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Tarso Genro

Advogado, político filiado ao Partido dos Trabalhadores, foi governador do Rio Grande do Sul, prefeito de Porto Alegre, ministro da Justiça, ministro da Educação e ministro das Relações Institucionais do Brasil

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Entre a fome e o vírus

"A opção entre a morte e a morte é a opção da barbárie e ela está vencendo", afirma o ex-ministro dda Justiça Tarso Genro

(Foto: Brasil de Fato/Leonardo de França)
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Por Tarso Genro 

(Publicado no site A Terra é Redonda)

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Estou bem próximo, numa rua erma, onde dois homens velhos conversam certamente sobre as dificuldades da arte de sobreviver. São dois homens de cabelos brancos, vestidos de maneira simples, defronte a uma casa pequena e antiga. É um bairro de pessoas pobres, onde fruir o escasso vento da manhã – do verão cada vez mais quente – é um privilégio. Um deles, que está sentado com a cabeça erguida, responde algo ao que está em pé.

Ao passar por eles escuto aquele que está em pé dizer ao que está sentado – atento e reverente – como um velho conhecido: “… é que temos que escolher entre morrer de fome ou morrer do vírus”. A sentença revela reverência e fatalidade, não prazer ou adesão. Nem admiração ou respeito. Mas acolhimento de uma ordem mítica, sobre a qual não pende nenhuma possibilidade de resistência ou alternativa.

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Na sequência lembro uma fala de Walter Benjamin sobre o nazifascismo e a guerra: “No piloto e chefe de um único avião com bombas de gás, convergem todos os poderes capazes de privar o cidadão de luz, de ar e de vida, e que em tempos de paz estão distribuídos por milhares de chefes de repartição.”  O Fascismo cria sua fatalidade mítica na razão invertida da palavra do líder: a razão iluminista pisa nas trevas medievais e abre espaços de luz; a razão perversa do fascismo, todavia, foge dos espaços de luz e abre o portão das trevas e da morte.

Pela frase que escutei, como se fosse o fragmento de um discurso sobre a desgraça, entendi melhor os efeitos da estratégia de um genocídio alcançando o  inconsciente: ele promove a dominação pela criação da dor consentida. A política de Bolsonaro é precisamente isso: convencer aquela parte indefesa – disponível na sociedade – que é bom ser confinada entre duas ilusões-limites: não entre a vida e a morte, mas entre os dois tipos de mortes no mercado liberal do ódio: morte pela fome ou morte pelo vírus.

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Minha querida amiga Clara Ant me remete uma gravação sobre um fato brutal, ocorrido com parte da sua família, num dia longínquo 2a. Guerra, quando os nazistas ocuparam a Polônia. Separados das famílias recolhidas pelos nazis – todos judeus – os homens capturados foram pelos nazis levados a lugar “discreto”, para cavarem uma enorme fossa onde seriam sepultados após o fuzilamento coletivo pelos “valentes” soldados alemães.

Em cada movimento da pá, ao abrirem a fossa na terra generosa, imagino cada um destes homens olhando o céu e a terra, cientes de do roteiro lhes levava ao túmulo comum. Nesta certeza, o ritmo da terra ultrajada certamente lhes falava de uma morte solitária, que viria na tentativa de uma rebelião impossível; ou indicava a morte coletiva, cujo ritual de oferenda coletiva seria recompensado pelas mulheres que seriam poupadas.

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Entre as mulheres que conseguiram caminhar depois dos assassinatos em massa, estava a mãe de Clara Ant, que recebeu de uma vizinha não-judia um punhado de batatas cozidas, que salvaram vidas e abriram novos caminhos de resistência. Um gesto de amor, uma forma de autopreservação da dignidade humana, um gérmen de resistência moral plantando a possibilidade de futuro.

Morte pelo vírus ou morte pela fome! Eis o convencimento trabalhado pelos ideólogos do bolsonarismo que especula com o medo, a fragilidade das pessoas perante o infortúnio programado e que faz a gente se perguntar: Onde estavam estas pessoas que fizeram isso? Quem são elas? Como de repente começaram a se apropriar da vida de milhões e lhes levam – como autômatos – a cavar seus próprios túmulos? A opção entre a morte e a morte é a opção da barbárie e ela está vencendo.

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Todos os que rejeitam a barbárie, todos os que recusam o fascismo, todos os que não aceitam que a disjuntiva seja “a morte ou a morte”, mas a vida ou a morte – e estejam dispostos a lutar pela vida – deveriam sentar numa larga e generosa Mesa de unidade política contra o fascismo.

Neste ano infernal de 2021, em que o Centrão e centenas de militares no Governo parecem ter ajustado assassinar todos os sonhos de uma República com democracia e justiça, devemos carregar batatas nos bolsos da nossa consciência, para alimentar o desejo coletivo de lutar e de vencer os bandidos instalados no poder.

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