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Vivi Mendes

Advogada criminalista, formada pela USP. Foi assessora da Secretaria Municipal de Políticas para Mulheres de 2013 a 2016, na gestão Haddad, em São Paulo. Feminista e militante pelos Direitos Humanos.

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É preciso acabar com a normalização do capitalismo

Embora o capitalismo se prove extremamente elástico ao longo da história, é preciso superarmos não só um modelo homogêneo de normalidade, mas principalmente a normalização do próprio capitalismo e, apesar do distanciamento social, essa quarentena torna esse debate cada dia mais próximo de todos nós

Favela de Paraisópolis ao lado de prédio luxuoso no Morumbi
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"Não podemos voltar ao normal, porque o normal era o problema" se tornou o grande mote da pandemia de coronavírus. Que o normal já não existe mais, é evidente. Nossas vidas e instituições foram completamente alteradas e, em breve, teremos colocado em prática o primeiro conjunto de medidas econômicas necessárias para enfrentar a crise no Brasil: Renda Básica, créditos subsidiados e suspensão de tributos. Durante pelo menos três meses veremos metade das famílias brasileiras receberem até R$ 1200 reais como auxílio temporário. A fim de comparação, vamos dedicar um orçamento igual ao da administração direta da cidade de São Paulo para que as pessoas fiquem em casa – vivas. O Estado, definido até então como inchado e parasitário pelo debate público, retorna como a única saída imediata frente ao período de crise que vivemos. Passadas as tarefas de primeira urgência, cabe agora nomear quem nos trouxe até aqui e qual o epicentro da suspensão da normalidade. O debate sobre o dia seguinte está lançado e temos agora uma oportunidade única de construí-lo para o futuro. 

Nesse caminho, uma das primeiras tarefas será abrir a janela para o fim possível do neoliberalismo. Ainda que multifacetário, nos serve aqui a definição do neoliberalismo enquanto um projeto de aplicação da lógica de mercado para as inúmeras instâncias da vida, que se consolidou no autoritarismo de Pinochet e na supremacia do indivíduo sobre a sociedade de Thatcher. Entretanto, sua hegemonia enquanto sistema se atualiza no século XXI por meio da meritocracia, sob uma narrativa que nos torna responsáveis exclusivos pelo sucesso ou fracasso de nossas trajetórias, mensuradas pela nossa capacidade de consumo e acumulação material. 

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Mas para manter um projeto dedicado a reduzir o colchão da segurança social e expor cada um de nós à competição de mercado, o neoliberalismo nunca escondeu sua face mais autoritária nas Américas. Não apenas por atacar, em nome da eficiência, um Estado mais desestruturado do que o europeu, mas também por se utilizar das fragilidades democráticas e da instabilidade social das periferias para aplicar seu programa às custas de qualquer pacto político. Passada a onda de golpes e derrotas da esquerda no continente, esse modelo se aliou no Brasil a um projeto de cunho fascista e que, além do próprio presidente, encontrou no Congresso um ambiente receptivo à aprovação acelerada de “Reformas”. E por mais contraditório que possa parecer, foi graças à epidemia que vimos a interrupção forçada desse ritmo liberal.

Apesar da oportunidade de questionarmos a manutenção do neoliberalismo diante de tantas instabilidades estruturais, não podemos nos enganar da sua capacidade de sobreviver em condições semiáridas. Essa sanha por reformas – por uma retomada produtiva desenfreada – pode ser capaz de atualizar o neoliberalismo através do seu caráter laboratorial na América do Sul. Ao fim do isolamento social (ainda muito incerto), é possível que a sua atualização venha diante de outra moeda de troca, de trabalhos cada vez mais sucateados e de um mercado imobiliário adaptado a necessidades epidêmicas, disponibilizando novas ofertas de habitação. A socióloga argentina Maristella Svampa apresenta no livro Descolonizar o Imaginário que as lutas na América Latina são dotadas de sentido, contexto a partir do qual pensamos e fazemos teoria. É por esse ímpeto que as camadas sociais, verdadeiras detentoras das forças produtivas desse país, asseguram que o neoliberalismo nunca correspondeu às suas necessidades, e este momento pode ser um ponto de inflexão de reivindicações, mas precisa colocar também no horizonte uma agenda de lutas capaz de apresentar uma alternativa econômica (social, subjetiva e etc) competitiva à atual. 

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O padrão de normalidade em que vivíamos precisa ser transformado de maneira radical – e criativa –, nos voltando às experiências exitosas interrompidas pelo neoliberalismo, como a Constituinte do Equador baseada em noções tradicionais de sustentabilidade social e ambiental; ou mesmo na participação do MST e dos produtores familiares na distribuição de merendas escolares, se pensarmos numa perspectiva municipalizada. É tempo de dar corpo à transição ecológica como um força motora de transição econômica, afinal, a suspensão da normalidade alcançou os indivíduos, mas precisa, sobretudo, alcançar o agronegócio e as mineradoras – que certamente não suspenderam seu trabalho durante a pandemia. 

A crise sanitária que vivemos é resultado de um modelo extrativista e de homogeneização dos modos produtivos. A monocultura é o símbolo maior dessa organização, criando comunidades cada vez menos autônomas e sustentáveis, e dependentes de um modelo desigual de sociedade. Vivemos às custas de um modo exploratório de aniquilação e por isso precisamos mais do que nunca incorporar as críticas formuladas pelos povos originários, campesinos e demais comunidades tradicionais ao nosso projeto. 

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Embora o capitalismo se prove extremamente elástico ao longo da história, é preciso superarmos não só um modelo homogêneo de normalidade, mas principalmente a normalização do próprio capitalismo e, apesar do distanciamento social, essa quarentena torna esse debate cada dia mais próximo de todos nós. 

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