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Gustavo Conde

Gustavo Conde é linguista.

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Fernando Henrique e João Gilberto

"Fernando Henrique merece o respeito do esquecimento. Ele já cumpriu o seu papel histórico. A manipulação de seu nome em torno da candidatura Huck é de uma pusilanimidade repulsiva", escreve o colunista Gustavo Conde; "Cada um, no entanto, escolhe o entorno que merece. Fernando Henrique fez uma escolha, consciente ou não. Seu discurso errático acusa algum tipo de processo de corrosão da lucidez. Ele tem a mesma idade que João Gilberto, outro expoente da nossa cultura doce e precocemente internacionalizada. O pai da Bossa Nova acaba de ser interditado pela filha - não a Bossa Nova, mas a cantora Bebel Gilberto. Talvez, seja a hora de Fernando Henrique tocar violão e cantar baixinho"

"Fernando Henrique merece o respeito do esquecimento. Ele já cumpriu o seu papel histórico. A manipulação de seu nome em torno da candidatura Huck é de uma pusilanimidade repulsiva", escreve o colunista Gustavo Conde; "Cada um, no entanto, escolhe o entorno que merece. Fernando Henrique fez uma escolha, consciente ou não. Seu discurso errático acusa algum tipo de processo de corrosão da lucidez. Ele tem a mesma idade que João Gilberto, outro expoente da nossa cultura doce e precocemente internacionalizada. O pai da Bossa Nova acaba de ser interditado pela filha - não a Bossa Nova, mas a cantora Bebel Gilberto. Talvez, seja a hora de Fernando Henrique tocar violão e cantar baixinho" (Foto: Gustavo Conde)
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Fernando Henrique parece querer deixar Luciano Huck como um último legado de horror ao povo brasileiro. Para entender, talvez, esse 'último desejo' de um ex-presidente relativamente impopular, é preciso explorar o território do enunciado efeagaceano.

Uma primeira lembrança difusa é sua antiga afirmação, plena de it, sobre sua produção acadêmica: "esqueçam o que eu escrevi". Essa pérola do falso niilismo tem vários problemas. O primeiro é que ela pressupõe que alguém - algum dia - leu o que ele escreveu. Mas não só. Pressupõe também que alguém tenha se lembrado do que leu.

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Como sói demonstrar a lógica elementar, esquecer do que não se lembra é uma impossibilidade factual. A frase folclórica, ademais, também dialoga com o universo acadêmico das teses pré fabricadas: depois de defendido um doutorado ou uma livre-docência, o volume vai para a estante das bibliotecas rumo ao esquecimento profundo, lido eventualmente quando um ex-orientando que se tornou professor a oferece às novas gerações como prova de sua lealdade e/ou subserviência.

A tese de FHC e Enzo Faletto - com todo o respeito - jamais foi levada a sério no circuito acadêmico e literário. Não há livros que a decupem. As citações são burocráticas. Não há desdobramentos, não há republicações, não há repercussão. Melhor dizendo: não houve. Ela não figura como obra de referência em nenhum contexto de leitura de Brasil ou de América Latina. Não se constituiu um 'pensamento' acerca de suas hipóteses. Como esquecer, portanto, algo que já nasceu esquecido?

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Diz-se à boca pequena que o ilustre sociólogo jamais teria dito a frase. Isso só piora a situação. Porque, daí, entramos no circuito ingrato da denegação. Você nega o que se lhe atribuem como forma de envernizar ainda mais o sentido subscrito no enunciado fictício: "não, imagina. Eu nunca falei isso". É a negação da negação: nega-se o que não foi dito com charme e potência suficientes para iniciar uma campanha de desagravo.

Há ainda um outro detalhe coadjuvante - nesse mundo infernal de coadjuvâncias: o trabalho "Capitalismo e escravidão no Brasil meridional" de Fernando Henrique, tese de doutorado orientada por Florestan Fernandes e publicada em 1962, é a tradicional visão caricata do Brasil feita por um paulista. Ali, viceja a economia e o elemento humano é quase que um detalhe indesejado. Trata-se do nascedouro da visão tucana de mundo - esse 'legado' intelectual ao menos foi conquistado. Há, porquanto, farta literatura que desmonta as teses ali defendidas, com destaque para o trabalho de Leonardo Monasterio.

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O suporte que deu alguma sobrevida às teses de Fernando Henrique na cena nacional foi nada mais nada menos do que a Folha de S. Paulo. Ao longo das décadas de 70, 80 e 90, ela publicou e republicou fartas matérias sobre os ensaios acadêmicos do sociólogo. Daí, a grande identificação daquele jornal com o pensamento tucano. São siameses.

Raramente, havia ali alguma crítica ou polêmica com vistas àquele pensamento gestado na Universidade de São Paulo, crítica essa que seria a essência e o sintoma máximo de que um texto 'vive'. Dali, afloraram textos em modo panegírico, quase um obituário perene de uma obra que já nasceu morta, sempre com elogios e carinhos seguido da construção de um mito acadêmico que nunca existiu. Isso, por assim dizer, municiava o jornal de prestígio. Era uma espécie de 'ganha-ganha' jornalístico-acadêmico.

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Fernando Henrique também foi muito protegido e incensado pela Editora Abril e os Civita. Ele coordenou conteúdos importantes da Enciclopédia Abril, uma coleção de 21 volumes que tomou conta das escolas públicas e das 'casas de família' nos anos 70. Confesso que lia muito essa enciclopédia na infância e que lhe a reservo algum respeito. Naquela época, era mais fácil ser um humanista - dado que havia um inimigo fascista claramente demarcado, o regime miltar.

O que sempre houve, portanto, nesses anos inglórios do país, foi a boa e velha 'camaradagem' entre editores, professores e intelectuais que se ajudavam e se favoreciam a si mesmos, prática muito comum até hoje nas melhores universidades brasileiras.

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Não admira que a Folha de S. Paulo, portanto, tenha dado o 'furo' da conhecida frase do nosso mais ilustre e secundário dos sociólogos. Foi em 5 de junho de 1993, na matéria dos jornalistas João Carlos de Oliveira e Antonio Carlos Seidl. A partir dali, a frase foi se alastrando e ganhando seu verniz folclórico e político.

Ou seja: a Folha arou a terra, semeou, colheu e vendeu todo o imaginário a respeito deste enunciado, quase como em um programa de marketing pessoal devidamente planejado e elaborado. Aliás, como ela faz hoje com as declarações de Fernando Henrique direcionadas a Luciano Huck.

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A Folha co-enuncia, conserta, adequa, sacraliza, sedimenta as palavras deste que foi - e continua sendo - um de seus colaboradores mais orgânicos. Neste ponto, acho que falta respeito com o legado - gostemos ou não - minimamente estabelecido desta personagem da política e do pensamento brasileiro.

A pressão que a imprensa tradicional excerce em Fernando Henrique, um cidadão de 86 anos, é desporporcional e, na verdade, fruto de desespero diante da absoluta ausência de quadros políticos para uma eleição que já deveria estar a todo o vapor. Afinal, estamos em fevereiro de 2018. Em novembro de 2013, a conjuntura eleitoral para 2014 já estava mais do que posta - e isso é preocupante.

Fernando Henrique merece o respeito do esquecimento. Ele já cumpriu o seu papel histórico. A manipulação de seu nome em torno da candidatura Huck é de uma pusilanimidade repulsiva. Por mais horrores gerenciais e conceituais que ele nos tenha relegado, entendo que ele não merecia - e não merece - isso.

Cada um, no entanto, escolhe o entorno que merece. Fernando Henrique fez uma escolha, consciente ou não. Seu discurso errático acusa algum tipo de processo de corrosão da lucidez. Ele tem a mesma idade que João Gilberto, outro expoente da nossa cultura doce e precocemente internacionalizada. O pai da Bossa Nova acaba de ser interditado pela filha - não a Bossa Nova, mas a cantora Bebel Gilberto.

Talvez, seja a hora de Fernando Henrique tocar violão e cantar baixinho.

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