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Ricardo Kotscho

Ricardo Kotscho é jornalista e integra o Jornalistas pela Democracia. Recebeu quatro vezes o Prêmio Esso de Jornalismo e é autor de vários livros.

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“Doente de Brasil”: libelo de Eliane Brum põe o dedo na ferida do bolsonarismo

Ricardo Kotscho escreve sobre um texto de Eliane Brum que ele qualifica de "antológico", de agosto, sobre a tradégia do bolsonarismo. Para Kotscho, ela "profetizou o que está acontecendo nas últimas semanas na cultura nacional"

(Foto: Reprodução | Reuters)
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 Por Ricardo Kotscho, no Balaio do Kotscho e para o Jornalistas pela Democracia -   Faz já um bom tempo que a gaúcha Eliane Brum é a melhor repórter do Brasil, embora escreva no jornal espanhol El País, diretamente de Altamira, no sul do Pará, onde está morando, o que já é um sintoma do mal que ela descreve no artigo “Doente de Brasil”.

Só nesta quinta-feira, no mesmo dia em que recebi ameaças de um hacker no meu e-mail pessoal, eu encontrei este texto de Eliane no Facebook, um verdadeiro libelo contra o bolsonarismo em marcha, publicado no dia 2 de agosto.

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De lá para cá, como todos sabemos, tudo só piorou.

Desconheço os motivos que levaram esta brava e brilhante repórter a viver em Altamira, mas não importa: de lá, do meio da selva amazônica, ela consegue enxergar melhor do que nós o que está acontecendo aqui desde janeiro, quando o país, a democracia e as nossas vidas começaram a ser destruídas pelo antipresidente (expressão dela) Jair Bolsonaro.

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Tinha até desistido de escrever hoje, sem saber como reagir ao hacker que invadiu meu computador.

Mas, depois de ler este antológico texto de 20 páginas da Eliane Brum, me vi na obrigação de tratar aqui no Balaio desta doença que nos assola a todos.

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No meio do texto, fiquei pensando como foi possível ninguém me ter falado antes desta tomografia do corpo e da alma dos brasileiros, sufocados e torturados diariamente pelo que a repórter chamou de “autoverdade” do poder absoluto instaurado em janeiro.

Eliane ouviu uma penca de psiquiatras e psicólogos -a maioria não quis se identificar, temendo represálias, outro sintoma da doença- para tentar entender o que se passa na nossa cabeça com o país submetido a uma depressão coletiva, sem cura à vista.

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Claro que não vou conseguir resumir aqui o exaustivo e preciso diagnóstico da repórter do El País, mas quero comentar algumas passagens que mexeram muito comigo.

“Jair Bolsonaro é um perverso”, assim começa o texto. “Não um louco, nomeação injusta (e preconceituosa) com os efetivamente loucos, grande parte deles incapaz de produzir mal a um outro. O presidente do Brasil é perverso, um tipo de gente que só mantém os dentes (temporariamente, pelo menos) longe de quem é do seu sangue ou de quem abana o rabo para as suas ideias (…)

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Logo adiante, ela põe o dedo na ferida aberta pelo bolsonarismo:

“Submetidos a um cotidiano dominado pela autoverdade, fenômeno que converte a verdade numa escolha pessoal, e portanto destrói a possibilidade de verdade, os brasileiros têm adoecido”.

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Sem ter mais referências para saber o que é verdade e o que é mentira, o brasileiro padece de adoecimento mental.

Sim, mas aí eu me pergunto, cara amiga Eliane: o que veio antes?

Jair Bolsonaro ou um país já doente, dominado por bolsominions, que o levou ao poder pelo voto?

É o que muita gente se pergunta até hoje na Alemanha: como foi possível um povo tão civilizado, criador de uma fantástica cultura, em todas as artes e ofícios, ter votado num certo Adolfo Hitler nos anos 30 do século passado, depois de ele já ter lançado o “Mein Kampf” (Minha Luta), em que antecipava tudo o que pretendia fazer com o país e o mundo?

Quem me fez esta pergunta outro dia foi um brasileiro sobrevivente do Holocausto, levado ao campo de concentração de Auschwitz, com 17 anos, de onde saiu com apenas 27 quilos.

Como foi possível?, eu pergunto de novo, sem esperar respostas, porque não consigo entender até agora nem o que aconteceu com o Brasil, um país que, apenas cinco anos atrás, antes do golpe de 2016, era respeitado e admirado no mundo todo.

E Eliane se pergunta quase ao final do seu libelo: “Como enfrentar o horror? Como barrar o adoecimento provocado pela destruição da palavra como mediadora? Como resistir a um cotidiano em que a verdade é destruída dia após dia pela figura máxima do poder republicano?”.

Minha amiga foi ouvir Rinaldo Voltolini, professor de psicanálise da Universidade de São Paulo, um dos poucos a permitir a publicação de seu nome, que lembrou de um diálogo entre Albert Einstein e Sigmund Freud.

“Quando Einstein pergunta a Freud como seria possível deter o processo que leva à guerra, Freud responde que tudo o que favorece a cultura combate a guerra”.

Com esse texto escrito há quatro meses, parece que Eliane profetizou o que está acontecendo nas últimas semanas na cultura nacional:

“Os bolsonaristas sabem disso e por isso estão atacando a cultura e a educação. A cultura não é algo distante nem algo que pertence às elites, mas sim aquilo que nos faz humanos. Cultura é o que nos apalavra. Precisamos recuperar a palavra como mediadora em todos os cantos onde houver gente. E fazer isso coletivamernte, conjugando o nós, reamarrando os laços para fazer comunidade. O único jeito de lutar pelo comum é criando o comum _ em comum”.

Termina assim o texto dela:

“É preciso dizer: não vai ficar mais fácil. Não estamos mais lutando pela democracia. Estamos lutando pela civilização”.

Não sei se Fernanda Montenegro leu este texto de Eliane Brum, mas a maior atriz brasileira de todos os tempos veio a público para alertar:

“Se eles puderem, estaríamos todos num paredão e eles atirando em nós com metralhadoras”.

Antes que isso aconteça, recomendo aos caros leitores que leiam a íntegra do texto da repórter de Altamira no El País.

Até me esqueci do hacker…

Vida que segue.

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