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Camilo Vannuchi

Jornalista, escritor, mestre e doutorando em Ciências da Comunicação pela USP, membro da Comissão Municipal da Verdade da Prefeitura de São Paulo

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Eu acredito é na rapaziada

Até quando a juventude do PT será tratada como um grupo de segundo escalão, raramente consultado, do qual se esperam apenas propostas relacionadas à juventude e que é visto como relevante apenas no futuro, nunca no presente?

Até quando a juventude do PT será tratada como um grupo de segundo escalão, raramente consultado, do qual se esperam apenas propostas relacionadas à juventude e que é visto como relevante apenas no futuro, nunca no presente? (Foto: Camilo Vannuchi)
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Como seria um estatuto do PT redigido hoje, 35 anos após a fundação, por membros da juventude do partido? Essa provocação foi feita a mim na semana passada, por uma amiga. Fundadora da CUT e militante histórica do PT, ela chamava minha atenção para um discurso recente, proferido na semana anterior pelo ex-presidente Lula, em Medellín, na Colômbia. Na abertura da 7ª Conferência Latino-Americana e Caribenha de Ciências Sociais, a Clacso, Lula intimou os jovens a superá-lo. "Pepe (Mujica) já está com 80. Eu já estou com 70. E vocês estão com 20 ou 25", disse. "Tenham a coragem de ser melhores que nós." Na ocasião, Lula falou durante uma hora, lembrou que os fundadores do PT são todos do século passado e foi aplaudido ao mencionar Paulo Freire, Florestan Fernandes e Darcy Ribeiro. Nenhum dos três intelectuais chegou vivo ao terceiro milênio. São, em todos os sentidos, do século passado.

Fiquei intrigado ao recuperar o áudio do discurso e conferi-lo na íntegra. Pepe e Lula são, sem sombra de dúvida, os grandes ícones da esquerda latino-americana hoje, especialmente dos jovens. Não seria completamente insano supor que o papa Francisco completa a santíssima trindade. Um situação risível. Em pleno século XXI, estamos fadados a conviver com uma anacrônica geração de velhinhos revolucionários? Vivemos o Cocoon da política?

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Não faz tanto tempo assim que a rapaziada de 1968 dizia não confiar em ninguém com mais de 30. Menos de meio século depois, foi preciso um senhor de 80 anos chegar ao poder no Uruguai para aprovar o casamento igualitário, legalizar o aborto e descriminalizar o porte de drogas para uso pessoal. Menos de meio século depois, há algo de constrangedor em perceber que, nos estertores de 2015, a melhor opção da esquerda para um 2018 competitivo é, até o momento, reeleger o septagenário Luiz Inácio Lula da Silva.

Nos últimos dias, a provocação da minha amiga foi crescendo, crescendo, me absorvendo, à medida que eu lia notícias sobre o 3º Congresso Nacional da Juventude do PT, realizado de 19 a 22 de novembro, em Brasília. Numa das matérias, um jornal paulistano contava que, no local do evento, faixas homenageavam José Dirceu, João Vaccari Neto e Delúbio Soares. Em outra, noticiavam-se suspeitas de fraude na campanha à reeleição do atual secretário geral da JPT. Por zap, já no último dia do evento, chegou até mim a informação de que um grupo de jovens militantes das correntes à esquerda do partido, entre as quais O Trabalho e Mensagem ao Partido, haviam discordado das conclusões do 3º Congresso da JPT e seguido de lá para o Congresso Nacional, onde fizeram um ato de repúdio à política econômica de Joaquim Levy e também à permanência de Eduardo Cunha na presidência da Câmara. As fotos são eloquentes.

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Não sou jovem. Tampouco sou filiado ao PT. Não tenho procuração nem cara de pau para discorrer sobre a juventude petista. Mas torço por ela. Apoio e me emociono. Tenho grande admiração pelos que seguem em frente e seguram o rojão. E gosto de pensar o país com eles. Ou seja: resolvi arriscar umas palavras sobre o assunto. Estava nesse processo quando me deparei com um novo discurso de Lula, agora na abertura oficial do Congresso da JPT, em Brasília. A cobrança foi praticamente a mesma feita em Medellín. "Levantem a cabeça", ele disse. "São vocês que vão assumir a construção desse partido e do país". Em seguida, Lula direcionou a cobrança: "Temos que sair deste congresso propondo alguma coisa mais forte de interesse da juventude deste país", afirmou, segundo relato publicado na Agência PT de Notícias. "O congresso precisa dizer qual a proposta da juventude do PT para a educação no Brasil. O que esse congresso vai aprovar como proposta ao governo sobre emprego para a juventude", afirmou, entre aplausos e mais aplausos.

Fiquei de mau humor. Era eu o próprio João Ferrador, com as mãos enterradas nos bolsos e a evidência de que "hoje eu não tô bom". Primeiro, que papo é esse de que a juventude tem de fazer proposta para a juventude ou de interesse da juventude deste país? Por acaso os septagenários só fazem propostas para septagenários ou de interesse dos septagenários? A juventude tem que fazer proposta sobre tudo, da política econômica à demarcação de terras indígenas, das relações comerciais com os BRICS ao projetos de desenvolvimento de energias limpas. Será que Lula ficaria feliz ao ouvir, em 1980, que é seu papel apresentar propostas para os sindicatos, ou de interesse dos sindicatos?

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Um segundo ponto que me incomodou foi a recorrente identificação dos jovens com a noção de futuro. "Vocês serão o futuro do partido, o futuro do Brasil, o futuro da esquerda..." É uma pena que as coisas sejam vistas desta forma. Parece que estão todos acometidos da mesma síndrome que inculcou no consciente coletivo a ideia, sempre babaca, de que o Brasil era o país do futuro. Hoje, metade da população brasileira tem menos de 35 anos. É urgente assumir seu papel na construção do presente, muito mais do que vinculá-lo ao futuro. E, cá entre nós, é a juventude que tem se posicionado de forma mais assertiva no cenário político nacional e internacional. Quem marchou pelo fora-Cunha? Quem ocupa, neste exato momento, mais de 90 escolas no Estado de São Paulo para evitar o desmonte da rede pública promovido pelo desgoverno Alckmin? Quem teve a iniciativa de lançar mobilizações de suma importância como #PrimeiroAssédio, #CadêAmarildo, #PorQueOSenhorAtirouEmMim, #NovembroNegro e tantas outras? Sem a juventude não haveria Occupy Wall Street, em Nova York, praça Tahrir, no Cairo, ou praça Taksir, em Istambul. Não haveria junho de 2013, nem impeachment de Collor, nem rolezinho. Não teriam furado o pixuleco do Lula. Minha solidariedade e gratidão ao Levante, à JPT, à juventude da CUT, à UJS.

Lula pede, enfim, para que os jovens levantem a cabeça, para que tenham orgulho do PT. O que não falta na juventude é orgulho do PT, presidente, esteja certo disso. Agora, jovem nenhum está disposto a manter a cabeça erguida para sempre, o tempo todo, quando delações e condenações pululam aqui e ali em razão de supostas irregularidades cometidas não por eles, mas por quem deveria dar exemplo de compromisso com a ética e com o bom combate. E quando essas práticas são repetidas, e quando nada é feito para afastar os condenados, e quando não há sinais de um movimento sério no sentido da correção dessas práticas, e quando a presença da juventude nas instâncias decisórias do partido continua sendo rara, insipiente, restrita ao cumprimento de uma política de cota estabelecida em estatuto, fica difícil cobrar um posicionamento diferente de uma juventude já tão exaustivamente desrespeitada. Parece-me que, enquanto o Partido dos Trabalhadores se referir à juventude como "eles" ou "vocês", enquanto não houver um esforço para se referir à juventude como "nós", essa distância — geracional, ideológica e programática — dificilmente será eliminada.

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É curioso notar que, em fevereiro de 1980, quando o PT foi fundado, Lula tinha 34 anos de idade. Na famosa foto registrada no colégio Sion, em São Paulo, em que se vê a mesa com os que assinaram a ata de fundação do partido, Lula aparece ladeado por sumidades muito mais velhas, como Lélia Abramo, Mário Pedrosa e Sérgio Buarque de Holanda. Hoje, é ele o senhor de 70 anos que implora aos jovens que o superem. E cita os mesmos Paulo Freire, Florestan Fernandes e Darcy Ribeiro que poderia ter citado no dia da fundação. Aparentemente, faltam a Lula referências contemporâneas. O PT, com sua diretoria essencialmente pré-68, também não parece estar disposto a atualizar suas referências nem seu discurso.

A pergunta que interessa não é onde está a juventude do PT, mas onde está a juventude no PT. E é aí que entra a questão-chave da minha amiga. O que a juventude diria num eventual novo estatuto?

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Bom, a juventude do PT não é homogênea. Nem reconhece o mundo como um espaço governado pela lógica binária, onde isso exclui aquilo e vice-versa. A juventude do PT é tão heterogênea e múltipla quanto o próprio PT, com suas correntes, suas divergências e convergências. Não é de estranhar que um partido que não tenha acordo sequer sobre a cassação de Eduardo Cunha ou a lei anti-terrorismo tenha uma juventude igualmente multifacetada. Não acho, por exemplo, que toda a juventude do PT seja partícipe da ideia de homenagear Delúbio Soares em faixas penduradas no ginásio que sediou o congresso. O lado bom dessa diversidade é que, ao contrário do que se pensa, os jovens produzem bibliografia, esmeram-se em registrar suas análises de conjuntura e sugestões de encaminhamentos para a legenda. São as teses, apresentadas a cada congresso.

Neste ano, o site da JPT expõe sete teses diferentes, com títulos sugestivos como "Para mudar o PT: Podemos mais" ou "A juventude quer viver; a juventude quer lutar". Numa delas, afirma-se que "o Partido dos Trabalhadores vive sua virada geracional": "O grande projeto dos/as nossos/as fundadores/as precisa de nós para seguir adiante!", diz o texto. Em outra, apresenta-se a tese de que o PT está diante de uma encruzilhada histórica: "É necessário revermos posições e retomarmos espaços de construção coletiva e democrática, combatendo o esvaziamento político que assombra e anula as instâncias partidárias, dentre estas a Direção Nacional da JPT."

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Nas teses apresentadas no 3º Congresso Nacional da Juventude do PT, há muito conteúdo a ser utilizado numa atualização do estatuto do partido. Talvez esteja na hora de fazer isso. O tempo exige. E ele costuma ser implacável com quem não se preparara para enfrentá-lo. Ouso dizer que uma nova versão do estatuto do PT, ou um novo manifesto norteador da atuação partidária, precisa necessariamente incorporar com muito destaque as questões de identidade de gênero e diversidade, a questão racial, a luta pelos direitos humanos e sociais, o ensino público de qualidade, o combate ao genocídio da juventude negra e pobre nas periferias, e uma nova política de segurança pública, que priorize a desmilitarização da polícia e uma política de drogas não-proibicionista, que não criminalize o usuário. Todos esses temas têm sido muito melhor representados nas teses da juventude e nos congressos organizados por jovens do que nas instâncias oficiais do partido. Uma barbaridade.

Foto: Alexandre Masotti

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