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Roberto Ponciano

Escritor, mestre em Filosofia e Letras, especialista em Economia. Doutorando em Literatura Comparada

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Federação sim, Alckmin não, à sombra da ingovernabilidade

Lula e Alckmin (Foto: Reuters)
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“— Valha-me Deus! — exclamou Sancho — Não lhe disse eu a Vossa Mercê que reparasse no que fazia, que não eram senão moinhos de vento, e que só o podia desconhecer quem dentro na cabeça tivesse outros?

— Cala a boca, amigo Sancho — respondeu D. Quixote; — as coisas da guerra são de todas as mais sujeitas a contínuas mudanças; o que eu mais creio, e deve ser verdade, é que aquele sábio Frestão, que me roubou o aposento e os livros, transformou estes gigantes em moinhos, para me falsear a glória de os vencer, tamanha é a inimizade que me tem; mas amas ao cabo das contas, pouco lhe hão-de valer as suas más artes contra a bondade da minha espada.” - Dom Quixote na sua maravilhosa aventura contra os moinhos de vento.,

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Se algo mexeu com a imaginação, pulsões, paixões da esquerda, nas últimas semanas, foi o pretenso caso mal esclarecido de amor (ou será que é só sexo e amizade) entre Luís Inácio Lula da Silva e o famoso picolé de Chuchu, o projeto alckmista golpista tucano de bater em professores. Esta discussão, tomada como fato, como verdade absoluta, tomou corações e mentes de toda a esquerda, 25 horas por dia, obscurecendo toda a restante pauta política. Desapareceu das rodas de conversa virtual e real o sucesso de Lula na Europa e Argentina, a situação de fome e caos em que se encontra o Brasil, os ataques reiterados de Bolsonaro à ordem democrática. O único assunto de todos é a aliança, pretensamente já definida, entre PT e PSB, fato consumado para as eleições de 2022.

Alguns desejos inconfessáveis transbordam nesta discussão. Parte da extrema esquerda, que tenta sempre retroalimentar e retrojustificar sua participação lavajatista nas jornadas de julho, torce raivosamente pelo sucesso de tal empreitada, para poder falar que estava certa, ao delirar histericamente na rua com skin heads e anarcóides, no “não foi só por 20 centavos que a gente colocou o Brasil na merda, foi por burrice mesmo”. Parte de uma militância não socialista do PT engole fácil o discurso de Frente Ampla (que faz Dimitrov rolar no túmulo e querer levantar para dar porrada em quem usa seu revolucionário nome em vão), com um discurso gagá e messiânico de “se Lula falou, tá falado”, e parte da esquerda PeTista toma como certa a aliança para poder detonar a “corrente majoritária do PT”.

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Mas, vamos aos fatos, o que há de moinho de vento e o que há de realidade nas possíveis negociações com o PSB, e como isto contamina a discussão sobre uma possível federação?

A tal possível ou provável aliança entre Lula na cabeça de chapa e Alckmin na vice veio de uma pautada feita pela Mônica Bérgamo na Folha de São Paulo. Não me espanta que parte da direita hoje abandone as ilusões sobre uma terceira via e queira lançar um cavalo de tróia e introjetar a Faria Lima dentro da chapa, de alguma forma colocar freios ao que eles imaginam o corcel fogoso comunista do PT, que só existe na imaginação delirante de uma elite tosca e reacionária. Risível ou desesperador é que, agora, toda e qualquer linha escrita por Mònica Bérgamo vire verdade absoluta. Ela foi guindada a posição de vestal, pitonisa, oráculo de Delfos, cuja verdade absoluta se comprova no dizer, no logos, no apenas afirmar. Um exemplo? Segundo a pitonisa, o jantar do grupo Prerrogativas foi arrumado apenas e tão somente para Lula e Picolé de Chuchu sacramentem a aliança, assumam publicamente o namoro e corram para o abraço. Mesmo que a combativa e corajosa Gisele Cittadino venha a público explicar que o jantar existe há anos, que sempre teve muitos convidados, que Lula abrilhanta, mas não é a causa do jantar, pouco importa. A pitonisa da FSP falou está falando. 

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O pior é a comprovação fática do que fala a pitonisa. Se a FSP falou e depois o Estadão, O Globo, o Correio Braziliense, a Veja, repercutiram o “fato”, isto é uma verdade insofismável. Eu lembro de um tal de Mussolini de Maringá, que usava este tipo de artifício como forma de verdade e nós a combatíamos. Parece que agora, para provar nossas próprias convicções, não vale a pena escarafunchar a verdade da notícia a fundo.

É óbvio que não se negam as evidências, há conversas e negociações em andamento, mas, salvo as verdades absolutas afixadas nas páginas do PIG, absolutamente ninguém pode dar como certo que Lula terá como vice o Picolé de Chuchu.

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Primeiro porque a situação confortabilíssima de Lula hoje nas pesquisas torna esta aliança muito mais necessária a Alckmin e ao PSB, juntos ou separados, do que ao PT e ao Lula Então, numa negociação deste tipo, quem teria todas as cartas na mesa seria Luís Inácio e não o alquimista perseguidor de professores. Não, eu não esqueci quem foi Alckmin, nem o que ele fez no verão passado. Não tem sentido agora passar pano na história recente golpista dele, na qual, além de apoiar o golpe, declarou que Lula na cadeia acalmava o país, e, assim, transformar o tucano num democrata. A diferença entre o tucano de alta plumagem e o Mussolini de Maringá, ou o fascista do Planalto, é que Alckmin sabe usar o garfo e a faca e se senta à mesa.

Segundo porque não, o PT não é apenas uma legenda para um candidato, como é o caso, infelizmente, atualmente, do PDT com Ciro. Há, infelizmente alguns companheiros que começam a confundir a análise gramsciana de que Lula é na práxis o maior intelectual orgânico que nós temos, e que ele plasma os limites da consciência e organização da classe, por um discurso Antônio Conselheiro, arraial de Canudos de seita e submissão: se Lula falou, está falando. Não é este o espírito de todo o partido, e Lula sabe que não pode levar a militância ao paroxismo e até arriscar um racha interno no PT impondo Alckmin de cima para baixo, se houver uma insurgência partidária. O grau de possibilidade de Picolé de Chuchu colar como vice é inversamente proporcional ao grau de insatisfação e reação interna no PT. Lula é bastante sábio para entender isto, e, com certeza, este será o principal termômetro para a definição de uma aliança não com o PSB, mas com Alckmin como vice.

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Terceiro porque a possibilidade de Alckmin na vice não traz nada de expressivo em termos de eleitorado (o eleitorado de direita antipetista não vai votar em Lula por causa da apostasia do picolé de Chuchu) e causa defecções e antipatia no movimento social. O PT perde mais do que ganha com Alckmin de vice.

Quarto porque se o PT não tem como fazer uma guerra à Faria Lima neste momento, não pode de maneira nenhuma acenar tão entusiasticamente para o Pato da Fiesp. São parceiros de primeira hora do golpismo e não cabem num programa de repactuação e salvação nacional, que não, com certeza não passará apenas por PSOL e PC do B (que pouco ou quase nada acrescentarão eleitoralmente ao PT), mas não passa por fazer uma nova carta aos brasileiros em que a gente, por exemplo, prometa não retomar o que foi roubado do povo brasileiro, com privatizações fraudulentas.

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Disto isto, passemos a segunda questão do artigo. A discussão sobre a Federação foi contaminada pela possível presença alquimista na chapa do PT, que causa ojeriza e vontade de vomitar a quem ainda não perdeu a consciência de classe. Mas, efetivamente, tirando petição de princípios, ainda não vi nenhum argumento forte contra o PT participar de uma federação que vá além do PSOL e do PC do B.

Para problemas concretos, soluções concretas, diz o velho Lênin. Aliança não se propõe com iguais, mais com dissemelhantes, baseados na ideia do compromisso e com objetivos táticos e estratégicos. Acerta quem diz que não se pode fazer uma aliança, como dizemos no Rio, “a la Bangu”, somente para consolidar uma chapa Lula-Picolé de Chuchu. Óbvio que não defendo federação sobre esta base ou estes argumentos. Mas, objetivamente, temos que discutir com seriedade e para agora a federação.

E por que? Primeiro porque vejo muita gente transformando um problema numa solução mágica (por isto a menção aos moinhos de vento no início do texto). Para a real possibilidade de Lula governar com um Congresso formado por 4/5 reacionários, eles respondem com o “fortalecimento da luta popular” e “governar com as massas desde o primeiro dia de governo”.

Palavras, belas palavras, que talvez possamos dirigir ao mágico Frestón do Quixote. Lênin nos ensinou que trocar a organização real e a análise fria de conjuntura por desejos irreais e tarefas imaginárias é, antes de tudo, apenas um palavreado de intelectuais pequeno-burgueses descompromissados com a real luta de classes.

Camaradas, qual o nosso real estado de organização, ânimo e perspectiva real de colocar o movimento social organizado nas ruas? Conseguimos colocá-lo, em massa no “não vai ter golpe”? Conseguimos colocá-lo em massa no “ele não”? Conseguimos em algum lugar colocar meio milhão de pessoas na rua no Fora Bolsonaro? Porque varinha de cordão mágica, com os sindicatos quebrados, falidos, e com a filiação abaixo de 10%, com o movimento social de massa retraído, no bojo de um movimento eleitoral esperado, de maioria para eleger Lula, a gente teria um salto qualitativo e teríamos gigantescas massas na rua lutando para dar suporte a um governo sem maioria congressual?

Todos que condenaram as alianças congressuais do PT em 13 anos de poder nunca apresentaram alternativas que não fossem mágicas para governar. 

Revolução? Estamos sempre mais perto de um fechamento fascista do país que de um processo revolucionário, para o qual não temos nenhuma das condições objetivas ou subjetivas.

Grandes massas na rua em apoio ao governo? Seria desejável, mas, analisando friamente os últimos 6 governos, é uma perspectiva irreal, pautada mais no desejo do que num cálculo exato de nossas forças.

Não é só ganhar uma eleição, é ter condições mínimas de sustentabilidade para um governo. Nisto a Federação é um passo adiante, em termos legais parece muito com a Geringonça de Portugal (se em termos reais será ou não, eu seria a nova pitonisa se o prometesse).

Primeiro porque alavanca os votos, aumentando os coeficientes e pegando as sobras para os partidos da Federação de Esquerda, que tem tudo para ser vencedora no pleito. O PT aliar-se ao PC do B e ao PSOL na Federação será mais importante para estes partidos existirem, que para uma aliança que torne o país governável.

Para a Federação fazer qualquer sentido tem que se espraiar além do estreito limite da esquerda, com clareza programática.

Para quem se opõe dizendo que se perde a clareza programática e os limites do partido, o contra-argumento é bem tranquilo.

O contrário da federação não é voo solo, são alianças pragmáticas e extemporâneas ao léu, sem nenhuma possibilidade de disciplina e controle, e que sim, serão feitas caso a federação não saia, pelas próprias necessidades políticas de governar o Brasil.

A federação ata os partidos que estarão conosco por 4 anos, e dá poderes de punir e controlar aqueles que votarem contras os interesses da aliança de partidos. Onde isto é menos fisiológico e oportunista do que uma aliança casual é que eu gostaria de saber. Poderão os sábios me explicar como se eu fosse uma criança de 5 anos?

O segundo perigo, o de diluição do PT na Federação, nos faz pensar que a direção do PT seria um grupo de vestais participando inadvertidamente de uma orgia dionisíaca e sendo enganada alegremente por sátiros, ao som da flauta de Pã. Ora, é óbvio que caso seja feita uma Federação a direção desta Federação será negociada de acordo com o tamanho prévio de cada sigla. Por exemplo, se Federação for entre PT, PSB, PSOL, PC do B e PV, não estarão na direção os partidos em igualdade de 20%. Qualquer primeiranista de DCE usará de critérios de proporcionalidade e peso eleitoral para fechar a direção da Federação. A contrário sensu dos que a condenam, correm mais riscos de diluição as pequenas agremiações dentro da Federação, que o PT. A experiência da Geringonça não mostrou crescimento das pequenas siglas em detrimento dos socialistas, pelo contrário, os reclames eram muito maiores sobre hegemonismo do que de diluição.

Não subordino nem condiciono a discussão urgente da federação a uma chapa com os alquimistas agressores de professores. Mas é bom lembrar que o PSB é bem mais que Eduardo Campos e Alckmin, hoje é Flávio Dino, Freixo e Molon também, e que é mais seguro uma federação que nos dê poder de barganha e veto a candidatos direitistas eleitos por ela, do que uma coligação feita numa noite de amor comprada e que dá direito ao parlamentar eleito de fazer o que quiser de sua vida, já que não estará sujeito à hierarquia dentro do PT.

Não devemos combater os moinhos de vento, temos problemas muito mais sérios, e mais do que eleger Lula, teremos que dar condições mínimas para ele governar.

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