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Carlos Carvalho

Doutor em Linguística Aplicada e professor na Universidade Estadual do Ceará - UECE.

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Elegia para Moïse

Seu nome era Moïse, mas poderia ser Antonio, Francisco ou José

Moise Mugenyi Kabagambe (Foto: Reprodução)
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Em busca de melhores condições de vida, Moïse Mugenyi Kabagambe deixou o Congo e veio para o Brasil. Não sabia ele, infelizmente, que por aqui as pessoas pretas são mortas dia e noite sem que nada aconteça aos assassinos, não importando se a vítima é uma vereadora, uma criança, um trabalhador braçal ou um consumidor em um supermercado. Abandonai todas as esperanças, o Brasil é aqui!

No país que não é racista, mas “abençoado por Deus e bonito por natureza”, crianças negras “caem” de prédios, homens e mulheres, todos pretos, são cotidianamente humilhados, torturados e mortos. A escravização de seres humanos, que dilacerou este país por mais de três séculos continua a avançar tal qual uma metástase no corpo enfraquecido de uma sociedade terminal. Moïse Kabagambe foi trucidado a pauladas ao cobrar um pagamento de duzentos reais. Os bárbaros que tiraram a vida do jovem congolês sabem que contam com um apoio que nós, meros mortais, não sabemos bem qual seja. Eles, no entanto, o sabem muito bem, pois são partes de uma engrenagem corrupta e criminosa que avilta o Estado democrático de Direito sem que a eles sejam imputadas as mais leves sanções. 

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Moïse Mugenyi tinha apenas vinte e quatro anos, era um imigrante que veio ao Brasil para escapar da miséria e dos conflitos bélicos do seu país. Moïse poderia ser meu irmão, meu filho. Moïse poderia ser eu mesmo. Moïse poderia ser você. O “caso Moïse” nos faz relembrar uma apresentadora de telejornal que, certa feita, defendeu o direito da população de se defender, quando criminosos surraram e amarraram um rapaz negro a um poste. O que também remonta à “escolha difícil” continuamente disseminada aos quatro ventos pelos editoriais irresponsáveis e artigos criminosos (alguns os chamam de “plurais”) publicados diariamente na mídia corporativa. As digitais de todos aqueles que deram seu “joinha positivo” para mergulhar o Brasil no caos em que está, estão nos pedaços de madeira e no taco de beisebol usados para matar Moïse Mugenyi Kabagambe. 

Moïse era um cidadão comum, cuja mão de obra era explorada num quiosque de praia, recebendo uma diária de cem reais. Seu nome era Moïse, mas poderia ser Antonio, Francisco ou José. Moïse não foi convidado para participar daquele famoso Reality. Como não era influencer, Moïse não podia cobrar duzentos e cinquenta mil reais para divulgar uma bugiganga qualquer em seu perfil. Moïse era um jovem homem preto que, assim como todo cidadão comum, precisava de cada centavo das diárias que trabalhava. 

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O Brasil, que esperneou quando queimaram uns dois pneus aos pés da estátua do assassino Borba Gato, não parou pela morte de Moïse Mugenyi Kabagambe, assim como nunca parou por nenhuma morte do povo preto, a carne mais barata do mercado. O quiosque continua de pé, protegido. Muito em breve, o Tropicália, provavelmente com outro nome, voltará a atender seus clientes que, não duvido, farão selfies no local do assassinato. À imprensa, a mãe de Moïse disse: “mataram meu filho aqui como matam em meu país”. Não há nada que possa ser dito a uma mãe numa situação assim. O que ela sente é uma dor que não tem nome. O Brasil está sendo consumido pelo ódio, pela violência, intolerância, dor e tristeza. Nada de bom parece restar. Ser negro no Brasil é saber que a próxima vítima poderá ser você, pois aqui nos matam como sempre fizeram, com históricos requintes de crueldade. O genocídio do povo preto continua. Até quando?

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