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Paulo Moreira Leite

Colunista e comentarista na TV 247

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Encontro Bolton-Bolsonaro tem antecedentes perigosos

"A caminho do Brasil para um encontro com Jair Bolsonaro, onde o destino de Cuba e da Venezuela estará em pauta, em 2002  o assessor John Bolton foi um dos responsáveis pela tese de que o Iraque possuía armas de destruição em massa, o grande pretexto para a guerra contra Saddam Hussein", escreve Paulo Moreira Leite, articulista do 247; "Enviados do governo dos Estados Unidos costumam fazer propostas indecorosas para presidentes em início de mandato", escreve PML;"Pouco depois de assumir o cargo, em 1961, Jânio recebeu um embaixador que queria apoio para dois golpes de Estado e uma operação militar contra Fidel Castro"

Encontro Bolton-Bolsonaro tem antecedentes perigosos
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Ninguém precisa surpreender-se com o empenho de John Bolton, principal assessor de Segurança Nacional de Donald Trump,  para cultivar boas relações com Jair Bolsonaro.

Na conversa marcada entre os dois, o assunto envolve o destino de Cuba e da Venezuela, que possuem governos que Washington considera um desafio a sua hegemonia imperial -- e espera ajuda de Bolsonaro para livrar-se deles.

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A potência da retórica ultra-conservadora de Bolton é um dado conhecido da diplomacia mundial, inclusive pela capacidade de ultrapassar os fatos. Em 2002, empenhado na Invasão do Iraque, ele foi um dos principais responsáveis pela divulgação da tese -- jamais demonstrada -- de que Saddham Hussein produzia "armas de destruição em massa", usada para justificar um conflito que produziu mais de meio milhão de mortos, deixou um custo estimado em U$ 1,7 trilhão e abriu um dos abismos em que a economia mundial se encontra até hoje. 

Se a pauta da semana que vem é relativamente conhecida, o mesmo se pode dizer da coreografia. Os diálogos nesse nível é que podem variar -- às vezes. Há mais de meio século que Washington costuma tratara os presidentes brasileiros, em particular no início de seus mandatos como debutantes nos bailes de 15 anos.

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UM PACOTE DE GOLPES PARA JÂNIO APOIAR

Em artigo publicado no volume III da obra  "Pensamento Diplomático Brasileiro," o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães revela que em março de 1961, o recém-empossado Jânio Quadros recebeu uma oferta surpreendente. Falando em nome de John Kennedy, exibindo também a autoridade de quem havia liderado o golpe para derrubar Getúlio Vargas em 1945, o embaixador Adolfo Berle Jr levou a Jânio o convite para participar de três intervenções na América Central.

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A primeira, para afastar o governo do Haiti, a segunda para invadir a Republica Dominicana e, por fim, como prato principal, derrubar o recém-instalado governo de Fidel Castro, em Cuba. "Jânio recusou firmemente", escreve Samuel Pinheiro Guimaraes, um estudioso aplicado da diplomacia do período. A história não terminou assim, obviamente.

A PEDIDO DOS EUA, CASTELLO ENVIA TROPAS A REPUBLICA DOMINICANA

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Um mês depois da audiência com Jânio, a CIA voltou a carga contra Fidel, organizando a invasão da Baía dos Porcos, com apoio de um grupo de mercenários do anti-castrismo. Fracasso total. Cada vez mais associada a Washington, a máfia que governava o Haiti foi deixada em paz por vários anos.

A Republica Dominicana teve outro destino, porém. Se o país já exibia uma instabilidade preocupante, a partir da eleição de Juan Bosch, presidente de ideias progressistas, Washington avaliou que o risco de conviver com uma Cuba 2 era grande demais e resolveu tomar uma providência imediata. Desta vez, com auxílio brasileiro.

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Depois de ajudar a conspiração militar liderada por Castelo Branco a derrubar o governo constitucional de João Goulart, Washington recebeu uma retribuição. Castello organizou uma tropa de 4 000 homens, despachada para a América Central para reforçar uma Junta Militar que enfrentava uma forte resistência popular após derrubar o governo Bosch. Ao lado de soldados de outros clientes conhecidos da Casa Branca -- Paraguai, Costa Rica, Honduras, Nicarágua, El Salvador --, os brasileiros retornaram em 1966, no final de uma missão avaliada como regular para ruim. 

Aqueles que, embalados pela propaganda do governo Castello Branco imaginavam que iriam participar de uma guerra de alguma forma comparável à luta contra o nazi-fascismo na Europa, tiveram uma decepção na volta. Enquanto, duas décadas antes, os pracinhas da FEB retornaram como heróis e até hoje são festejados pela população, os integrantes da FAIBRAS (Força Armada de Intervenção Brasileira) jamais tiveram maior reconhecimento.

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"Em vez de preservamos a paz, tivemos que combater os rebeldes, expondo nossa própria vida, num clima extremamente hostil", recordou José Carlos Teixeira, um dos integrantes da FAIBRÁS, em entrevista ao portal BBC Brasil (25/5/2015). O caráter questionável da missão se traduziu em aspectos rituais e financeiros. Os veteranos de São Domingos jamais foram incorporados as fileiras das Forças Armadas, como seria natural, mas dispensados ao voltar ao país. Até hoje não recebem convite para desfilar em datas cívicas. Tampouco tiveram direito a pensões, como acontece com os pracinhas.

Nos meses dramáticos que antecederam a guerra do Iraque, John Bolton teve um conflito de vida ou morte com o embaixador brasileiro José Bustani, duas vezes eleito presidente da Organização pela Proibição de Armas Químicas. 

"A GUERRA DO IRAQUE PODERIA TER SIDO EVITADA"

Quando entrevistei Bustani, em 2013, uma década depois dos acontecimentos, ele me disse que "a guerra do Iraque poderia ter sido evitada sim. Nós já tínhamos feito uma inspeção naquele país. Nossos inspetores conheciam o Iraque e haviam tomado parte em missões anteriores. Sabiam o que deveriam procurar. A maior parte das armas químicas já havia sido destruída. As poucas amostras que restaram – era isso mesmo, amostras – foram localizadas e  retiradas do país. Só restaram alguns cientistas, que tinham até conhecimento, mas não tinham meios de construir armas." (Istoé, 13/11/2013).

Irredutível na defesa das conclusões da entidade, questionadas com ênfase pelo mesmo John Bolton aguardado por Bolsonaro na semana que vem, Bustani conta que deu-se conta de que os laudos técnicos haviam se tornado obstáculo para outros interesses.  "Aos poucos, ficou claro que, no caso específico do Iraque, eu estava aparentemente atrapalhando outro plano, o da invasão," diz. Na entrevista, ele conta sem meias palavras que Bolton "me deu 24 horas para sair da organização. (...) Ele disse que Washington exigia minha saída e que ele queria fazer isso de uma forma elegante."

Bustani  acabou afastado da presidência numa conferência na qual o mal-estar geral se expressou em números. Foram dados 48 votos pela sua saída, 7 votos pela permanência, e 43 abstenções. Países como Rússia e China votaram com Bustani, que também teve o voto da França e do México.  

Duas décadas depois, os dados do problema são outros. A tese de que o governo do Iraque era uma ameaça em função de armas de destruição em massa é reconhecida como aquilo que sempre foi: um pretexto para a guerra contra um inimigo do governo dos Estados Unidos. Por motivos mais do que compreensíveis, o prestígio do corpo técnico da Opaq cresceu.

Em 2013, a entidade chegou a receber um Prêmio Nobel em reconhecimento pelo seu trabalho. Mesmo afastado, Bustani teve direitos a várias manifestações de solidariedade e apoio pelo comportamento em 2002.

Enquanto isso, John R. Bolton vem ao Brasil, para conversar com Bolsonaro sobre a Cuba e Venezuela.

Alguma dúvida?  

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