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Carlos Castelo

Jornalista, sócio-fundador do grupo Língua de Trapo, um estilo sem escritor

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Fogo na labareda

Desceram correndo o cabo e o soldado de revólveres engatilhados, ajoelharam-se no asfalto, e apontaram as armas de fogo – para o fogo. Quando perceberam que não se tratava de um atentado à ordem pública, mas de uma combustão espontânea, levantaram-se e fizeram, de um jeito meio abestalhado, continência um para o outro. Ah, se fosse só a tensão política no Brasil…

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São dias terríveis esses. A tensão no país sobe a ponto de promover coisas impensáveis. Pois não é que eu ia a pé para o trabalho e vi a tensão subir diante de mim? Sim, a ponto de retesar os grossos fios de um poste.

Não demorou para o fogo começar a crepitar sobre o entrecruzamentos de fios. Como sempre, pedestres e curiosos, em segundos, passaram a se apinhar diante da ocorrência. Esquecendo-se, é claro, que, em piorando a situação da rede elétrica, ia acabar sobrando choque pra toda a zaga ali presente. Sem falar na aglomeração.

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Coloquei-me à uma distância segura da confusão, desliguei o modo flâneur, liguei o voyeur, e me quedei observando tudo.

As empresas que operam na rua chamaram na hora os bombeiros. Mas, como os valorosos heróis não chegavam, deu-se início à bateção de cabeça. Um grupo achou melhor já tentar apagar as labaredas, afinal havia línguas de fogo por sobre eletricidade.

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– Se derreter a borracha lá, babau! – berrava um segurança.

Um porteiro puxou uma mangueira.

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– Água não, Clauderval! – alertou o taxista do Uber.

A função estava montada. Não demorou muito para chegarem os vendedores de água mineral e amendoins na casca.

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Uma velhinha, meio cegueta, tentou atravessar na faixa que ficava bem abaixo da hecatombe; foi imobilizada por um manobrista. Ele saltou sobre a idosa como se fosse um jogador de rúgbi. Gritos, aplausos.

Veio um rapazinho, vindo da estação da CPTM, com uma mochila cheia de ursinhos de pelúcia para vender e nada dos bombeiros. Junto com ele aportou um food-truck de tapiocas.

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Parte da turba postou-se à frente do caminhãozinho e ordenava lanches recheados das mais diversas combinações: doce de leite, goiabada, manteiga de garrafa, mortadela. Um outro grupamento criou um fumoir improvisado, nada como encher o bucho ou dar umas tragadas de tabaco para aprimorar a análise de um fato.

Logo deu-se a polarização. Notei que alguns acreditavam que era preciso interromper o lume a toque de caixa – “e se acaba a luz no bairro todo, como fica?” Já o outro contigente defendia que se esperasse os soldados do fogo: “melhor aguardar quem entende da coisa, de mais a mais vai que nos dispensam do trabalho hoje…”.

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Rugiu uma sirene. Todas as cabeças voltaram-se para o alto da rua. Lá vinha o carro da PM. Veloz e agressivo como classe média em abertura de Black Friday. Deu um meio cavalo de pau, quase atropelou novamente a velhinha que devorava um saco de amendoins com expressão de ave de rapina, e estacou, solene.

Desceram correndo o cabo e o soldado de revólveres engatilhados, ajoelharam-se no asfalto, e apontaram as armas de fogo – para o fogo.

Quando perceberam que não se tratava de um atentado à ordem pública, mas de uma combustão espontânea, levantaram-se e fizeram, de um jeito meio abestalhado, continência um para o outro. Ah, se fosse só a tensão política no Brasil…

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