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Tereza Cruvinel

Colunista/comentarista do Brasil247, fundadora e ex-presidente da EBC/TV Brasil, ex-colunista de O Globo, JB, Correio Braziliense, RedeTV e outros veículos.

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Franklin Martins lança trilogia hoje em Brasília

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Depois dos lançamentos em São Paulo e no Rio, o jornalista Franklin Martins autografa hoje (terça-feira, 17/08/2015) em Brasília os livros de sua triologia "Quem foi que inventou o Brasil". Será no Carpe Diem Gastronomia, CLS 104, às 19 horas. Trata-se de uma bela e prazerosa revisitação da História da República brasileira através das músicas que marcaram os grandes momentos.

Reproduzo para os leitores entrevista com Franklin publicada neste blog no mês de maio, por ocasião do primeiro lançamento.

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Entrevista - Franklin Martins

Ao longo dos últimos 18 anos, o jornalista Franklin Martins acumulou variadas tarefas – colunista e comentarista político, diretor regional da TV Globo em Brasília e ministro-chefe da Secom no segundo governo Lula – com uma exaustiva e singular pesquisa histórica: a das músicas que, desde o início das gravações fonográficas no Brasil, em 1902, refletiram os fatos políticos mais importantes do momento em que foram compostas.  O resultado deste trabalho, que seria um livro, acabou sendo a trilogia “Quem foi que inventou o Brasil”, que sai pela editora Nova Fronteira.  O lançamento será nesta segunda-feira, 22 de junho, em São Paulo, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, a partir das 19 horas, com a presença do autor.  Nesta entrevista ao 247 Franklin fala da pesquisa e de seus achados para chegar a uma conclusão: a política, na música brasileira, não é fruto de engajamentos nos momentos cruciais, como em outros países. É uma constante que confere à canção popular  a característica de uma crônica da histórica política enquanto está sendo vivida. E nesta narrativa, em cada momento um gênero se destacou. O teatro de revista e as músicas de carnaval, nos primeiros anos da República, a MPB durante a ditadura, o rock nos anos 1980 e a partir dos anos 1990 as sonoridades que expressam uma “bronca social”, como o rap, o funk, o afro-reggae e outros. Confira.

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P – Qual foi a sua motivação para mergulhar nesta pesquisa sobre a relação entre música e política que deu origem à trilogia? O gosto pelas duas?

R – Não houve uma motivação especial, começou meio por acaso. Não houve nenhuma estratégia inicial. Eu comecei a mexer com a Internet muito cedo. Em 1997 criei um site – os blogs nem existiam como hoje – onde eu postava artigos, textos e colunas.  Criei uma aba chamada Estação História, na qual postava textos importantes da Historia do Brasil. Digitava este material de forma muito braçal pois  o programa disponível era deficiente no reconhecimento de caracteres, cometia muitos erros que depois eu precisava corrigir. A seguir criei outra aba em que passei a postar trechos de gravações de discursos de personalidades históricas, como Getúlio, Lacerda, Arinos e outros.  Achava que era importante que as pessoas conhecessem a voz destas figuras.  E por fim passei a postar algumas músicas relacionadas com fatos políticos e fui descobrindo que havia uma grande quantidade de musicas com esta inspiração, desde os primórdios das gravações fonográficas, que começaram no Brasil em 1902. Um dia o Marcio Moreira Alves me disse: “ Franklin, Fala Meu Louro (samba de Francisco Alves de 1919) é uma gozação em cima do Rui Barbosa.”    Com esta dica fui conferir e fazia todo sentido.  E assim, aos poucos, de forma diletante no início, fui entrando na pesquisa. Comecei a travar conhecimento com muitas pessoas na Internet que tinham sites sobre música e começamos a trocar informações.   Estas pessoas me ajudaram, foram me indicando outras, e acabei construindo uma rede que me trazia informações.  E, ao mesmo tempo, fui tocando minha pesquisa de forma independente.   Só fiz este trabalho por causa da Internet que, mais uma vez, me ajudou muito.   Por exemplo: existe uma base de dados fundamental, que é a discografia de 78 rotações, onde estão catalogadas, eu diria, 85% de todas as gravações brasileiras neste padrão.  Trata-se de uma ficha técnica completa, com título, nome do autor, dos intérpretes, ano de lançamento, gênero etc. E tudo isso está disponível na Internet, através da Fundação Joaquim Nabuco.  E um trabalho fabuloso feito  pelo  Jaime Severiano, pelo Nirez, pelo Glauco. Então eu ia lá e consultava, e isso foi me dando segurança.   Descobri também que o Instituto Moreira Sales tem uma base de dados extraordinária, com cerca de 11 mil músicas desta época, com áudios que eu podia ouvir.   Ouvi lá, por exemplo, uma música do Eduardo das Neves, o Crioulo Dudu, do início do século, e acabei descobrindo que ele fez muitas músicas sobre política. Encontrei logo umas quatro ou cinco sem fazer grande pesquisa. Resolvi ouvir todas as musicas de Eduardo das Neves e acabei descobrindo uma sobre a Revolta da Chibata, composta na época do fato.  Pelo nome da música eu não descobriria seu tema nunca, e jamais alguém havia me falado dela.  Chama-se Reclamantes.

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P – Isso foi quando?

R  – Eu comecei em 1997. Mas a partir do ano 2000  intensifiquei a pesquisa e comecei a ler muito sobre o assunto e hoje em dia tenho uma biblioteca consistente sobre o assunto, toda lida. Conversei com muita gente, muitos musicólogos e pesquisadores. Tive a ajuda inestimável de muita gente mas destacaria o Roberto de Azevedo, que me ajudou muito no primeiro volume. Ele tem um conhecimento extraordinário de música brasileira. Entrei em contato com o pessoal da Fundação Joaquim Nabuco, que tem um trabalho importante, como o Renato Faelante e outros, e eles indicaram músicas e apontaram caminhos.  Falaram de músicas que não ganharam uma repercussão nacional tão forte mas que regionalmente eram conhecidas, tiveram impacto. Então as fontes são estas: uma rede que consegui formar, algumas pessoas que me ajudaram muito e a pesquisa direta mesma, nos acervos, livros de História e bases de dados. E muita conversa.

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P – Mas os livros de História quase sempre ignoram repercussões paralelas, como músicas e obras de arte relacionadas…

R – Sim, mas eu precisava contextualizar cada música para o leitor. Então li muito sobre a Revolta da Vacina, a Revolta do Contestado e outras passagens históricas. E principalmente sobre fatos anteriores digamos, à minha vida pessoal. O que vem de 1960 para cá, mal ou bem eu conhecia. Com algumas exceções. Descobri por exemplo uma música sobre o Massacre de Jaíba, um fato que precisei estudar pois nunca havia ouvido falar dele.   Ou a música relacionada à morte da líder camponesa Margarida, que deu origem à Marcha das Margaridas. Não foi um processo de simplesmente coletar as músicas.  A pesquisa foi pelos dois lados.

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P – Então como você definiria a natureza deste trabalho tão singular?

R – Eu o definiria como uma grande reportagem. Eu não sou um musicólogo, eu não sou um historiador, não sou um especialista em música, não toco nenhum instrumento, embora goste muito de música. Fui criado num ambiente com forte presença da música. Sou filho da luta contra a ditadura militar e a resistência cultural fez parte desta luta. Na minha adolescência eu estava ouvindo samba, MPB, indo a shows… A motivação principal, então, veio da política, não da música. Tanto que comecei a fazer isso num site sobre política mas a música tem uma dimensão própria, que eu procurei mostrar. Ela não é mero reflexo da política, é fruto também da dinâmica da produção cultural.  Não se trata de música engajada. A música brasileira geralmente não é engajada, no sentido de ser uma atividade militante, embora em alguns momentos tenha assumido esta natureza.  Ela é muito mais a expressão de algo interessantíssimo: desde o início a música popular no Brasil vai se embicando no sentido de produzir uma crônica da vida brasileira. Uma crônica em todos os sentidos: cultural, comportamental, econômico e também político.

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P – Você se deparou com algum período ou fato da História do Brasil que foi objeto de maior interesse destes, digamos, cronistas musicais?

R – Evidentemente que, quando mais a gente se distancia dos dias de hoje em direção a 1902, que é quando começam as gravações no Brasil, encontraremos menos músicas políticas. Mas também menos música sobre tudo, pois o número de gravações foi muito menor.  Mas desde o início existem músicas de fundo político. Eu queria, porém, voltar a esta questão da crônica, que acho importante. Em outros países também há música sobre política.

P – Em alguns, até mais que aqui…

R – Não, esta é a diferença. Em outros países, nos momentos de grandes confrontos, crises sociais, guerras, revoluções e similares, você tem uma produção de música engajada e militante muito forte. No entanto, passados estes períodos críticos, de um modo geral a produção de viés político se escasseia. A diferença é que no Brasil ela é permanente. Não existe fato político relevante da História da República sobre o qual não tenha sido composta uma música.  Existem algumas exceções. Por exemplo, o atentado da Rua Toneleros. Não existe música sobre este fato mas sabe por quê? Porque logo em seguida, 17 dias depois, o Getúlio se matou. Então o suicídio de Getúlio sobrepôs-se àquele episódio. E você encontrará 15 músicas sobre o suicídio de Getúlio. Não há também, por exemplo, uma música composta no Brasil sobre a Aliança Nacional Libertadora – ANL, de 1935.  Você encontrará apenas uma música composta na Espanha. Mas há uma explicação. Aquilo durou apenas quatro meses.  Mas na Espanha, quando a mãe do Prestes lá esteve agradecendo à campanha de solidariedade a ele, que estava preso, foi composta uma música em homenagem ao Prestes. É esta que aparece no livro em relação àquela passagem histórica. Mas, tirando casos isolados, todos os fatos geraram músicas. Sobre a Coluna Prestes encontrei três, todas compostas na época, embora algumas só tenham sido gravadas mais tarde.

P – E de onde vem esta tradição da crônica musical no Brasil?

R – É preciso começar pela poesia, que sempre teve no Brasil uma vertente cáustica, uma poesia debochada, crítica, irreverente, contestadora da autoridade.  Lembremos-nos de Gregório de Matos e das Cartas Chilenas do Thomas Antônio Gonzaga.  Quando D. João VI chega ao Brasil, surgem muitas modinhas gozadoras. Infelizmente não temos as partituras, de algumas, restaram as letras. Mas a partir de 1850 o Teatro de Revista chega ao Brasil, com suas cançonetas derivadas das chansonnettes francesas. Uma música cheia de duplos sentidos, que fala sobre alguma coisa que pode também significar outra, frequentemente com uma conotação sexual. Uma coisa meio jocosa e debochada. Isso num primeiro momento não era muito forte mas a partir da Guerra do Paraguai o Império entra numa exaustão lenta, gradual e segura, com Pedro II virando Pedro Banana. O Império continuava existindo, não havia alternativa mas criou no país um terreno fértil para o florescimento da irreverência política.  E a partir de então o Teatro de Revista cresce muito e se torna o desaguadouro de uma porção de músicas de fundo político. Trata-se de um teatro cantado e passa em revista os acontecimentos dos meses anteriores, geralmente num tom brincalhão e debochado. Surge no Rio, nesta época, a tradição dos cafés dançantes. Eles tinham um primo pobre, os “chopes berrantes”, onde alguns artistas se apresentavam a convite dos donos dos estabelecimentos para vender mais cerveja.  Nos dois aconteciam apresentações artísticas mas o ambiente dos “chopes berrantes” era mais escrachado.  Estas apresentações alimentavam o teatro de revista que. por sua vez, estimulava a vida dos cafés. Com a indústria fonográfica isso se expande e aí acontece algo que acho decisivo: Entre 1916 e 1920 o carnaval se transforma de festa bailada, baseada nos desfiles de corsos, em uma festa cantada. Um marco disso é o samba Pelo Telefone(Donga, 1916), um samba marchado que faz um grande sucesso. O carnaval passa então a ser cantado pelas pessoas, nas ruas.   Logo surge a marchinha, que é uma derivação do cã-cã, uma marcha puladinha. A partir desta época o carnaval torna-se o grande desaguadouro da música. A partir daí, 40% das músicas compostas no Brasil são destinadas ao carnaval. Assim será por um bom tempo. E o que é o carnaval? Um grande teatro de revista a céu aberto, sem distância entre os atores e a plateia, com um enredo fragmentado. E o carnaval começa a passar em revista os acontecimentos do ano anterior.  Claro que há músicas sobre vários temas mas é muito forte o traço político.  E assim será até mais ou menos 1960, quando o carnaval se torna uma festa assistida, não mais bailada nem cantada. Neste período o carnaval faz uma crônica social. Com algumas exceções, sua música não é adulatória. É muito mais crítica e irreverente, brincalhona, debochada.

P – Isso permite dizer que o samba foi o gênero que mais produziu músicas com narrativas políticas em suas letras?

R – Não. Até porque carnaval tem mais marchinha do que samba. Mas é uma coisa geral. A música caipira, por exemplo, que nada tem a ver com o carnaval, produziu muita música política. Mas por outra vertente. A música caipira e o repente sempre contam uma história e por isso têm letras imensas. E ao contá-la se referem ao contexto em que os fatos se passam, inclusive ao contexto político.  A primeira música caipira sobre política que foi gravada é de 1929.  Quando o gênero aparece, as gravadoras não acreditam que venderá discos mas o Cornélio Pires foi lá e disse: “eu banco”. Ele era dono de uma companhia humorística que circulava pelo interior de São Paulo e mesmo de outros estados. Ele mandou gravar seis discos, com tiragem de cinco mil copias cada um, o que era espetacular para a época, e passou a vendê-los em seus shows. Vendeu tudo. As gravadoras perceberam que havia ali um filão e dois anos depois muitas duplas caipiras estavam gravando discos. O Cornélio Pires compôs uma música sobre a revolução de 1924, que vai desembocar na Coluna Prestes. Ela foi gravada mais tarde. Sobre a Revolução de 30 apareceram uma dez ou 15 músicas caipiras. Então, todos os gêneros produziram canções de fundo político: o samba, o repente, o xote, o baião, as toadas gaúchas, todos eles.  Depois virá a MPB. E com isso teremos uma cultura musical que tem o pendor para a crônica social e para a crônica politica.

P – O Getúlio é o presidente que inspirou o maior numero de músicas?

R – Eu diria que sim. Mas há dois Getúlio.  Eu diria até que há três. Tem o Getúlio da Revolução de 30, sobre a qual, como disse, foram feitas muitas musicas. A partir de 1937 temos outro Getúlio, o do Estado Novo, que inspira muita música de adulação. E depois de 1950 temos o Getúlio líder nacionalista e dos trabalhadores. Ele tinha uma percepção da importância da música, tanto que na fase da ditadura algumas foram encomendadas ou estimuladas. Na campanha eleitoral de 1950 há uma enorme produção musical relacionada com a figura do Getúlio. Não eram gingles, como os de hoje, eram músicas de três minutos, quase sempre autorais.  A música João Paulino, que fala do velhinho gorduchinho que anda de lá para cá, não foi encomendada.   E depois do suicídio dele houve também uma profusão de músicas. Vale recordar que só entram na pesquisa as músicas compostas no calor dos fatos. As que foram compostas muito tempo depois, evocando fatos passados, não entram.

P – E nos momentos de censura e repressão, a produção de músicas políticas diminuiu?

R – Não. Ela vai encontrar caminhos.  No Estado Novo há um período em que realmente ocorre uma estagnação, com exceção da produção laudatória.  Vai basicamente de 1937 a 1942.  Mas vem a Segunda Guerra, a música começa a falar disso, estimulando a entrada do Brasil na Guerra, batendo de frente com o fascismo e o núcleo pró-nazista que havia dentro do governo. E isso desemboca na luta pela redemocratização.  Repare só: no início as músicas louvam o Getúlio como grande timoneiro, aplaudem o envio de tropas para a guerra mas logo isso evolui para a defesa da democracia. Já no período da ditadura militar nós temos uma música mais política na primeira fase, quando ainda não existe o terror de Estado, embora haja censura, prisões, cerceamento, cassações etc. Nesta primeira fase a música ainda resiste de forma mais frontal. Mas a partir da edição do AI-5, ou temos músicas com letra duplex, como se dizia na época, muito metafórica, permitindo duas ou mais leituras, ou aquele artifício de registrar uma letra para gravação mas cantá-la de modo diferente em apresentações ao vivo. Surgem também algumas músicas de apoio ao regime, sobretudo na fase de 1970 a 1973, como “Este é um país que vai pra frente” e “Eu te amo, meu Brasil”, louvores a grandes obras como a ponte Rio-Niterói e a Transamazônica e coisas do gênero.  Nem eram músicas encomendadas. Havia clima para isso porque a grande imprensa ainda era neutra ou simpática à ditadura, os grandes grupos econômicos apoiavam, havia uma grande asfixia não só da liberdade de expressão como do pensamento crítico de maneira geral.

P – Onde entram os festivais?

R – Os festivais têm um peso importante a partir de 1966 mas aí vem o AI-5, ocorre uma tentativa de sobrevivência mas logo aquilo acaba.  Mas começam as denúncias de tortura e de abusos e a partir de 1974 isso vai ficando mais nítido e se refletindo nas letras. Teremos até músicas que falam de Marighela e de Lamarca. É impressionante que isso tenha ocorrido naquelas condições.  Há músicas que falam da morte do Edson do Luiz e até da guerrilha do Araguaia.  Podem ter sido censuradas mas foram compostas naquele contexto e gravadas depois. A partir de 1976/77 as letras vão se tornando cada vez mais explícitas e cada um se vale de um recurso contornar as dificuldades.    O Chico Buarque registra músicas com o nome de Julinho da Adelaide, por exemplo.  O Paulo Sergio Pinheiro coloca uma música política dele na pasta do Agnaldo Timóteo, pois a censura não costumava implicar com os cantores românticos.  O livro aborda isso.  Alguns, entretanto, não conseguem mais cantar nem gravar, como é o caso do Taiguara. São calados pela ditadura.  Então, há casos muito diferentes nesta fase, que coincide com o momento em que o regime entra na defensiva e o movimento democrático avança, a partir de 1976/77. E a partir daí a resistência é cada vez mais frontal, inclusive na música. Em 1978 a censura prévia termina e aí tudo se acelera em direção á democracia.

P – Se na ditadura, apesar do cerceamento, houve resistência musical, no pré-64, apesar de toda a ebulição social, não houve muita música política. Teria sido assim porque a bossa-nova estava no auge e tinha letras de viés mais intimista?

R – A bossa nova de fato produziu pouca música política.  Seu auge mesmo se dá entre 1958 e 1961. Em 1963/64, muitas pessoas que haviam passado pela bossa nova começam a produzir outro tipo de música. Vinicius de Morais, por exemplo, começa a fazer muitas letras sobre a questão da negritude e já não fazia bossa nova. Aproximou-se do samba. Sergio Ricardo, Carlos Lyra e Francis Hime também passaram pela bossa nova e seguiram outros caminhos.  E houve um fenômeno de enorme importância na fase 62-64, às vezes subestimado, que foi o CPC da UNE, o Centro Popular de Cultura, que tem uma produção não tão vasta – produziu um disco, uma peça, o Auto dos 99%, que é um musical, mas o CPC aglutina uma série de artistas que, logo depois do golpe, vão fazer o Teatro de Opinião e tomar outras iniciativas culturais importantes.  É preciso recordar também que muitas músicas foram feitas no curso da campanha da legalidade para garantir a posse de Jango, em 1961, e relacionadas com o plebiscito de 1963, para a restauração o presidencialismo. Encontrei três músicas sobre a campanha da legalidade.

P – Quais são?

R – Tem o Hino da Legalidade, que é do Pereio e era tocado nas transmissões da cadeia de rádio da legalidade. Há uma música do Zé Kéti e do Carlos Lyra, e uma outra do Juca Chaves. Não podemos esquecer a importância do Juca Chaves neste período, compondo músicas políticas em abundância. “Lugar de café é na mesa, Lacerda em outro lugar”.  Ele é a favor da legalidade e defenderá o presidencialismo no plebiscito. Talvez ele tenha sido o compositor que mais produziu músicas políticas naquele período.

P – O presidente Lula inspirou mais músicas políticas antes de se tornar presidente do que depois, não?

R – Não posso afirmar com certeza porque minha pesquisa vai até 2002. Eu precisava fazer um corte histórico, se não isso não acabava nunca.  E com isso, fixei um período de 100 anos, de 1902 a 2002. Mas tem muita música sobre o Lula antes de sua chegada à presidência, refletindo sua vida de sindicalista, a criação do PT e todas as suas campanhas eleitorais.

P – Você diria que depois da redemocratização a música se voltou para questões mais cotidianas e se afastou da política?

R – Não concordo mesmo. De 1964 até 1985, o gênero que mais produziu musica política foi a MPB. Um gênero discutível enquanto tal, porque comporta uma série de subgêneros.  Mas no final dos anos 1970 o rock começa a ganhar força.  E nos anos 1980 ele terá um peso muito grande, praticamente ocupando o papel que antes era da MPB.  Já na década de 1990 o rock praticamente sai de cena e o que terá peso será o rap e o funk, com uma abordagem que eu costumo chamar de “bronca social”. Não é como o samba, que fala do cotidiano de uma forma brincalhona, que até faz críticas mas evitando uma confrontação. Já o rap, o funk, o samba-reggae, o axé e o mangue-beat fazem músicas de confrontação direta com um regime de injustiça social, de falta de oportunidades e que falam da violência policial contra os chamados três pês: prostitutas, pobres e pretos.

P – E isso não é dirigido especialmente a um partido ou força política, como na ditadura, mas ao sistema…

R – Sim, o confronto é com sistema, embora estes movimentos musicais batam mais em alguns partidos que em outros.  Num primeiro momento criticam mais o PMDB, depois o PSDB, ou melhor, o governo do Fernando Henrique. O Lula e o PT são mais poupados nesta fase.  A música caipira/sertaneja também produz alguma coisa nesta linha. Então a sequência é: MPB, rock e depois este conjunto de novos estilos, como o rap, o funk, o axé e outros, que é a música de confrontação com o sistema de forma mais ampla. Ela bate com a polícia, o Judiciário, a mídia, a falta de oportunidades, bate com tudo.  Na década de 1990, o destaque é para esta música das quebradas.

P – Cada livro da triologia terá seu respectivo CD?

R – Não. Eu desisti do CD por questões relacionadas ao direito autoral.  Seria preciso liberar 1.100 gravações. Seria impossível, do ponto de vista financeiro. O livro sairia a um preço impraticável. A solução que encontrei foi criar um site: www.quemfoiqueinventouobrasil.com.   Lá estarão os streamers de todas as músicas citadas, que poderão ser ouvidas mas não baixadas.  E mesmo assim, com limitações.  As gravações que já caíram no domínio público estão na íntegra. Das que ainda não caíram em domínio publico haverá um trecho, 30 segundos, que é um padrão convencionado aqui e lá fora. Se o internauta gostar e quiser ouvir a música inteira, irá procurar em outra fonte.   E também estarão na íntegra as gravações especiais que não envolvem direitos, como jingles de campanhas, hinos de partidos, músicas de movimentos sociais etc. Vários autores de músicas ainda protegidas pelo direito autoral liberaram obras para a reprodução integral no site. Espero que o número deles aumente. Acho que isso abre mercado. Muitas canções ainda desconhecidas poderão ser regravadas, utilizadas em trilhas de filmes e documentários e outras produções derivadas.

P – Você acredita que este trabalho poderá vir a ser utilizado também como ferramenta pedagógica no ensino da História do Brasil?

R – Não tenho nenhuma pretensão neste sentido mas o trabalho estará à disposição da sociedade. Foi um trabalho que me consumiu muito mas me deu muito prazer, com o qual aprendi muito e que de fato oferece elementos para uma série de outras atividades.  Espero que a sociedade faça dele o melhor uso possível. Com a publicação, encerro um ciclo. Depois de 18 anos envolvido com o assunto, em alguma hora é preciso parar.

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