida peça da engrenagem fascista no Brasil diante dos nossos olhos, mascarado pela ignomínia de seus discursos agressivos, que sempre beiraram o surreal, como um personagem que diz daquilo que chamamos de absurdo para chamar atenção ao próprio absurdo. No entanto, nascia ali não uma manifestação crítica e sarcástica, mas sim o próprio escárnio do absurdo que deixaria vir à tona tudo aquilo que muita gente guardava no armário.

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Ao nos aproximarmos das eleições, o sentimento do brasileiro é quase uníssono — e também ressonante, pois é capaz de contaminar com facilidade todo cidadão que tem em suas fragilidades sociais, dificuldades cotidianas e uma dura vida em que se trava uma batalha diária para sobreviver na esperança de dias melhores -, que é o sentimento de impotência diante do cenário caótico que nos era apresentado dia após dia em todos os telejornais, impressos, revistas e portais de notícias. O ódio crescia.

O descrédito na política e nas instituições democráticas, diante dos mais variados escândalos de corrupção que sempre circularam de forma a alimentar o circo midiático e a suplantar nossa realidade — inclusive a de milhões de brasileiros que nós, dentro de nossos privilégios somos incapazes de reconhecer — com o crescente e perigoso antipetismo que trouxe o medo ao coração do brasileiro. E, junto ao medo, o ódio unificado, institucionalizado e direcionado ao PT. É um fenômeno acachapante, compreensível do ponto de vista dos estudos sociais, mas perigosíssimo para as instituições democráticas.

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O povo nas ruas
Desde 2013 temos ido às ruas. Com erros e acertos. Por diversas vezes mostramos que, de alguma forma, existe uma força capaz de mobilizar massas a lutar por seus direitos. No entanto, de quais direitos estamos falando, exatamente? O Brasil vive, desde 2013, uma grande instabilidade social. O movimento que nos levou às ruas gerou organizações "não partidárias" que hoje não só se partidarizaram como escolheram um lado — e não foi o do povo. A não partidarização dos movimentos de rua que surgiram no Brasil desde então é a clara ascensão do ódio ao PT de forma irrestrita, não critica, porém movida pelo senso comum gerado pela desinformação e pela manipulação.

Não, não estou aqui beatificando Lula, tornando santo Zé Dirceu, dizendo que os escândalos não existiram, que não há ou houve falhas estruturais no Partido dos Trabalhadores. Não ignoro, em momento algum, que o PT é um grande partido na estrutura política brasileira que se rendeu ao mercado e se afastou de suas origens. Não tenho a menor dúvida de que o Partido dos Trabalhadores errou, errou feio e que chancelou, em muitas medidas, o caminho que o levou a ser traído por alguns de seus mais "nobres" nomes.

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São estes nomes, e de muitos outros do sistema político, que formam uma doença chamada poder, dentro, talvez, do espectro do que podemos analisar pelo viés do narcisismo das pequenas diferenças e da microfísica do poder. E isso perpassa por uma também arcaica burocracia partidária, os pescoços que se curvam ao pragmatismo político que possibilitou que a causa dos trabalhadores chegasse à presidência da república e ao entranhamento da corrupção nos mais diversos sistemas e indivíduos.

Tudo isso — incorrendo aqui no risco de apenas flutuar nos fatos e de não mergulhar nas razões mais complexas — fez do PT uma organização que precisava, urgentemente, se reinventar. Olhar para o que foi feito, construído e destruído. Para as falhas nas políticas públicas, como, por exemplo, as ambientais. Nos abraços que deu e nas mãos que beijou. Mas não acho, sinceramente, que seja este o momento para se cobrar do PT uma autocrítica. Por que não acho isso? Porque vivemos numa situação limítrofe entre a liberdade e a repressão. O sistema judiciário amplamente corrompido, denunciado por juristas de todo o mundo, nos dá uma dimensão de que seria uma autocrítica quase injusta, pois não se baseia na balança da justiça.

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Temos todos o direito legítimo de nos revoltar com as siglas, mas não podemos afastar de nós a responsabilidade de eleger nossos representantes, de analisar friamente o que poderá representar o nosso voto e nunca, nunca podemos demonizar a política, deixar a política de lado e deixa-la ao bel prazer dos mercenários. E foi isso que fizemos.

Do antipetismo ao caos
Nesta onda onda que chega ao antipetismo, uma doença do século XXI, o medo da grande crise econômica somado aos erros do governo Dilma foram estrategicamente utilizados para gerar mais medo, mais crise, mais insegurança, mais desafetos. Era um projeto político hoje escancarado — porém, diria minha avó, o tiro saiu pela culatra. Depois de um grande período de conquistas sociais e de sucesso em projetos de redistribuição de renda e democratização da educação no Brasil, nos vimos à beira do abismo. Ainda assim, Dilma Roussef venceu as eleições em 2014. Uma afronta àqueles que contavam com a mão beijada pelo liberalismo econômico — que, no Brasil, significa também uma política austera de controle do cidadão, de seus desejos e de sua vida particular — e que contavam com a vitória de Aécio como certa.

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O resto da história todos nós conhecemos. Dilma Roussef foi deposta, mesmo tendo sido legitimamente eleita. Trocamos o gerente da pastelaria porque nos levaram a acreditar ser essa a solução. O óbvio era aceitar, é claro, estávamos num país caótico, índices econômicos indo de mal a pior e Dilma chegou a ser mal vista dentro do próprio Partido dos Trabalhadores por suas medidas econômicas e sua falta de preparo para dialogar com o Congresso Nacional e a equipe que a assessorava.

Essa é uma análise rasa, bem rasa, pois não é disso que se trata este meu desabafo, mas é necessário contextualizar minimamente o que vivemos hoje. Quero falar sobre Jair Bolsonaro e falarei.

O que surge depois da ascensão do PMDB com Temer ao governo, os meandros que o levaram até lá, a sujeira toda que circunda o Impeachment de Dilma Roussef talvez seja, hoje, mais claro aos olhos de muitos, inclusive daqueles que pediram sua queda. É o triste "eu avisei" aos que ostentaram que "a culpa não é minha, eu votei no Aécio", personagem hoje coadjuvante na política brasileira, assim como o próprio PSDB, que bebeu do veneno no cálice do vampiro.

Se estamos no inferno, abracemos o capeta
O que vemos hoje no Brasil é o rompimento com o estado democrático de direito. Todos nós temos o direito de escolher aquele candidato que melhor nos representa, e nunca perdemos este direito desde a reabertura democrática. Até agora. Perdemos, nestas eleições presidenciais de 2018, o legítimo direito de escolha. E digo isso não por ser radical ou por não concordar/aceitar o voto do outro e seu direito de escolha. Digo isso porque, diante do cenário que se apresenta ao redor do candidato Jair Bolsonaro, é nítida a omissão das instituições brasileiras, hoje falidas, que permitem que essa candidatura chegue ao pleito de forma impune, como se cumprisse seus deveres para com a legalidade democrática.

O que mais tenho lido, estudado, ouvido, buscado entender, é sobre a legitimidade desta candidatura. Jornalistas antigos, destes que se preocupam com o futuro do país e não se vendem pela moeda da vez, afirmam categoricamente que nunca viram nada igual. A imprensa internacional se manifesta insistentemente sobre o risco de eleger Jair Bolsonaro presidente do Brasil. Até mesmo figuras de ordem da extrema-direira repudiam o que significa Bolsonaro na presidência. Como, por exemplo, Le Pen, líder da extrema direita na França que refutou a ideia de que Bolsonaro esteja no mesmo barco que ela. "Ele tem dito coisas extremamente desagradáveis, que não podem ser transferidas ao nosso país, é uma cultura diferente", afirmou.

"Uma vitória de Bolsonaro seria um grande passo rumo autoritarismo", destaca a Foreign Policy, uma publicação de análises políticas internacionais. Já o "The New Republic" dá o tom de forma mais direta. "O Brasil está à beira do autoritarismo". No The Guardian ("Ele será pior que Trump"), alertam para o que tanto tememos. "Há uma onda conservadora". Soma-se à lista publicações como a revista Time, a The Economist, o Zeit Online, Deutsche Welle, El Clarín, El País Espanha, El Mundo, The New York Times, LE Figaro, Le Monde, e tantas, tantas outras publicações mundo afora. Todas alertando para o risco que corre o Brasil com a eleição de Bolsonaro.

O transe coletivo bolsonarista, a responsabilidade da imprensa e o ódio no armário
Entrementes, o antipetismo se aliou à disseminação de notícias falsas. Uma indústria que semeia o ódio e relativiza o ódio que seu próprio candidato profere. No lugar do Bolsonaro que dizia atrocidades (e que ainda diz em seus deslizes) entrou o Bolsonaro que faz transmissões ao vivo, mas não debate nem conversa com a imprensa, não faz aparições públicas mesmo já estando apto após a recuperação do atentado que sofreu em Juiz de Fora. Neste transe coletivo, tudo que é publicado em face de desmascarar, desconstruir e desmanchar a imagem de Bolsonaro e trazer à luz o risco que significa sua candidatura e sua eleição se transforma em fake News, em desespero, em "comunismo".

Por mais que se repita literalmente, palavra por palavra, todo o ódio e o desprezo que ele tem pelas pessoas, pelas instituições e pela coisa pública, as pessoas simplesmente ignoram, fingem não ver e repetem como zumbis "#B17". Não importa mais se ele relativiza a totura, pois não suportam mais a ideia de um governo petista. Não importa mais se ele diz que ser gay é falta de porrada, pois não se suporta mais a ideia de PT no poder. Não importa mais se ele quer acabar com a cultura e desmontar o Ministério da Educação, pois não se pode mais ter PT.

Será mesmo só isso?

Quanto ao "voto nele porque não voto no PT" é possível dialogar, pois há aí um abismo de desinformação e um espaço para conversarmos sobre os riscos que corremos ao eleger um sujeito cujo vice fala em Golpe, cujos assessores desconhecem a realidade brasileira e sugerem, por exemplo, que no lugar de cotas sociais criemos salas de aula de "reforço" para negros e pobres". Quando se trata de um ressentimento com o sistema político, ainda há espaço para o diálogo com afeto. Quando há o fanatismo abraçando o ódio e que relativiza as atrocidades ditas por este candidato, infelizmente, é causa perdida para o fascismo. E não devemos temer o uso dessa palavra. É fascismo o que ele representa. É o desprezo, é o ódio, é o escárnio diante de instituições caladas.

É neste sentido que o nome de Bolsonaro cresce e é neste sentido que não podemos ceder ao "direito de votar em quem eu quiser", pois não se trata de uma eleição normal ou de nomes iguais que se opõem. Não se trata de opostos em duas radicalidades extremas. Não estamos entre a ponta da lança e o abismo. Estamos entre a ponta da lança e um caminho de legalidade democrática. Tendo errado o tanto que errou, o PT nunca representou ameaça à vida de ninguém com suas políticas e nunca teve seus representantes no poder ou em campanha à presidência discursando de forma autoritária, desmedida e contra a vida de minorias.

É a luta entre pessoas que prezam pela liberdade contra um candidato que diz que irá acabar com o ativismo no país. É a luta entre pessoas que engolirão seus ranços e votarão no PT contra aquele que já declarou inúmeras vezes ser contra negros, LGBTQ, contra indígenas, contra pequenos produtores e amplamente a favor da indústria armamentista, do autoritarismo, da tortura, do atirar para matar. Tudo isso vindo de um candidato que não apresenta um projeto de país, que não tem um plano de governo sólido, que não apresenta soluções possíveis para os nossos problemas e profere discursos populistas que vão de encontro ao que os ouvidos dos gados querem ouvir e despeja vômitos que os incautos querem comer.

Quando se discute esta escolha, é quando discutimos que o voto em Bolsonaro representa um voto que compactua com tudo isso. Não existe um voto "apesar disso", sendo estas as bandeiras erguidas por ele durante toda sua vida púbica, quando este nem mesmo sonhava chegar tão longe. Tão abjeto era, nunca acreditou ser capaz de mobilizar tanto ódio num país como o Brasil, que caminhava a passos largos para a democratização, a distribuição de renda e o reconhecimento de minorias através de políticas afirmativas.

Por isso, volto à pergunta: será mesmo só anti-PT? Ou trata-se da abertura de um portão de trevas de onde muitos estão saindo do armário com seus mais escuros preconceitos, pulsões de ódio e desejo de morte? Qual o limite entre a insatisfação política e a sensação de ascensão daquilo que por um bom tempo você foi contra, porém teve que engolir? Quantas famílias de classe média com seus valores tradicionais tiveram que sufocar em seus armários o ódio de ver famílias LGBT surgindo e pessoas trans ganhando espaço? Quantas pessoas quiseram bater mas eram minoria e guardaram o punho fechado no bolso? Quantas pessoas aceitam, mas não concordam e guardam no coração o repúdio? A onda de violência, ataques e agressões por todo país respondem a estes questionamentos.

Quem vota em Bolsonaro, para além do antipetismo, quer mesmo o que ele representa. Um retrocesso. No Âmago, quer. Pois há mecanismos de análise. Há gritos de socorro. Mas muitos pedem mesmo é um resgate da normalidade que se vivia até décadas atrás. Querem o atraso. Querem voltar ao passado dos valores morais, cristãos, conservadores e preconceituosos. Querem jogar para debaixo do tapete tudo aquilo que não concordam. E é por isso que não adianta desmentir que Manuela D'ávila não tem todas aquelas tatuagens, ou que ela disse que o Brasil não poderá mais ter igrejas. Eles não se importam, é isso que querem gritar ao mundo como chance de resgatar o que sonham como país.

Não importa dizer que Haddad nunca criou o Kit Gay ou que escreveu livro defendendo incesto. Não adianta o STF agora, reta final das eleições, desmentir as mais absurdas fake News numa tentativa vã de desconstruir Bolsonaro. O monstro foi gerado no ventre da imprensa brasileira, que hoje não é mais capaz de controlar a para-imprensa. A imprensa não é mais capaz de deter o que circula pelo whatsapp, pois muita coisa corrobora o esquema de desinformação praticado pela grande mídia há muitos anos. As Organizações Globo, o Grupo Abril, o Grupo Record, o Grupo Folha, e muitos outros, geraram no ventre este monstro, e hoje se mostram também preocupados com a extinção da democracia no Brasil.

Não à toa, uma grande parte do eleitorado bolsonarista já votou em Lula e em Dilma. Não se trata de ser de esquerda e defender pautas identitárias, mas sim de demonização das instituições e desta luta pelo resgate de uma normalidade conservadora em um país que caminha rumo à restrição das liberdades individuais — e não sabemos até que nível esta restrição chegará.

Cara ou coroa? O ódio saiu do armário
Se até então nós, gays, trans, mulheres, feministas, pessoas que lutam por liberdade de expressão e pela liberdade de sermos quem somos, se nós havíamos encontrado espaço para sairmos do armário, a moeda foi lançada ao alto da mão do juiz e caiu do outro lado em sua palma. Era cara. Agora é coroa. Por longos anos o governo petista possibilitou que tivéssemos voz e identidade através de programas de incentivo do Ministério da Cultura, da Igualdade Racial, do Fundo do Audiovisual e da democratização da educação.

Ganhamos as ruas. Era a "Ditadura gayzista-feminista" que tantos odeiam. Sempre odiaram nos ver assim, ganhando espaço. A verdade é que muita gente somente aceita, aquele aceitar que não suporta. Aquele aceitar que não quer ver. Que não legitima nossa existência, que gera silêncios constrangedores quando você conta que tem um namorado e a pessoa pensa "não queria falar sobre isso". Mas estávamos lá. E agora estamos aqui. A onda recente de ataques após o segundo turno acende uma lanterna vermelha de perigo que começa a colocar as pessoas dentro de suas casas enquanto outras esqueceram-se das tantas vezes que se ajoelharam por um Deus que agora não vale mais nada em suas lições mais básicas, a começar pelo amor ao próximo.

O que mais ouço por aí são relatos de medo. Porque medo, meus caros, só sente quem conhece. Medo só sente quem tem no corpo a marca de uma vida percorrendo caminhos escuros, tristes e lamacentos. Medo só sente quem sabe o chão por onde sempre pisou. Medo não é algo que você transfere a outra pessoa que não conhece sua realidade — o nome disso seria empatia. E isso nos falta. Isso nos falta quando as pessoas relativizam tudo isso que Jair Bolsonaro representa. Isso nos falta quando se alinham a um candidato que recebe elogios de líderes da Klu Klux Klan e que inspira violências por todo o país.

Já perdemos. E já morremos.
Quando lidamos com essa realidade, perdemos. E perdemos feio. Por mais que ganhe Haddad, já perdemos. Perdemos porque já temos medo de viver. Perdemos porque conhecemos pessoas que relativizam o machismo, a misoginia, a homofobia, a violência gratuita, a tortura. Perdemos porque conhecemos pessoas que disseminam fake News, que caem na armadilha do "vai-pra-Cuba-isso-aqui-não-vai-virar-a-Venezuela". Perdemos porque amamos pessoas que não se importam se essa pessoa coloca a legitimidade de sua existência sob suspeição sob o argumento de que "não é disso que se trata", quando é exatamente disso que se trata.

Perdemos porque é preciso explicar o óbvio. Perdemos porque é preciso entrar numa espiral de crises de ansiedade para gritar, alertar às pessoas que não é admissível votar em uma pessoa que diz o que ele disse, que defende o que ele defende, que ri da minha existência como ele ri. Que não é melhor ter filho morto que filho gay. Que mulher não nasce de fraquejada. Que o Brasil não vive sob ameaça comunista. Que os ruralistas são uma ameaça para o país. Que mulher não vale menos no mercado porque engravida. Perdemos porque precisamos defender que não é possível dizer que vai matar e torturar e ser presidente do país.

Eu queria finalizar escrevendo alguma frase epifânica, que nos desse luz, esperança, que mostrasse que, apesar de tudo isso, eu enxergo nas pessoas alguma esperança de que este cenário possa mudar. Mas não me cabe no peito nenhum tipo de alento quando vejo tudo isso no ar. Não me cabe no peito a vontade de tentar plantar flores neste momento. O que me cabe no peito é a certeza de que eu não apoio, não apoiarei e irei até as últimas consequências contra este regime que está por vir. Retorno aos gatos. Não posso ser eles nas folhas molhadas. Me é impossível. Mas ficarei ao lado dos meus. Do meu namorado. Dos que me cercam. Dos que lutam contra o ódio. Dos que sabem do abismo que nos espera. Pois é com eles que ficarei, curvado, à espera de um milagre.

Vote Haddad 13. Pela democracia. Pela dignidade. Pela humanidade.

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