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Lejeune Mirhan

Sociólogo, Professor (aposentado), Escritor e Analista Internacional. Foi professor de Sociologia e Métodos e Técnicas de Pesquisa da UNIMEP e presidente da Federação Nacional dos Sociólogos – Brasil

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Forças anti-imperialistas vencem eleições históricas no Irã

"Foi a 13ª eleição presidencial desde que a democracia foi restabelecida com a revolução islâmica de fevereiro de 1979. Elegeu-se o 8º presidente (alguns foram reeleitos), que foi o jurista Sayed Ebrahim Raisi, do Partido Clero Combativo, que representa o stablishment revolucionário", explica o professor Lejeune Mirhan

Seyed Ebrahim Raisi (Foto: Majid Asgaripour/WANA (West Asia News Agency) via REUTERS)
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Por Lejeune Mirhan

A República Islâmica do Irã está presente em minha vida desde a revolução de fevereiro de 1979. Acompanhei de perto a luta pela deposição do Xá Reza Pahlevi, agente dos EUA, que se apresentava como governante desse país milenar que se chamava Pérsia na antiguidade. O Xá era um usurpador do cargo. Um fascista. Perseguia todo mundo que não comungava com seus ideias. Comunistas e muçulmanos que, no caso do Irã, são de maioria xiita. 

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Nos meus anos finais de curso como estudante de Ciências Sociais da PUC de Campinas, organizamos um Comitê de Solidariedade à Revolução Iraniana. Éramos internacionalistas, como todo bom comunista tem que ser. Acompanhamos o histórico momento da chegada do aiatolá Rurolah Khomeini de seu exílio vindo de Paris no dia 1º de fevereiro de 1979. Ouvíamos transcrições traduzidas de seus áudios que ele enviava clandestinamente ao Irã. Vibramos com a ocupação da embaixada estadunidense em Teerã. Até a CIA fez um filme contra o Irã, chamado Argo, premiado até com um Oscar (1).

A Revolução Islâmica (2)

O líder inconteste dessa revolução, sem dúvida, foi o Aiatolá Rurolláh Khomeini, que ocupava o cargo de líder espiritual do Irã. Ele teve que se exilar em 1965, pois caso contrário teria sido assassinado em sua casa. Passou por diversos países e nos últimos anos de seu exílio de 14 anos ele viveu na França.

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Entre final de 1978 e início de 1979, milhões saíram às ruas para pedir a derrubada do Xá, preposto dos Estados Unidos. O Xá ordenava que seu exército disparasse contra as multidões desarmadas e pacíficas (o Islã proíbe a violência). 

A resposta da população foi a entrega de poesias aos soldados e ao final até rosas eles recebiam do povo. Mais de 300 mil iranianos foram mortos sem que tivessem disparado um só tiro contra os soldados. Assim, no início de fevereiro, os soldados já não mais disparavam contra o povo, pois sabiam que estariam atirando em um irmão, um parente, um amigo. Passaram para o lado do comando da revolução. 

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Quando o aiatolá Rurolah Khomeini chega à Teerã em, mais de dois milhões de pessoas o aguardavam. O Xá fascista já havia se exilado nos Estados Unidos, que sempre deram guarida para os ditadores, que eles apoiaram em todo o mundo. 

O Xá roubou milhões de dólares em moeda estadunidense, ouro e joias do país que saqueou. Aqui é preciso registrar que os primeiros momentos da revolução tinham um caráter mais amplo, não religioso e os comunistas do Tudeh (o nome do PC Iraniano) estavam entre os milhares de Mujahedins da linha de frente do processo revolucionário. 

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Registro ainda que, em algum momento, o caráter da revolução foi alterado e ela passou a ser “islâmica”, de forma que os lutadores de pensamento mais à esquerda foram alijados do processo (esse tema não será foco deste ensaio).

Quero registrar duas questões. A primeira, foi a tomada da embaixada dos EUA no Irã a partir do dia 4 de novembro de 1979, onde 400 funcionários foram feitos reféns pelos estudantes universitários da Universidade de Teerã. Não eram servidores. Eram agentes da CIA. Todos eles. 

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Todos os papeis da inteligência, dos planos de massacres contra o povo, de tomada de seu petróleo, foram revelados ao mundo. Os EUA jamais perdoaram o Irã por isso. Os reféns só foram libertados um ano depois, ainda sob o governo Carter, que perderia em novembro de 1980 as eleições para o reacionário e anticomunista Ronald Reagan.

Uma segunda questão, foi a guerra do Iraque contra o Irã, entre 1980 e 1988. Saddam Hussein, nesse momento, aceita servir aos interesses dos EUA e inicia um ataque que irá matar dos dois lados mais de dois milhões de pessoas. Ainda aqui registro que em que pese a ordem de Saddam de bombardear indistintamente cidades inteiras iranianas, a resposta vinda do Irã, por ordem de Khomeini, era de que os bombardeios iranianos só poderiam atingir alvos exclusivamente militares (Saddam após isso se afasta da órbita estadunidense). 

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O Irã após a Revolução de 1979

Em que pese o afastamento da laicidade do processo revolucionário, o povo iraniano foi chamado às urnas em seguida de sua revolução, de fevereiro de 1979. Decidiu, por mais de 90% dos votos, que o país deveria ser transformado em uma República Islâmica, mas de caráter democrático. 

E assim procedeu. Manteve o sistema parlamentarista de governo até 1989, quando Khomeini faleceu (dados mostram uma participação de 11 milhões de pessoas em seu funeral, por certo um dos maiores da história, equiparado aos de Lênin e Stálin na Rússia, em termos de números absolutos).

Uma nova Constituição entra em vigor, desta feita sendo o parlamentarismo abolido. O país passa a ter um Faqiq (que em farsi, a língua dos persas do Irá, quer dizer líder espiritual), que passaria a ser o chefe das forças armadas e indicaria o chefe do poder judiciário. Ele passa a ter o direito de indicar seis dos 12 membros do Conselho de Guardiães, o maior poder de fato e de direito do país. Os outros seis são indicados pelo judiciário e aprovados pelo parlamento.

A constituição determinou que a religião oficial do país deveria ser o Islã. Isso em nada impediria a liberdade ampla de culto. E – de forma expressa – os cristãos-ortodoxos (praticamente não há católicos no país), os judeus e os zoroastristas bem como outras religiões minoritárias, teriam ampla liberdade de seus cultos e – mais que isso – deveriam ser protegidas pelo Estado (nenhum templo religioso no Irã paga contas de água, luz, telefone, aluguel etc.). 

Mas, fizeram mais que isso: determinaram que a partir de certa quantidade de seguidores, tais religiões teriam direito a ter deputados no parlamento. Assim, o parlamento iraniano tem deputados judeus, cristãos e zoroastristas, em que pese as mídias ocidentais controladas pelo sionismo propagarem exatamente o contrário. Existem cerca de 50 mil judeus que vivem felizes no país e jamais iriam para Israel. 

O país vive amplas liberdades políticas e de imprensa, muito além da religiosa. Os partidos e as organizações populares e de massa exercem livremente suas atividades, concorrem às eleições com seus e suas candidatas (o Irã tem o maior números de mulheres deputadas, professoras universitárias doutoras de todo o Oriente Médio).

O sistema político de poder do Irã

Existe no país um Conselho de Especialistas (algumas traduções usam o termo errôneo de “peritos” e em espanhol diz-se espertos), composto por 88 membros, todos eles clérigos, de elevado saber político, jurídico e religioso. Eles são eleitos pelo voto direto do povo e têm mandato de oito anos, podendo ser reeleitos (3). Nestas eleições do dia 18 de junho, foram eleitos metade deles, ou seja, 44 membros.

A autorização de suas candidaturas depende da autorização do Conselho de Guardiães, por isso o poder central vem desse órgão, que não é – entendam bem – um órgão da hierarquia religiosa, mas sim do Estado de orientação islâmica.

O maior poder do Conselho de Especialistas é justamente indicar o Guia Espiritual do país, que acumula a função de chefe de Estado, ficando a chefia do governo ao presidente e não mais ao primeiro-ministro, cargo abolido em 1989. O atual líder do Irã desde 1989 é Ali Khamenei, também ele um aiatolá. Veja que a eleição dos especialistas é direta e do líder espiritual é indireta, mas de um poder derivado diretamente do povo.

O atual presidente do Irã, Hassan Rouhani, também é um clérigo e moderado, para os padrões islâmicos em geral e comparado com seu antecessor, Mahmoud Ahmadinejad. Ele foi eleito a primeira vez em 2013 e foi reeleito em 2017, de certa forma, contrariando a orientação do stablishment revolucionário. Com estas eleições, isso se modifica, de forma que o poder volta para a linha dos que realizaram a Revolução Islâmica de 1979.

Os resultados das eleições 

Com cerca de 90% das urnas apuradas na República Islâmica do Irã, foi anunciado o resultado parcial, onde já foram computados 28,6 milhões de votos válidos. A abstenção foi muito elevada, pois estavam aptos a votar em torno de 60 milhões de eleitores, ou seja, abstenção próxima de 50%.

No início da corrida eleitoral, eram sete os candidatos. Na véspera das eleições, três deles desistiram restando apenas quatro. Três debates com todos eles foram realizados e transmitidos em todas as rádios e TVs do país, nos dias 5, 8 e 12 de junho.

Foram 72 mil os locais de votação e 3,5 milhões de eleitores estavam aptos a votar em 234 localidades no exterior, em consulados e embaixadas iranianas espalhadas pelo mundo. Em todas as 24 capitais de províncias (os nossos estados) a votação foi totalmente eletrônica. 

No Irã não existe a figura de um prefeito propriamente dito. Elege-se uma espécie de conselho (vota-se diretamente nos conselheiros, que são como nossos vereadores) e é esse conselho que ele o prefeito, cujo mandato é interrompido quando o conselho decidir. Esses conselheiros municipais também foram eleitos juntamente com outros cargos em disputa.

Nestas mesmas eleições, foram eleitos todos os 290 deputados membros da Majlis que é equivalente à nossa Câmara dos Deputados. Esse termo em farsi (a língua do Irã), que dizer mais ou menos “legislatura” (literalmente, é “um lugar para sentar”). Tem poderes consultivos.

Os quatro candidatos que chegaram à reta final foram: Dr. Sayed Ebrahim Raisi, chefe do poder judiciário iraniano; Mohsen Rezaee, ex-comandante do exército; Abdolnasser Hemmati, ex-presidente do Banco Central iraniano e Seyed Amir Hossein Qazizadeh, vice-presidente do parlamento.

O candidato favorito, apoiado por toda a estrutura clerical do país, Dr. Sayed Ebrahim Raisi obteve até agora 17,8 milhões de votos (62,23%). Os outros três candidatos obtiveram: Mohsen Rezaee, com 3,3 milhões (11,53%); Abdolnasser Hemmati com 2,4 milhões (8,39%) e Seyed Amir Hossein Qazizadeh, com um milhão (3,49%).

Sayed Ebrahim é doutor em direito. Foi promotor nas décadas de 1980 e 1990. Entre 2004 e 2014, foi vice-chefe do poder judiciário e de 2014 até 2016, foi Procurador Geral da República. No dia 7 de março de 2019 foi nomeado chefe do poder judiciário do Irã, pelo atual líder espiritual do país, o aiatolá Ali Khamenei. Fala-se que ele poderia até vir a ser seu sucessor.

Ebrahim havia concorrido nas eleições em 2017, tendo obtido 38% dos votos contra os 57% do atual presidente Hassan Rouhani. Seu Partido defende os princípios da revolução islâmica iraniana de fevereiro de 1979. Se vivo fosse, o comandante major-general Qassem Suleimani o teria apoiado (ou teria ele próprio sido o candidato). É como se fosse uma volta aos princípios, aos fundamentos.

Observações finais e desdobramentos

A imprensa ocidental e em especial a israelense chama o Dr. Ebrahim de "ultrarradical" (sic). Outras vezes o chama de "conservador". Na verdade, ele é firme na luta anti-imperialista e contra o sionismo, na defesa do povo palestino, pela soberania do Irã. Defende a continuidade do programa nuclear iraniano.

Na imprensa israelense, já se tem muitos destaques sobre as eleições iranianas. O novo primeiro-Ministro de Israel, Naftali Bennet já deu declarações “alertando o Ocidente” dizendo que “seria agora a última etapa para conter o Irã” (sic). Por certo, jamais esperaria de qualquer que fosse PM sionista de Israel uma declaração de apoio, pois eles sabem o que significa o Irã na conjuntura regional (4).

A Arábia Saudita e outras monarquias fascistas do Golfo Pérsico jogaram milhões de dólares para tumultuar e esvaziar o processo eleitoral iraniano. Incentivaram pessoas a ficarem em suas casas e não irem votar. Financiaram candidaturas na vã esperança de derrotar o candidato favorito do establishment iraniano. Perderam. 

Esta vitória se insere no contexto mundial do mundo em transição que vivemos entre a unipolaridade e no caminho da multipolaridade. Sua vitória é a vitória das forças progressistas mundiais, assim como o fim da era Nethanyahu em Israel, enterrando mais um fascista mundialmente conhecido, bem como o “empate” no primeiro encontro entre Biden e Putin, dois dias antes das eleições.

Dr. Ebrahim, que tomará posse dia 3 de agosto, será firme na defesa da soberania do Irã. Seguirá defendendo o direito de o país ter pleno domínio sobre a tecnologia de enriquecimento do urânio (para fins de pesquisa, energia e medicinal apenas). Organizará um choque econômico para a recuperação do país e ampliará em 300% os benefícios aos mais pobres. Pelo menos esses são os pontos mais destacados de seu programa de governo. 

Mas, o mais importante é que ele seguirá apoiando a causa palestina e lutando contra o sionismo em Israel, e não por acaso ele é temido por lá. Seguirá fortalecendo o eixo da resistência, integrado, além do próprio Irã, pelo Iraque, Síria e Líbano, assim como o Hezbollah, de sua iminência Sayed Hassan Nasrallah. Resistência essa integrada também pelos comunistas e socialistas e cristãos do papado de Francisco.

Desejo uma grandiosa gestão ao Dr. Ebrahim e vida longa e próspera para si e sua família e a todo o combativo povo iraniano. 

Notas

1. Os EUA fizeram um filme anti-iraniano chamado Argo, que é a visão deles sobre a revolução. Veja neste link a crítica: <https://bit.ly/2TRl5Cd>;2. Parte deste artigo eu referencio em meu livro Reflexões sobre o Oriente Médio – para entender a geopolítica daquele região, da minha Editora Apparte, lançado em 2019, com 514 páginas. Este capítulo está entre as páginas 233 e 240. Pode ser adquirido neste link: <https://bit.ly/2WLPfWT>;

3. A Wikipédia usa o termo “perito”. Confira neste link: <https://bit.ly/3iTu4gK>;

4. Veja a manchete deste que é o segundo maior jornal israelense, Yediot Ahronot: <https://bit.ly/3gMhNbn>;

* Sociólogo, professor universitário (aposentado) de Sociologia e Ciência Política, escritor e autor de 17 livros (duas reedições ampliadas), é também pesquisador e ensaísta. Atualmente exerce a função de analista internacional, sendo comentarista da TV dos Trabalhadores, da TV 247, da TV DCM entre outros canais, todos por streaming no YouTube. Publica artigos e ensaios nos portais Vermelho, Grabois, Brasil 247, DCM, Outro lado da notícia, Vozes Livres, Oriente Mídia e Vai Ali. Todos os livros do Professor Lejeune podem ser adquiridos na Editora Apparte (www.apparteditora.com.br). Leia os artigos do Prof. Lejeune em seu site www.lejeune.com.br. E-mail: lejeunemgxc@uol.com.br e Zap é +5519981693145.

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