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Valéria Dallegrave

Jornalista, escritora e dramaturga

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Explodindo a bolha: Democracia em Vertigem e Brasil 247

Democracia em Vertigem, ao ser indicado para concorrer ao Oscar na categoria documentário, chegará a muitas pessoas que não haviam ainda assimilado o grande estrago do golpe contra Dilma e a democracia brasileira

(Foto: Divulgação)
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Democracia em Vertigem, ao ser indicado para concorrer ao Oscar na categoria documentário, chegará a muitas pessoas que não haviam ainda assimilado o grande estrago do golpe contra Dilma e a democracia brasileira. O filme mostra imagens (algumas inéditas) e entrevistas significativas deste momento sombrio da história do país. O material documental é costurado com uma linha delicada de outras imagens, como um bordado: o arquivo pessoal da diretora Petra Costa.

A visão de Petra, cujos pais foram militantes de esquerda durante a ditadura militar (ela também é neta de um dos fundadores da construtora Andrade Gutierrez), traz clareza quanto à violência do golpe ao escancarar muitos absurdos e abusos cometidos no processo da retirada de Dilma da presidência. A diretora procura não interferir excessivamente nas imagens, inclusive na edição, a exceção significativa está na foto em que aparecem mortos Ângelo Arroyo e Pedro Pomar (em homenagem de quem recebeu seu nome), da qual retirou as armas. Há um bom motivo para isso: conforme o relatório da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, elas foram plantadas pela polícia.

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A subjetividade aparece também em comentários ocasionais na voz melancólica de Petra, que expressam a tristeza de muitos brasileiros ao observar atônitos o avanço do golpe, qual tanque de guerra sobre as esperanças de um Brasil melhor. Um Brasil não mais do futuro, mas do presente, que se delineava através da independência econômica e cultural, do respeito internacional e da redução da desigualdade social resultantes das políticas implantadas pelos governos do PT.

Como respiro entre os registros que aqui denominei de objetivos e subjetivos, o roteiro traz imagens internas e externas do Palácio do Planalto, e aéreas de Brasília. A investigação destes espaços sugere uma busca pelo ponto de ruptura da democracia que parecia concreta e revelou-se extremamente frágil, nos tragando em uma vertigem. Nas palavras da diretora: “Hoje, enquanto sinto o chão se abrir debaixo dos meus pés, temo que a nossa democracia tenha sido apenas um sonho efêmero”...

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Petra precisou selecionar trechos de imagens entre uma diversidade imensa destas. Não poderia abranger tudo, pelas limitações de tempo da obra. Se enveredasse por um caminho didático ou, digamos, excessivamente partidário, o documentário perderia justo aquilo que o torna único, artístico, cativante (e provavelmente não teria sido indicado ao Oscar).

Muitas das críticas que o filme vem sofrendo tratam justamente da vontade de substituir a visão pessoal de Petra pela de cada um de nós. A vertigem a que ela se refere, embora represente a sensação de muitos, é subjetiva, e não traz o quadro completo do ataque à democracia. Não aborda a pressão exercida pelos militares, o uso indiscriminado e criminoso da máquina de fake news, o espetáculo e as fragilidades do “mensalão” (denominação criada pela mídia e transformada pela mesma em rótulo de corrupção), e a grosseira manipulação da grande imprensa ao destacar insistentemente as acusações feitas contra Lula, Dilma e o PT (a continuação do “espetáculo”), minimizando os defeitos do candidato que veio a se tornar presidente, condenado por apologia ao estupro, com ideias racistas, misóginas, preconceituosas e ditatoriais, defensor da posse indiscriminada de armas e da violência como solução para os mais diversos problemas...

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Vale destacar dois pontos importantes do comportamento midiático na época das eleições: a completa ausência de questionamentos quanto à capacidade do candidato para o cargo, devido a ausência de qualquer experiência anterior no executivo, seja em âmbito federal, estadual ou municipal - sequer como síndico de condomínio -, e o silêncio sobre as frágeis condições de saúde do mesmo após a questionável facada; recordando que tais critérios foram exaustivamente cobrados de todos candidatos em eleições anteriores.

Apesar de compartilhar com Petra a tristeza e a melancolia quanto a tudo que ocorreu, minha visão sobre os fatos seria muito mais que uma vertigem. A grande violência que desrespeitou o voto – e a vontade - de milhões de brasileiros me parece mais com o estupro de uma democracia. Somos muitos a precisar, desde então, superar as dificuldades e dores da vida particular junto com as do trauma coletivo. Se enquadrado na Lei Maria da Penha (criada durante o governo de Lula), talvez o estupro não ficasse registrado como grau máximo de violência, pois foi dissimulado. Creio que a metáfora do sapo na panela de água fria levada ao fogo, que não percebe estar sendo cozido, corresponde a forma como a progressão de acontecimentos abusivos e absurdos têm nos deixado paralisados...

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Por fim, minha memória pessoal mais marcante do período vem da sensação de alegria no dia em que Lula foi eleito presidente do Brasil pela primeira vez. Eu estava surpresa com a consciência e a demonstração de auto-estima de um povo historicamente explorado. Naquele dia, disse que não importava o que Lula fizesse, como povo havíamos dado um passo importantíssimo e corajoso, para uma progressão inevitável, eleger um legítimo representante do povo.

Passei por muitas crises pessoais desde então, e ainda preciso redefinir meus rumos, mas é impossível deixar de lembrar o quanto me enganei na sensação de estar iniciando uma inevitável nova era mais feliz da coletividade. Hoje penso que o passo que demos foi largo demais e o país gigante perdeu o equilíbrio. Há muitas perguntas sem resposta que nos fazemos diariamente, e buscamos em análises políticas e reflexões, no Brasil 247 e em outros canais de esquerda, como: qual o grau de consciência deste povo? Ou... quando poderemos voltar a caminhar em frente?

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Em um pequeno livro, casualmente da coleção Primeiros Passos, “O Que é Democracia” (de Denis L. Rosenfield), encontro uma forma de compreender algumas incoerências, que entretanto provoca maior apreensão: “O espaço da democracia é habitado por indivíduos e grupos sociais cujo objetivo é a eliminação das instituições democráticas, tendo em vista o encaminhamento que é dado às contradições que a perpassam. A máquina administrativa, policial e militar do Estado pode passar ao controle destas mãos, sufocando qualquer possibilidade de desenvolvimento de uma sociabilidade e de um Estado democrático”...

O autor complementa, mais adiante: “O que se esconde nos Estados democráticos é esta imensa

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massa de indivíduos que não comparecem aos lugares públicos, que não ocupam um espaço político, que

não estão sindicalizados e podem inclusive não atribuir nenhuma importância às eleições...” Ao que tudo

indica, essa massa de indivíduos, facilmente manipulável, foi decisiva ao compactuar com a violência contra a democracia. Desde então, a resistência é travada na luta diária de indivíduos e instituições, para evitar o desmonte de diversas conquistas e na conscientização da massa alienada. O 247, ao atingir meio milhão de inscritos, demonstra que o esforço contínuo traz resultados positivos. Aproveito para parabenizar a todos que fazem parte deste canal incansável, principalmente a Leonardo Attuch, aos jornalistas e comentaristas políticos, e a toda a comunidade, que se engaja de forma aguerrida na batalha da comunicação.

Estamos já explodindo as bolhas que limitavam horizontes de muitos, e o filme de Petra tem papel importante nisso. É por ser envolvente que ele nos provoca a embarcar em nossas próprias memórias dos últimos anos. Confesso que demorei a ter coragem de assisti-lo, a consciência do processo da violência desde o início me fez carregar uma dor contínua, a minha própria vertigem, que eu temia encarar novamente. Democracia em Vertigem, e sua indicação ao Oscar, é um grande avanço na luta pela conscientização. Independente de sua premiação, ele possibilita que uma quantidade muito maior de pessoas tenha a oportunidade de perceber a violência de que também foi vítima. E seguimos adiante, acompanhando o 247 e convidando novos membros para ampliar a rede pelo resgate da democracia brasileira.

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