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Antonio Maués

Professor Titular da Universidade Federal do Pará (UFPA). Membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD)

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Ensaio geral

Na calculada entrevista em que anunciou sua demissão do Ministério da Justiça, Sérgio Moro buscou subsidiar a abertura de um processo de impeachment contra Bolsonaro

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O cenário começou a ser montado. Na calculada entrevista em que anunciou sua demissão do Ministério da Justiça, Sérgio Moro buscou subsidiar a abertura de um processo de impeachment contra Bolsonaro. Ao contrário do que se falava no início do ano, a questão agora não é mais “se” Bolsonaro terá que enfrentar esse processo, mas “quando” isso ocorrerá.

Essa mudança no cenário político decorre da crise provocada pela pandemia e das respostas negacionistas do presidente. Consciente de que as medidas de distanciamento social teriam um efeito arrasador sobre a economia, Bolsonaro fez sua aposta mais arriscada e perdeu. Mesmo que seu discurso de defesa do emprego possa ter repercutido positivamente em setores da classe trabalhadora, ele não conseguirá fugir de suas responsabilidades pelo alto número de mortes e pelo agravamento da crise econômica. Quando as curvas ascendentes dos óbitos e do desemprego se transformarem em curvas descendentes de aprovação, Bolsonaro não poderá mais dizer: “E daí?”.

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A radicalização que caracterizou suas últimas ações representou, novamente, a tentativa de manter uma base fiel de apoio, mesmo que ao preço de torná-la ainda mais reduzida. O discurso feito no dia 19/4, em frente ao QG do Exército em Brasília, rompeu limites que o próprio Bolsonaro havia preservado em manifestações anteriores a seu favor.  Dentro dessa lógica, a demissão de Luiz Mandetta significava aceitar os danos políticos que o governo sofrera no início da pandemia, enquanto a saída de Moro revela que o presidente se sente acuado e tenta romper o cerco sacrificando uma parte de sua tropa.

Crise econômica e falta de sustentação parlamentar fazem parte do enredo dos impeachments no Brasil. Em relação à economia, Bolsonaro pouco poderá fazer neste ano e no próximo, diante dos recordes históricos de queda do PIB e crescimento do desemprego. Sua popularidade tende a continuar declinante e as negociações ora em andamento com o Centrão provam que o presidente já não confia em ter votos suficientes para barrar um processo de impeachment. As experiências anteriores, contudo, demonstram que essa base não é confiável, especialmente quando o poder executivo tem pouco a oferecer em contrapartida. Mesmo o apoio de lideranças neopentecostais a Bolsonaro não destoa desse pragmatismo do Centrão, o qual elas integram. Assim, a militância bolsonarista pode ficar reduzida aos setores que defendem abertamente o autoritarismo, que contam com pouca representação no Congresso Nacional.

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Excluída a cassação pelo TSE, que obrigaria à realização de novas eleições ainda este ano, qual poderia ser o primeiro ato da queda de Bolsonaro? Neste momento, dois flancos encontram-se abertos: o inquérito no STF sobre as denúncias de Moro e os pedidos de impeachment acumulados na Presidência da Câmara dos Deputados. O inquérito requerido por Augusto Aras tem potencial para ser o feitiço que se volta contra o feiticeiro, como indicam os fundamentos adotados por Celso de Mello para instaurá-lo. Por sua vez, a decisão de Alexandre de Moraes suspendendo a posse de Alexandre Ramagem na Direção da Polícia Federal mostra que o STF está pronto para assumir novamente protagonismo político, desta vez contra Bolsonaro. As próximas semanas serão pautadas pelas informações produzidas por esse inquérito. 

Enquanto isso, Rodrigo Maia tem consciência de que o atual isolamento social impede as mobilizações de rua necessárias para compor uma ampla maioria pela saída de Bolsonaro. Esse ato, contudo, pode esperar a passagem do pico da pandemia, pois não faltarão elementos para manter a atenção do público. A instalação de uma nova CPI contra o presidente ou a ampliação dos trabalhos da CPMI sobre fake news manteria Bolsonaro sob fogo cerrado também no Congresso Nacional. Além desses ataques diretos, a arma lavajatista dos vazamentos seletivos voltará a ser utilizada a todo o vapor, de modo a atingir particularmente os filhos do presidente. Bolsonaro, portanto, tem pouco a ganhar com o adiamento da decisão de Maia sobre os pedidos de impeachment.

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 Esse tempo também é necessário para as negociações que terão que ser feitas com Mourão e os ministros de origem militar. O ponto decisivo da trama será o acordo de políticos e empresários com esse setor. Sinal do enfraquecimento da democracia no Brasil, a necessidade de contar com o suporte e não apenas com a anuência militar ao impeachment – como aconteceu com Collor e Dilma – não decorre apenas da pessoa do vice-presidente, mas do fato de que os militares que ocupam cargos chave no executivo agem como uma corporação que pretende permanecer no poder. A ascensão de Mourão à presidência poderia consolidar o papel desse grupo no governo e desmontar o apoio que Bolsonaro parece ter entre setores das Forças Armadas e das polícias militares.

Sob o ponto de vista do empresariado, a situação de Bolsonaro se aproxima daquela vivida por Michel Temer após seu primeiro ano de mandato. Depois da aprovação do teto dos gastos em 2016, Temer passou a enfrentar muitas dificuldades para dar seguimento a outras reformas e as denúncias feitas por Joesley Batista bloquearam definitivamente as ambições de seu governo. Mesmo que ainda disponha de mais da metade de seu mandato, a capacidade de Bolsonaro impulsionar a reforma do Estado Brasileiro reduziu-se bastante, em um momento em que a gravidade da crise econômica exige uma forte liderança. Em outra comparação, Collor também havia se tornado disfuncional para o avanço da agenda neoliberal, que se fortaleceu pelas mãos da coalizão formada para aprovar seu impeachment e que governou o país até o final do Governo FHC.

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Se essas comparações forem legítimas, há razões para que o empresariado apoie a ascensão de Mourão, mesmo que o preço a pagar seja o relaxamento de  algumas das medidas de austeridade, tal como no imaginário Plano Pró-Brasil. Um Bolsonaro enfraquecido perante o Centrão dificulta mais o ajuste fiscal do que um novo Governo Mourão que disponha de uma base parlamentar estável. Nessas circunstâncias, a saída de Paulo Guedes deixa de ser traumática e pode até resultar em mais eficiência na gestão econômica pós-pandemia, cenário para o qual o Posto Ipiranga não dispõe de combustível.

Por hora, os personagens dessa trama ainda estão nos bastidores, mas podemos antever o final do espetáculo. Embora a apresentação de uma denúncia pelo Procurador-Geral da República seja improvável, a construção de uma alternativa política a Bolsonaro, que conte com o apoio do STF, pode abrir essa via. Já a admissão de um pedido de impeachment por Rodrigo Maia será o sinal de que o presidente não dispõe do número mínimo de votos para evitar seu afastamento. Em ambas as situações, deve-se esperar que Bolsonaro renuncie para manter seus direitos políticos e sustentar o discurso de que o “sistema” o impediu de governar. Mas não podemos esquecer que, em 2020, o espetáculo precisa começar antes que a agenda teatral esteja ocupada com as eleições municipais. 

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Nesse enredo, cabe à esquerda um papel coadjuvante. A direita não precisa de uma “frente ampla” para derrubar Bolsonaro e seu impeachment poderia até mesmo reforçar a narrativa de que o Brasil tem que se livrar dos “extremos”. No entanto, a saída de Bolsonaro da presidência diminui as ameaças à democracia que ele representa e pode levar a melhores condições de disputa nas próximas eleições.

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