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Dom Orvandil

Bispo Primaz da Igreja Católica Anglicana, Editor e apresentador do Site e do Canal Cartas Proféticas

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Escutar e ver o outro: É possível?

Continuo esperançoso, mas preocupado com o projeto de Brasil que sairá da crise do desrespeito dos que não estão nem aí para os gritos e lutas do povo, sem escutá-lo e sem vê-lo, na sua eterna invisibilidade

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Querida amiga Assistente Social Érika Saraiva, Belém, Pará

Sou-te profundamente agradecido pelo modo fidalgo e solidário com que tu e Dom Ricardo me receberam, ele na madrugada do dia 15 no aeroporto de Belém e na sua diocese no Pará, e tu com o gostoso café da manhã com tua companhia alegre e plena de sonhos animados.

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Vocês são simplesmente maravilhosos!

O meu amigo e companheiro de liderança na Ibrapaz, o querido Dr. Adelmar Santos de Araújo, coordenador da série de volumes de publicações de seleções de postagens produzidas por mim, outro dia numa reunião mencionou o meu artigo do blog e constante do primeiro livro na página 233, intitulado "Rubem Alves morre e revela os porões da morte e as jabuticabas da vida".

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Meu amigo discursou mencionando Rubem Alves, citado por mim, que reclamou de que as pessoas querem somente aprender a falar, por isso fazem cursos de oratória. Seria necessário fazermos cursos de escutatória para aprendermos a escutar e entender o outro com profundidade, reclama o famoso teólogo, filósofo, psicanalista e mestre.

É muito difícil, para muitas pessoas é impossível, escutar o outro e até vê-lo como é.

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Percebe-se as dificuldades já nas conversas informais quando dizem, interrompendo e desviando a atenção do interlocutor, muitas vezes carente de ser ouvido e visto: "ah sim, comigo então foi muito pior"; "pare de chorar, isso logo passa"; diante da angústia as respostas são rápidas para obstaculizar as falas: "não te preocupes, logo isso se resolverá"; ao escutar um pedido de apoio as pessoas que se definem religiosas logo lascam: "Deus está no controle, entrega nas mãos dEle" e assim vai o processo cala a boca e sufoca alma do próximo.

Normalmente quando as pessoas conversam comigo as escuto com toda a atenção. Quando me perguntam o que fazer respondo que não sei. Muitas se revelam decepcionadas porque esperavam ouvir de mim um caminhão de conselhos e de receitas com soluções fáceis e prontas. No mínimo algumas aguardam que eu prometa que Deus as ajudará e lhes dará todas as soluções.

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Porém, prefiro escutar e juntamente descobrirmos saídas.

Comumente não se escuta e não se vê os outros com os ouvidos e com os olhos. O que prenomina são paradigmas em forma de telegramas que dominam nossas mentes, com definições antecipadas, que imaginamos que as outras pessoas precisam antes de elas falarem sobre o que sentem, o que pensam e o que sofrem. Em certos casos as pessoas precisam falar para se auto escutarem, experiência somente possível se reconhecermos seus direitos de falar e de serem vistas atentamente.

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Noutras palavras, modelos congelados de material construído de retalhos de preconceitos agem antes de ouvirmos e vermos as pessoas, como se as víssemos em silhuetas pelas vidraças embaçadas das janelas de nossos sensores. Isso funciona como se já soubéssemos e adivinhássemos tudo o que o próximo sente, de modo que nem precisamos ouvi-lo e vê-lo.

A humildade e a compaixão somem e em seu lugar se acumulam juízos e atitudes eivadas de desumanidades e até de desrespeito.

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Em nome de tais comandos já se matou mulheres e cientistas durante a Idade Média, sem ouvi-los e sem vê-los como grandes construtores da vida e do saber. Dessa forma se perseguiu, prendeu, torturou e matou pessoas durante as ditaduras Vargas e militar.

Uma ideia má a comandar a mente de quem não ouve e não vê o outro pode ser poderosa bomba de destruição.

As empresas não ouvem e não veem seus trabalhadores nem seus clientes como pessoas, mas como máquinas de produzir e como consumidores que entregam dinheiro nos caixas, tão somente.

Professores e professoras que não aprenderam a arte de educar não vêm seus alunos e alunas como pessoas a serem escutadas e vistas, mas como futuras peças de reposição do mercado capitalista.

Até mesmo pastores e padres não sabem ouvir e ver com ouvidos e olhos voltados a pessoas e não a almas descarnadas, cheias de pecados ou como dizimistas de enriquecer donos de igrejas.

Nas famílias nem sempre as pessoas se dedicam a ouvir e a ver o outro na sua inteireza mais profunda e verdadeira. Muitas vezes os ruídos provindos de preconceitos e da rotina de vidas com agendas tumultuadas de atividades sem objetivos humanos predominam mortalmente, empobrecendo relações e matando afetos.

Até mesmo no campo complexo da terapia, hoje entregue a picaretes, aventureiros, mercenários e mercadores de psicologismos baratos, com pessoas que passaram por faculdades sem ler as Obras Completas de Freud, sem entender o inconsciente coletivo de Jung, a concepção de ser humano de classe em From, do ser integrado no cosmos de Reich etc se encontra poucas pessoas habilitadas e competentes para ouvir e ver o outro na sua inteireza e integridade.

Porém, as pessoas nasceram movidas pela necessidade de ser escutadas e vistas como membros da participação na vida, independente de seu sexo ou opção sexual.

É preciso ouvir as pessoas e vê-las mesmo depois de mortas, para compreendermos como é o ser humano e de que precisa para ser pleno.

Foi o que procurei fazer, mesmo com imensas limitações, na minha viagem à Cametá, Pará, aí em tua terra, minha amiga Érika.

Para ouvir e ver as pessoas atuais é preciso usar escutadeiras e óculos mentais que não sejam as dos preconceitos, que afastam e impossibilitam a comunhão mais intensa entre as diferenças humanas.

Procurei escutar os rios, as matas, as pessoas, as ruas, pedras, calçadas e edificações de Cametá.

O que ouvi e o que vi?

Ouvi os gritos dos revolucionários cabanos (moradores das cabanas ribeirinhas) – os pobres, negros, indígenas e mestiços – que lutaram contra os invasores colonizadores que os exploravam mantendo-os subjugados na mais extrema miséria e ocupavam o poder no Pará, em desprezo a tudo o que as populações faziam, cuja produção organizada com equidade poderia manter muito bem e com excelente qualidade de vida as populações.

Vi os movimentos guerrilheiros de 1835 – 1840 para derrubar os poderosos e seu poder concentrador de privilégios e corrupção, de multidões que tentaram falar, reivindicar e colaborar com as mudanças de propósitos dos possuidores do suor alheio, restando-lhe apenas o caminho das armas.

Vi as canoas transportando grandes grupos, aos milhares, unidos contra a barbárie praticada pela elite dominante do Grão Pará.

Vi os fazendeiros que se uniram aos cabanos traírem o movimento de defesa da revolução para se unir aos crimes e aos mercenários da realeza, que se dispunha a dizimar os ativistas.

O Rio Tocantins e muitos outros juntamente com as matas amazônicas foram tingidos com o sangue de quarenta mil pessoas mortas pela elite brasileira, que, como sempre e hoje com o golpe de Estado, preferiu manter o Brasil submisso aos interesses estrangeiros a devolvê-lo aos seus verdadeiros habitantes e donos.

Ao conversar com as pessoas de Cametá, que já foi capital de toda a região do Pará e do Maranhão, afloraram nas falas as escaramuças entre conservadores, desde sempre apenas interessados em riquezas, mesmo sob roubo e corrupção, com disposição para a traição e sem nenhum apego coletivo pelo País, e os nacionalistas, ideologia dos cabanos revolucionários compostos pelos pobres, indígenas, mestiços e pequenos proprietários de produtos amazônicos.

Ao escutar as pessoas de Cametá vi milhares de corpos, cujo sangue derramado tingiu de vermelho as águas do Tocantins e as matas, com crianças e mulheres estupradas e atravessadas pelas facas e facções dos mercenários europeus a serviço do governo conservador, vitorioso sobre os cadáveres vítimas dos desejos dos que não escutam e não veem o próximo, mas como empecilhos aos seus negócios espúrios.

Escutando o Brasil revolucionário, os erros das lideranças do movimento de luta contra os invasores e opressores oportunistas, que se desentenderam ajudando a luta a descer a rampa do fracasso também escutei e vi o Brasil golpeado de hoje.

As lições são óbvias: 1. A luta contra invasores e traidores conservadores continua como conteúdo de nossa história grávida da revolução; 2. A derrota é tendência natural quando as lideranças tentam substituir o povo, sem escutá-lo e sem vê-lo incentivadoramente como protagonista fundamental das mudanças; 3. A vitória contra usurpadores, traidores e conservadores não acontecerá quando as lideranças não souberem se unir a partir e em torno do que é principal na luta, canalizando a poderosa energia que se levanta da revolta contra as injustiças e violências dos dominadores, estes sempre associados com os grandes interesses mercenários internacionais; 4. Os conservadores, traidores e assassinos do passado são o paradigma ainda ativo e inspirador dos golpistas sem democracia, sem projetos de Nação independente e soberana hoje com Temer, o usurpador do poder.

A cabanagem, com tanto heroísmo e disposição para derrubar a casta dominante, mas derrotada com tantas dezenas de milhares de assassinados, sem compaixão e respeito, me fez escutar e ver com esperança e angústia o nosso Brasil golpeado hoje por traidores e conspiradores. Nesse paradoxo de luta heroica e de derrota vi e escutei os novos cabanos buscando incansavelmente as transformações que os golpistas querem nos roubar.

Revi os traidores assassinos dos cabanos na cara de alguns que assaltam o governo federal hoje para derrotar a democracia

Continuo esperançoso, mas preocupado com o projeto de Brasil que sairá da crise do desrespeito dos que não estão nem aí para os gritos e lutas do povo, sem escutá-lo e sem vê-lo, na sua eterna invisibilidade.

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