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Marconi Moura de Lima

Professor, escritor. Graduado em Letras pela Universidade de Brasília (UnB) e Pós-graduado em Direito Público pela Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jesus. Foi Secretário de Educação e Cultura em Cidade Ocidental. Leciona no curso de Agroecologia na Universidade Estadual de Goiás (UEG), e teima discutir questões de um novo arranjo civilizatório brasileiro.

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Gilmar Mendes pode ser culpado pela prisão de Lula e do Brasil

Pelo fim do Pedido de Vistas ad aeternum no Supremo Tribunal Federal

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Este texto é um chamamento para que possamos fazer uma campanha (o controle social sobre as instituições brasileiras, entre as quais, o STF) com a tese de se aprovar uma norma cuja intenção seja regulamentar o Pedido de Vistas concedido a determinado ministro da Suprema Corte frente aos processos por ele interrompidos.[1]

Como se trata do convite a um debate e não (ainda) de estudo profundamente técnico sobre a matéria; seu mérito em discussão; tão mais o absurdo de seu desregramento, permita-me provocar hipóteses. Senão, vejamos.

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Quando uma determinada pauta entra na ordem do dia do Colegiado do STF (e de qualquer Tribunal), conjuga-se que houve tempo hábil para uma análise de caráter profundo. Conclui-se também que há uma ideia de princípio terminativo da Ação em curso. Conclui-se, doravante, que o evento jurisdicional pode, se sobrestado no locus do tempo, causar danos [2] – ao paciente, a uma das partes de um processo, à Instituição Julgadora, a outrem, ou mesmo, é fático, ao País –, afinal, se a matéria chegou à Mesa do Supremo é porque não é algo trivial e inúmeras teses anteriores foram tecidas sobre o ponto de vista do julgado (por inúmeras eminências de instâncias iniciais e intermediárias). Ora, não faz qualquer sentido a estrita exigência de um ministro, monocraticamente, a sentar literalmente sobre o processo [3].

É fundamental que se compreenda aqui outro valor: o juiz natural da causa não é mais determinado indivíduo togado; o juiz natural é o Pleno (ou a Turma) em que se está ocorrendo o julgamento. E, portanto, os votos necessitam de algum provimento mínimo, carecendo, se necessário, de um curtíssimo prazo de nova reflexão e análise, isso se incorrerem dúvidas durante a defesa das arguições no decisum já em curso. Trata-se de uma decisão colegiada construída a várias mãos – e cabeças – mas que tendem como a costura de um tecido simultâneo em que cada um coloca seu retalho, e determinado pedaço – argumento – pode ter comprometido o ponto da chita – repito o “já” – proposta na agulha e linha de sua excelência. Destarte, justifica-se o Pedido de Vistas – breve.

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(Aqui é fundamental oferecer um parêntese: o Pedido de Vistas não é o único instrumento que atravanca uma matéria a qual clama ser desancorada e seguir julgamento na Corte. O poder do Relator de submeter a matéria aos pares e o poder ilimitado do Presidente de incluir na pauta tal matéria, além de outros entraves técnicos, instrumentais ou discricionários, beiram a vergonha face a capacidade com que podem explorar o decurso do tempo. Todavia, por que aqui me concentro no Pedido de Vistas? Porque ele carrega em sua semântica a ordem revisional e não pode funcionar como contra-força a eventos principiológicos, entre os quais, a supremacia do interesse público, a legalidade, a liberdade e outros imperativos legais. E é imoral dedicar caráter de poder absoluto a este instituto e a seu concessionário funcional.)

Pedido de Vistas, portanto, deve funcionar como um instituto a oferecer um tempo de acréscimo adicional e razoável para que o juiz expurgue dúvidas, reflita um pouco mais sobre algo que lhe ocorreu durante a sessão daquela pauta posta. Não é uma guinada processual; é um espaço curto de aprimoramento de tese para a construção de um potente entendimento.

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Inquieto uma proposta para estartar o debate junto à sociedade e instituições. A norma que poderá revisar este instituto deve impor que o Pedido de Vistas, em caráter ordinário, seja concedido por no máximo 7 (sete) dias. E, compreendendo o juiz concedido que carece de mais tempo para (re)análise da matéria exausta, este apresenta um requerimento ao Pleno solicitando mais tempo, sendo que na afetação deverá constar prazo para entrega rigorosa, obedecendo a razoabilidade, e justificativa, fato que poderá ou não ser aceito, ou mesmo revisado em contraproposta por sugestão de suas excelências.

O caso concreto em Gilmar Mendes

Para que faça sentido este texto com o seu título (que também é uma provocação reflexiva), lembro que o Lula “CPF” aqui foi também o Lula “entidade” submetida ao crivo dos pedidos de vistas ad aeternum do Supremo. E, sinceramente, importa menos um pouco o dano causado ao paciente Lula (pessoa física), que o dano irreparável a milhões de brasileiros [4], impactados pelos desdobramentos eleitorais da Operação Lava Jato, a que levou o líder petista à prisão, todavia, a milhares de outras consequências desastrosas ao País.

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Ao sentar sobre o processo do ex-Presidente, Gilmar Mendes [5] aprisionou Lula por mais um ciclo temporal. E Bolsonaro, que vencera uma eleição completamente forjada nos enlaces do sistema, continuava a massacrar o povo sem adversários de peso para contrapô-lo e oferecer esperanças e outro modus operandi à sociedade.

Trata-se de uma teia de ações e omissões [6] que destruíram a democracia e o Estado de Direito. Consequência: i) fome: a miséria no País aumentou sobremaneira – milhões estão desempregados e outros milhões sem ter o que comer; ii) colapso econômico: o Brasil afunda num abismo de recessão, de inflação, de desinvestimento e apatia da iniciativa privada, de fuga de capitais e por aí vai; iii) genocídio dos povos indígenas: para além da pandemia da Covid-19 não-enfrentada, os grileiros, os latifundiários e os mineradores avançam sobre as comunidades de dizimam, com a anuência do Estado, sobre as comunidades originárias; iv) colapso sanitário: falta liderança e ética no enfretamento do coronavírus; parece ser deliberada a intenção de ver mais e mais mortes causadas por esta pandemia; v) deboche internacional: tornamo-nos um párea nas relações geopolíticas; o Brasil chegou a liderar relações bi e multilaterais e hoje sofre derrotas e constrangimentos nas relações com outros Estados, dada a incompetência e inconsequência dos agentes do Governo e seu líder maior; vi) passamento da boiada: tanto na preservação do Meio Ambiente, quanto na preservação dos Direitos Sociais do povo, novas leis, decretos e atos oficiais do Governo conjugam para o colapso civilizatório; e segue a boiada destruindo tudo...

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Senão, vejamos. Todo o enredo jurídico posto foi capaz de causar todo esse trauma a uma civilização. E o Pedido de Vistas[7] reitera o posicionamento do Estado em não prover a reparação dos danos graves causados ao Brasil. Isso não pode ser tratado como uma mera circunstância. E não é pontual. Vários processos caros ao País estiveram ou estão sob a gaveta de determinado ministro que, reitero, não é o juiz natural por si somente, tampouco obedece ao rito de conclusividade do evento jurisdicional posto em face terminativa. A responsabilidade é sobremaneira intensa e os efeitos aviltantes. É fundamental distensionar o peso sobre os ombros (ou a má-fé) de suas excelências. Uma regulamentação que ofereça seriedade ao instituto do Pedido de Vistas tende para o caminhar da evolução do País a inibir de desastres como os atuais.

Até lá, data vênia, peço vistas à Justiça brasileira. 

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[1] Já existem alguns textos tramitando. À exemplo, a PEC nº 53/2015, de autoria do Deputado Federal Glauber Braga, que visa fixar estes prazos às análises extemporâneas aos processos em curso nos tribunais. Vale debater esta e outras iniciativas.

É bom lembrar que o Regimento do STF tem concessão de prazos às vistas. Todavia, o critério é tão pouco objetivo que permite um acervo de manobras dentro do próprio instrumento interno.

[2] Embora efeito atribuído à ambiência jurídica do Direito Ambiental, é perfeitamente possível avocar aqui o Princípio da Precaução para outras instâncias da vida social. Vejamos o que nos ensina, Zapater (2017):

 “De um ponto de vista sociológico, o princípio da prevenção e o princípio da precaução indicam formas jurídicas que medeiam a relação entre, de um lado, a tomada de decisões (políticas, econômicas, jurídicas, científicas, etc.) e, de outro lado, a possibilidade de se associar essas decisões a certos eventos futuros e danosos, atribuindo-lhes a qualidade de consequências. Apesar disso, essas formas não atuam, tipicamente, no campo da responsabilidade por danos já causados, mas no momento anterior, da tomada da decisão à qual poderá ser atribuída, no futuro, a qualidade de causa. Com estratégias diversas, ambos princípios postulam uma vinculação temporal, na qual um futuro possível e incerto (momento de eventual dano, que pode ou não ocorrer) é trazido para o presente certo (momento da decisão, que ocorrerá), qualificando juridicamente a decisão presente, independentemente de as consequências futuras ocorrerem.”

(Fonte: ZAPATER, Tiago C. Vaitekunas. Princípio da prevenção e princípio da precaução. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direitos Difusos e Coletivos. Nelson Nery Jr., Georges Abboud, André Luiz Freire (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/356/edicao-1/principio-da-prevencao-e-principio-da-precaucao)

[3] Infere-se um jogo, ou político, ou aritmético (isto é, aguardar possuir maioria no Colegiado para devolver a tese e tentar que sua inclinação decisória seja a vencedora).

É, portanto, estratégia pouco republicana de ativismo judicial velado.

[4] Queiram, por favor, compreender que me solidarizo com o ex-presidente Lula por sua injusta prisão, portanto, vítima de um erro grave do Estado que, para além do merecimento da reparação proporcional, inclusive indenização, deve ter sua vida e dignidade plenamente protegida e devolvida ao ponto zero desde o injusto julgamento estatal. Entretanto, o que destaco aqui no texto é uma necessária provocação que, não apenas o Lula sofreu com todo esse acervo de estruturas jurisdicionais de jogo e manobra. O povo brasileiro foi impactado. E o povo é um coletivo ainda maior que a pessoa física de Lula, embora, sua liberdade – e a de todos nós – também seja evento sagrado da existência de um Estado de Direito.

[5] Gilmar Mendes, em tese – e nesse caso –, ajudou a defesa do ex-presidente quando, em 4 de dezembro de 2018 pediu vistas do processo de Suspeição do então juiz, Sergio Moro. Havia um risco de derrota da tese na Segunda Turma do STF e Mendes faz esse jogo, ao que se imagina, para aguardar a conveniência e oportunidade do devido processo. 

Ocorre que nunca mais o processo voltou à Turma. Até que, também num jogo sem sentido, após 5 anos de atraso, o ministro Edson Fachin delibera pela Incompetência do Juízo de Curitiba para as faces processuais do Triplex e do Sítio de Atibaia, objetos que formaram o entendimento à execração pública de Lula. Destarte, neste momento (09/03/2021, mais de 2 anos após), Mendes coloca em pauta o julgamento da Suspeição, devolvendo o processo à baila da Turma.

Se aguardando a mudança de entendimento entre seus pares para massacrar Sergio Moro, não sabemos, o fato é que é irrazoável tamanho interstício para uma sincera re-análise de tema impetrado junto ao Poder Judiciário.

É bom lembrar que o mesmo Gilmar Mendes pediu vistas em abril de 2014 na ADI 4.650, que julgava a proibição de financiamento privado para as campanhas a cargos públicos, e devolvera o processo para sua conclusão somente em setembro de 2015. Reitere-se que esse tipo de doação empresarial para políticos causou danos irreparáveis à democracia brasileira.

[6] Pedido de Vistas alongado e sem regramento é sem dúvidas uma omissão oficial do Estado em agir para resolver seus conflitos sociais.

[7] Existem motivações técnicas para que o Pedido de Vistas tenha o caráter livre dado a determinado juiz de Colegiado. Este é, portanto, um ponto que se consolidou tecnicamente e não vou me deter na repetição do intento. O texto, coloquial, aliás, porque se dispõe a chegar para o controle social e, deste, nas representações formais da República, oferece eventos de contraponto ao que está convencionado.

Noutro momento poderemos nos deter na qualidade e funcionalidade deste instituto e ponderá-lo melhor. Por hora, o evento crítico se faz necessário para se pensar paradigmas de efetividade de Justiça.

Ademais, o citado ministro Gilmar Mendes, costumeiro em pedido de vista tão longos, neste poderá ter acertado correição do futuro que começa a fazer reparação da História do Brasil (caso concreto: a criminosa Lava Jato). Contudo, só o tempo dirá realmente...

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