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Pedro Cláudio Cunca Bocayuva

Professor do PPDH do NEPP-DH/UFRJ

31 artigos

blog

Em busca da dignidade humana perdida em tempos de crueldade e fúria: o retorno dos direitos humanos como guia para a emancipação

No planeta errante a crueldade sem velamento substituiu via a cadeia de eventos catastróficos e a noção de sentido da história. A morte do progresso matou na passagem a ideia de sujeito da história, do poder demiúrgico do agir humano

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No sistema mundo em queda, sem rumo, vivemos numa transição paralisada, bloqueada sem mapas de navegação. Vivemos em meio a crueldade global, nacional e local, sentindo o vazio dos paradigmas. No reino da distopia, da falta de paradigmas emancipatórias, da crise de futuro que destrói a esperança e a confiança na noção de política como ferramenta da passagem, de mudança consciente para o estado caótico do mundo.

No sistema mundo em transição no século XXI, a abertura via bifurcação se tornou um buraco que traga nossa incapacidade material e simbólica de lidarmos com a força bruta, com o fazer frente ao impulso de destruição. A força extrema e a violência de destruição institucional das formas de integração social, dos direitos e das políticas públicas, do que se chama pelo nome de neoliberalismo. Hoje saímos das certezas do "fim da história" na passagem para uma sociedade global mais avançada. Caiu a crença de que o capitalismo global nos colocaria ante um novo sistema social, com novas instituições, novas escalas e novos laços. O quadro situacional no sistema mundo não é nem o da nova ordem, nem o da restauração da ordem, nem o do caos determinista que permitiria apostar em duas grandes tendências: a de um tipo de regressão a um mundo fragmentado de sociedades feudais e tribalistas ou a de uma um mundo governado por estruturas de democratização global.

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Na visão da bifurcação de sistema tínhamos a presença de visões de mudança civilizatórias, outras hipóteses realistas vieram se impondo na visão realista dos ciclos sistêmicos de acumulação retratando a disputa entre EUA e RPC pela centralidade no sistema mundo, pela dominação de formas que são marcadas por um desfecho que repete as leis da variação pela repetição de determinações invariantes. A possibilidade de uma guerra entre as potências aparece como o fator que definirá a ordem de um cenário do topo pós-guerra com a Vitória de um Centro, ou até de algum tipo de policentralidade. Mas a instabilidade e a intensidade da crise se relacionam com a leitura do choque de civilizações, da guerra entre culturas, etnias e formações de longa duração. A presença do discurso de Samuel Huntington supera a visão de Giovanni Arrighi e a do grande Immanuel Walllerstein, pelo fato de se relacionar na forma de uma profecia que se confirma na adesão crescente a uma visão de guerra cultural que se coloca como discurso que combina um feixe de discursos conservadores, racistas e bélicos. 

No planeta errante a crueldade sem velamento substituiu via a cadeia de eventos catastróficos e a noção de sentido da história. A morte do progresso matou na passagem a ideia de sujeito da história, do poder demiúrgico do agir humano. Mas a morte da ideia do agir social nos colocou nas mãos "do destino e da providência divina", por isso passamos ao ato da agressão direta em meio a momentos de anomia. Por isso, vivemos ondas de explosão e, passamos ao domínio da violência extrema quando as mediações da proteção e da integração são abandonadas.

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A ideia de superar os riscos da dominação totalitária nos lança nas mãos da nova servidão, através de modos de governo policial e militar com estruturas crescentes de fragmentação e privatização do poder do uso da força e do encarceramento, tortura e execução em massa de inimigos w criminosos, desviantes e descartáveis de todo o tipo. 

Vivemos momentos em que o Estado e as forças econômicas naturalizam o direito de matar e de fazer a guerra de todos contra todos. Promovendo a guerra religiosa, a guerra contra as drogas, contra o crime, contra o terror e a corrupção numa mobilização de vontades que manipula e alimenta as hordas fascistizadas. Passamos da desmedida da força bruta para a crueldade, nela temos a passagem para a explosão do rancor, da raiva, do ódio e, enfim temos o quadro atual de generalização da fúria que justifica e alimenta o gozo punitivo e banaliza a crueldade. 

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Quem sabe se parte da rebelião, quem sabe se o fracasso dos regimes de segurança e do neoliberalismo poderá se traduzir na catarse de que falava Gramsci? Quem sabe pelo horror da fúria acabaremos saindo da direção catastrófica e da mensagem apocalíptica que só gera falsos mitos, falsos profetas e o retorno do genocídio como fórmula de purificação?

O inferno é aqui e agora, não são os outros, mas projeção que lançamos neles como espelho da nossa violência que atravessa e rebate no espaço liso da globalização, da desmedida que se torna a forma permanente de um movimento repetitivo. O movimento que não faz a passagem para uma nova ordem via um avanço na qualidade da existência, na condição humana. A história vira palco do eterno retorno da injustiça como expressão e escolha que, inverte os sentidos utópicos presentes nas grandes lutas emancipatórias. Rompe com as explosões utópicas que marcam os maiores avanços da humanidade na direção de formas de bem-estar e vida digna, como expressão de regimes com modos de produção e de governo pela cidadania integrativa.

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Em tempos de emergência a vida nua da precariedade e do desamparo se expande. O hoje o sistema mundo capitalista, colonial, machista e racista bate nos seus limites de gestão, de funcionamento integrado. A coerção revela a face perversa do regime de dominação e o mercado não passa da impostura do saque. A reflexão deixa de ser sobre a crise, o tempo vira evento, nestes casos o medo e a carência se misturam com o excesso, o caos sistêmico não gera transição, os direitos são suspensos. 

Quando será que a face extrema, o Estado de natureza reconstruído e a crueldade poderão revelar, na sua didática mais pura, o caráter cínico e destrutivo das fórmulas moralistas que nos empurram para a guerra suja? Quem precisa da guerra suja e da ausência de consenso, do avesso da hegemonia e da paralisia da política como processo, ou do direito como forma e da democracia que ainda impedem o avanço brutal do binômio acumulação e guerra? Quando poderemos pensar numa transição que barre o saque e a precariedade, retomando o filão da crítica da economia política para que sejam superados o contexto das expulsões e da sua dimensão concreta como falta de horizontes para a superação da crise orgânica global? Quando uma nova racionalidade ecológico política com base no valor estratégico dos direitos humanos poderá nos tirar da vertigem e da cegueira da catástrofe? Pode uma politica com base na noção de direitos humanos criar as pontes e laços que resgatem a noção de bens públicos e do resgate da ideia de sociedade, assim como, da dimensão Republicana do Estado de Direito através do resgate da invenção democrática? Podemos pôr fim a barbárie da era que substituiu a ideia de sociedade e de contrato social pela ideia darwinista de competição entre raças, superando a dominação do mais forte e da liberação de hordas e máquinas para impor uma ordem governada pelo medo, pelo exterminismo e pela violência carcerária e murada? 

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A ideia de radicalização democrática e de direitos humanos como criação histórica se relaciona com o resgate da politica com uma critica aos poderes que forçaram uma agenda de globalização via neoliberalismo. O fetichismo da mercadoria, a financeirização e a destruição do laço social impuseram a agenda de naturalização da desigualdade e da segregação, que opera hoje na via da limpeza étnica e do choque de civilizações. Entre a crise do universalismo, do progresso e da ciência, entre as fórmulas corporativas e autoritária que geram novas competições que produzem guerra com todas as dimensões e mesclas híbridas, nem o Ocidente em queda nem o Oriente em crescimento atendem para a superação de tensões e as expectativas de resolução e contenção dos elementos de crise orgânica. 

Vivemos sob o panorama de desencanto e o desespero na contemporaneidade, no contexto da transição bloqueada que se resulta em rápidas primaveras dos povos, em motins, rebeliões e resistências fugazes. Em lutas moleculares que viram explosões de fúrias multitudinárias intensas como no Chile hoje, e na França desde o final dos anos noventa. Temos finalmente o retorno o reprimido na forma invertida se pseudo mudanças, de discursos de guerra na voz de governantes sem legitimidade que se apoiam em manobras jurídicas e midiáticas. Como podemos colocar realisticamente a questão do poder e o poder em questão num cenário distópico? O Que resgatar das lutas moleculares e das pequenas utopias? O que mobilizar de saberes e experiência civilizatórias impulsionadas pelas lutas emancipatórias, longe das ilusões que legitimam banhos de sangue?

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Na busca das respostas ganha contornos o retorno dos direitos humanos como guia para a ação de reinvenção do caminho para outra globalização e possíveis regimes democráticos e de bem-estar social com base em novas alianças como aponta Judith Butler. O retorno da noção de esfera publica na chave da disputa com o esgotamento do capitalismo globalizado potencializa o social e, abre o debate do comum. Articulando na chave dos direitos os movimentos, redes, forças e grupos capazes de redefinir os rumos da globalização numa chave cultural e ético política capaz de entender e superar a potência destrutiva e a desmedida. Somente pela política emancipatória é possível ir lidando com a potência que emerge das lutas. Lidar com o protesto atravessado pela explosão da fúria na busca desta passagem para a mediação política. Unificando as plataformas na sua diversidade na medida do potencial igualitário e libertário do poder constituinte emancipatório presente em novas subjetividades corporificados. Tendo em conta a disputa pelo espaço no tempo em que existe a possibilidade catártico, mas sempre apostando no resgate do tempo longo do bloco histórico, perspectiva da hegemonia como ferramenta e como horizonte cultural e ético para uma outra globalização que nos livre de falsos ídolos, mitos ocos e da crueldade como expressão atual da banalização da violência na sua forma extrema.

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