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Denise Assis

Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".

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É possível que Luciano tenha sido um herói. É possível

Denise Assis observa que a morte do catador Luciano Macedo, que morreu 11 dias após ser baleado quando tentava ajudar a família do músico Evaldo Rosa, morto por uma saraivada de mais de 80 disparados por militares durante uma operação no Rio de Janeiro; "Suplicou por ajuda e pela solidariedade que deu, mas não teve em troca. A mão que dispara não é a mesma que socorre", ressalta; "O que é pouco provável, ou talvez impossível, é que os nove presos sob a acusação de ter matado o seu filho recebam uma punição. O comandante em chefe da instituição já a desmentiu de antemão: "o Exército não mata ninguém", observa

É possível que Luciano tenha sido um herói. É possível
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Por Denise Assis, para o Jornalistas pela DemocraciaLuciano Macedo, 27 anos, teve a família desfalcada cedo. Aos nove anos perdeu o pai, em acidente doméstico, que não foi especificado – e para que esmiuçar biografia de catador de material reciclável, não é mesmo? Isto é próprio para artistas, e Luciano nem era um deles.

Não prosseguiu nos estudos, interrompidos na 5ª série, quando ganhou as ruas para se virar, como tantos garotos que optam por sobreviver em área de risco. É possível que tenha cometido pequenos delitos para se manter vivo. Mas é possível, também, que à noite, sob os viadutos e marquises onde buscou abrigo, tenha sonhado com uma vida melhor. Quem não sonha?

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Luciano foi criado em uma comunidade que, como tantas outras, no Rio de Janeiro, têm nomes que soam irônicos. Na favela do "Final Feliz", perto de Anchieta. Ali conheceu Daiana, sua paixão adolescente. A vida nas ruas separou as suas histórias, reunindo-os há dois anos, quando se reencontraram e passaram a buscar o tal final feliz, que só encontraram no nome do lugar onde cresceram.

A rua, onde cabem todos, foi o cenário para o amor do casal, que há cinco meses engravidou. Para a família, que aumentava, Luciano passou a catar madeiras para construir o barraco, em Guadalupe, e reunia também material reciclável, para o sustento dele, da mulher e da boquinha a caminho. O lugar foi escolhido com critério. Próximo a uma unidade do Exército. No entender de Luciano, seguro, pois os protegeria. É possível que ele acreditasse nisto, de verdade.

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Até aquele domingo, há 11 dias, quando sem pensar na própria segurança, correu para tirar do carro, sob uma chuva de disparos, o filho de sete anos, do músico Evaldo Rosa, atingido e imóvel ao volante. Ele não conhecia a família de Evaldo. É possível que ao ver o garoto desprotegido dentro do carro, tenha sido movido pelo sentimento de paternidade, pela gravidez de Daiana. É possível. Mas não foi só. Luciano voltou para tentar ajudar Evaldo, sem sabê-lo já morto.

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Nesta tentativa foi ele mesmo ferido. Suplicou por ajuda e pela solidariedade que deu, mas não teve em troca. A mão que dispara não é a mesma que socorre. É possível que nesta hora Luciano quisesse muito viver, pela mulher, pelo filho. É possível.

Luciano tinha uma irmã, Lucimara Macedo, 38 anos. Sua foto foi estampada na capa de um jornal de grande circulação. Contou a história da família e falou do heroísmo do irmão e do orgulho que sentia dele, ainda que na despedida. É possível que em toda a sua vida, não tivesse a chance de ter uma foto feita por um profissional do gabarito do que clicou em close a sua dor. É possível que no auge do sofrimento ela tenha se achado bonita, ainda que na foto uma lágrima desça sobre o seu rosto. É possível.

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Ontem, quando o corpo de Luciano desceu à sepultura, depois de uma coleta de R$ 13 mil em donativos enviados pela Internet, para cobrir as despesas do funeral, Aparecida Macedo, a sua mãe, expôs a dor de quem perdeu tudo o que tem de seu, numa acusação corajosa. "O Exército matou o meu filho. O Exército matou meu filho". É possível que ela que sempre trabalhou em serviços gerais, tenha deixado ali o mais caro de sua existência. É possível.

O que é pouco provável, ou talvez impossível, é que os nove presos sob a acusação de ter matado o seu filho recebam uma punição. O comandante em chefe da instituição já a desmentiu de antemão: "o Exército não mata ninguém". É possível.

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