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Alex Solnik

Alex Solnik é jornalista. Já atuou em publicações como Jornal da Tarde, Istoé, Senhor, Careta, Interview e Manchete. É autor de treze livros, dentre os quais "Porque não deu certo", "O Cofre do Adhemar", "A guerra do apagão" e "O domador de sonhos"

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Eike deveria ter seguido o exemplo de Corisco

Guardadas as devidas proporções e ressaltando a abismal diferença entre essas duas pessoas e as situações em que estão envolvidas, o empresário Eike Batista, ao "se entregar à Justiça", cometeu o mesmo erro que o jornalista Vlado Herzog que, em 1975, se entregou ao DOI-Codi um dia depois de ser procurado por agentes clandestinos na TV Cultura, onde trabalhava e não se encontrava na ocasião

Eike Batista (Foto: Alex Solnik)
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Guardadas as devidas proporções e ressaltando a abismal diferença entre essas duas pessoas e as situações em que estão envolvidas, o empresário Eike Batista, ao "se entregar à Justiça", cometeu o mesmo erro que o jornalista Vlado Herzog que, em 1975, se entregou ao DOI-Codi um dia depois de ser procurado por agentes clandestinos na TV Cultura, onde trabalhava e não se encontrava na ocasião.

Convencido de que enfrentaria apenas um interrogatório, e, como não tinha cometido crime algum seria liberado em seguida, ele se apresentou de livre e espontânea vontade num sábado de manhã, em vez de fugir para onde quer que fosse e no mesmo dia morreu na tortura, embora sua morte tivesse sido apresentada como suicídio pelos torturadores, e confirmada pelo médico legista de triste memória, chamado Harry Shibata.

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Para começo de conversa, Eike, por quem, repito mais uma vez, não tenho nenhuma simpatia nem razão alguma para elogiar seu passado, não se apresentou à Justiça como foi noticiado, pois ele não compareceu diante de um juíz ao desembarcar de Nova York no aeroporto do Galeão.

Foi levado diretamente ao Presídio Ary Franco, ponto inicial das humilhações que passou a sofrer a seguir. Apresentou-se diretamente à polícia.

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E por que não se apresentou ao juiz? Provavelmente porque não existe um processo formal contra ele. Eis a primeira transgressão a comprovar a inexistência de segurança jurídica no Brasil.

Ele não matou, não estuprou, não ameaçou ninguém de morte, não foi pego em flagrante, foi apenas delatado por dois doleiros (delação é prova?) e, mesmo assim, o levaram diretamente à prisão com todos aqueles requintes de linchamento que se tornaram rotina no Brasil desde a eclosão da Lava Jato e que são aplaudidos por uma boa parte da imprensa da qual o apresentador da TV Bandeirantes, José Datena é um dos expoentes.

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Ele dedicou boa parte do seu longo programa de hoje a tecer comentários absolutamente raivosos, tais como esse, um dos mais comedidos, por sinal: "Eike foi para uma cadeia das menos violentas, mas qualquer cadeia, mesmo desse tipo é tão perigosa que até mesmo o capeta se fosse para lá preferiria voltar ao inferno, pois é lá que estão presos ex-milicianos e ex-policiais que podem até matá-ló e na minha opinião ele deveria ir para a mais perigosa de todas, para aprender que ele não é melhor que ninguém".

Em seguida, sem jamais ponderar que contra o milionário não há nem processo instaurado, afirmou que se foi preso é porque há provas contra ele, que ele roubou "o meu e o seu dinheiro" e por causa disso "falta dinheiro para a saúde e educação e há 12 milhões de desempregados no país".

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Não vou perder tempo rebatendo argumentos sem nexo que servem somente para desinformar, criar confusão, incitar a população a linchamentos e a justificar a selvageria dos presídios, o que para ele é normal – um dia propôs jogar uma traficante no Rio Tietê – quero apenas mostrar como o tratamento aos presos piorou muito nos últimos trinta anos.

Sem ser apresentado ao juíz, que foi quem ordenou sua prisão, Eike foi submetido logo de saída a dois atos de humilhação explícita: primeiramente seu cabelo foi raspado completamente, sem nenhuma necessidade e depois passou por exame de corpo de delito no IML, o que significa ter ficado nu para ser constatado que entrou no presídio sem ferimentos.

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Longe de mim apresentar qualquer elogio aos torturadores da ditadura militar – eles torturaram, barbarizaram e mataram sem dó nem piedade – mas nem eu, que fui preso com cabelo e barba enormes (tanto é que o chefe do Doi-Codi afirmou que meu apelido era "Hippie") nem outros presos tiveram cabelos raspados nem foram obrigados a ficar nus ao serem encarcerados. (Durante a tortura ficavam nus e eram barbarizados, mas não ao entrar na dependência militar clandestina.)

A maioria dos brasileiros não vê nenhum problema nisso, talvez por ter perdido qualquer noção do que é humano e do que é bárbaro e por não perceber que são duas formas sutis de tortura.

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Certa vez, o delegado Protógens Queiróz revelou que um de seus prazeres, ao prender Paulo Maluf e Daniel Dantas foi expô-los à nudez explícita no IML.

O próprio Datena enfatizou, com sua verborragia habitual que ali onde está preso Eike corre risco de ser violentado ou ter a garganta cortada, por ser um arquivo vivo e não ser impossível alguém de fora do presídio comprar o seu assassinato por um punhado de dólares, mas nem por isso defendeu a sua integridade. "Se não queria passar por isso por que roubou"? disse ele.

Repito mais uma vez: Eike não é um santo como era Herzog, mas cometeu o mesmo erro ao não fugir para a Alemanha de onde não seria extraditado por ser portador de passaporte alemão. Não por ser um inocente em busca de justiça, mas porque, tal como em 1975, em 2017 não há segurança jurídica no Brasil.

Deveria ter seguido o exemplo de Corisco, explicitado na canção de Sérgio Ricardo em "Deus e o Diabo na Terra do Sol":

- Se entrega, Corisco!

- Eu não me entrego, não. Eu não sou passarinho pra viver lá na prisão. Não me entrego a tenente nem me entrego a capitão. Só me entrego na morte, com o Parabellum na mão.

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