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Alex Solnik

Alex Solnik é jornalista. Já atuou em publicações como Jornal da Tarde, Istoé, Senhor, Careta, Interview e Manchete. É autor de treze livros, dentre os quais "Porque não deu certo", "O Cofre do Adhemar", "A guerra do apagão" e "O domador de sonhos"

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Golpe de Temer vai provocar mais um retrocesso

"Não podemos e não devemos aceitar passivamente o golpe parlamentar de Michel Temer, nem nos iludir com a ideia de que a culpada pela crise econômica era Dilma e sua saída de cena, e entrada de Temer vai trazer o crescimento de volta, que é a narrativa que está sendo vendida à classe média pelo governo interino e repetida pela imprensa tradicional", diz o colunista do 247 Alex Solnik; segundo ele, se os senadores permitirem a continuação de Temer "teremos mais dois anos de baixo crescimento, além de maior instabilidade política. E ele vai deixar uma herança maldita para quem se eleger em 2018"; leia trecho da entrevista de Bresser-Pereira não publicado na Revista 247 desta semana

"Não podemos e não devemos aceitar passivamente o golpe parlamentar de Michel Temer, nem nos iludir com a ideia de que a culpada pela crise econômica era Dilma e sua saída de cena, e entrada de Temer vai trazer o crescimento de volta, que é a narrativa que está sendo vendida à classe média pelo governo interino e repetida pela imprensa tradicional", diz o colunista do 247 Alex Solnik; segundo ele, se os senadores permitirem a continuação de Temer "teremos mais dois anos de baixo crescimento, além de maior instabilidade política. E ele vai deixar uma herança maldita para quem se eleger em 2018"; leia trecho da entrevista de Bresser-Pereira não publicado na Revista 247 desta semana (Foto: Alex Solnik)
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Não podemos e não devemos aceitar passivamente o golpe parlamentar de Michel Temer, nem nos iludir com a ideia de que a culpada pela crise econômica era Dilma e sua saída de cena, e entrada de Temer vai trazer o crescimento de volta, que é a narrativa que está sendo vendida à classe média pelo governo interino e repetida pela imprensa tradicional.

Ao contrário, se os senadores permitirem a continuação de Temer teremos mais dois anos de baixo crescimento, além de maior instabilidade política. E ele vai deixar uma herança maldita para quem se eleger em 2018.

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O alerta não é de um petista, mas de um ex-tucano e um dos economistas mais graduados do país, autor de mais de 90 livros de Economia, publicados no Brasil e no exterior.

Na longa entrevista que concedeu anteontem ao 247, e que não publiquei na íntegra por ser extensa demais, Bresser Pereira contou que o Brasil não cresce desde 1980, ainda na ditadura militar e explicou os motivos: taxa de juros muito alta e dólar muito baixo, ou, no jargão econômico "câmbio apreciado".

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Vou reproduzir abaixo o trecho que não foi publicado na revista 247, no qual o ex-ministro da Fazenda do primeiro governo democrático após a ditadura relata os erros que vem sendo cometidos pelos governantes desde muito antes de o PT chegar ao poder e que reduziram o crescimento brasileiro, que girava em torno de 4% ao ano para 1% ao ano.

E revela que Dilma foi derrubada no bojo de um processo político-econômico que começou em junho de 2013, com os protestos da classe média rentista, aquela que vive de renda e não do trabalho, inconformada desde que ela, em 2011, baixou os juros reais, que eram de 6% para 2% ao ano até desembocar na vingança de Aécio Neves, na chantagem de Eduardo Cunha e no oportunismo do PMDB e de Michel Temer:

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"O nacionalismo com desenvolvimentismo econômico até 1980 era apoiado pelos países ricos. Como? Através do desenvolvimentismo do Banco Mundial. O Banco Mundial vai ser um instrumento de promoção do desenvolvimento econômico dos países do Terceiro Mundo a partir de uma estratégia de intervenção moderada do estado na economia e, portanto, a mudança radical vai acontecer em 1980. Com a eleição do Ronald Reagan o Banco Mundial muda completamente e se torna o instrumento fundamental das reformas neoliberais. Então a ideia de nação se enfraquece mais porque agora o desenvolvimentismo que tinha apoio razoável do Norte, vai desaparecer. O desenvolvimentismo volta a ser o adversário. Tudo isso fez com que o Brasil... quer dizer, o grande problema brasileiro não é apenas, do ponto de vista ideológico, que nós temos uma dominação com peso forte demais para o liberalismo... é também que esse liberalismo é um liberalismo essencialmente dependente. Ele não tem ideia de nação nenhuma. Isto é muito grave. Estou convencido de que o Brasil está semiestagnado desde 1980...cresce a uma taxa de 1.2 por cento ao ano em média, quando crescia, no período da grande revolução nacional capitalista brasileira, de 1930 a 1980 a uma taxa de 4.1.

Quatro vezes...

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Quatro vezes. É muito diferença. E eu estou convencido de que isso decorre, essencialmente, de dois elementos ideológico-culturais brasileiros. Um é a perda da ideia de nação. E, portanto, a incapacidade de apontar uma política voltada ao interesse nacional. E a outra é uma alta preferência pelo consumo imediato. Ou seja, o espaço para o populismo, não só o populismo de esquerda, mas de direita-liberal, que a meu a ver são intrinsicamente populistas não no plano fiscal, mas no plano cambial. Quer dizer, se você olha o que aconteceu com a economia brasileira a partir de 1980, os dez primeiros anos ou, se quiser, os 14, até 1994 têm uma explicação para a estagnação. É a política de crescimento com a poupança externa recomendada lá por fora, o que quer dizer déficits em conta corrente elevados, financiados por empréstimos ou por investimentos diretos.

É a política de ficar devendo?

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Ficar devendo. E a ideia de que se financiamento é feito por investimento direto, tudo bem. Não há problema, quanto mais déficit em conta corrente, melhor. Ou, pelo menos, para não exagerar tanto, um déficit em conta corrente de mais ou menos 3% do PIB tá ótimo.

O que aumenta a dependência...

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Mas não é que só aumenta a dependência... a dependência é uma coisa vaga... isto impede o desenvolvimento brasileiro, impede o investimento no Brasil. Quando você verifica essa semiestagnação no período até 1994 as causas são claras. A crise financeira e a alta inflação que decorreu da crise financeira. Ah, a crise financeira foi resolvida pelo Plano Brady. Que, por acaso, a estratégia do Plano Brady quem sugeriu fui eu. Quem propôs fui eu. Quando eu era ministro da Fazenda eu propus o Plano Brady, em 1987, mas o Baker, que era o secretário do Tesouro americano recusou, de uma maneira extremamente imperial, eu tenho um "paper" que conta essa história...Mas os bancos, depois, ficaram muito interessados, porque era a securitização da dívida, com desconto e dezoito meses depois, quando o Baker saiu e entrou o Nicolas Brady eles pegaram meu plano e aplicaram quase literalmente. Mas isso é uma digressão. Agora, a partir de 1994 não tínhamos mais o problema grave da dívida externa e não tínhamos o problema grave da inflação. Agora, o Brasil tinha que crescer. E crescer muito. Voltar a crescer como nos velhos tempos. E nada. Os oito anos do Fernando Henrique não trouxeram absolutamente a retomada do crescimento econômico. Trouxeram uma grande crise financeira em 98 e 99, consequência de querer crescer com poupança externa e depois em 2002 outra crise que também teve o elemento "medo do Lula" além da fragilidade financeira do próprio país. E depois tivemos o governo Lula e o governo Dilma e novamente não houve retomada do desenvolvimento econômico. Era uma coisa meio desenvolvimentista, não muito porque a parte macroeconômica continuava ortodoxa ou pelo menos foi ortodoxa até 2010, até o fim do governo Lula. No governo Dilma a coisa começa a complicar. Mas o fato concreto é que a esquerda – Lula-Dilma – também não conseguiu retomar o crescimento do país. Houve um aumento do crescimento, sim, mas foi graças, exclusivamente, ao boom de comodities muito grande. Quando acabou o boom voltou-se a crescer muito pouco. E por que? O que é que fracassou? Por que é que esse baixo crescimento, essa quase estagnação da economia brasileira está acontecendo, a meu ver, desde 1990? Porque as causas são aquelas duas: a perda da ideia de nação e a alta preferência pelo consumo imediato. É o que eu já defendo no meu livro "Macroeconomia da estagnação da Economia", de 2007: a causa fundamental é uma armadilha de altos juros e taxa de câmbio apreciada no longo prazo. Isso impede os investimentos privados. Por outro lado, é o estado que deixa de ter poupança pública e passa a ter despoupança pública. Poupança pública é a receita do estado menos as despesas correntes do estado. O estado deve ter uma certa poupança pública para financiar os seus investimentos. Essa poupança mais um déficit em conta pequeno, o que é normal, que mantém a dívida pública sob controle e o Brasil que tinha uma poupança pública nos anos 70 de cerca de 3% do PIB desde os anos 80 e continuou depois, nos anos 90 e 2000 a sua despoupança é de mais ou menos 2% do PIB. Ou seja, o estado perdeu a capacidade de investir e o setor privado deixou de investir porque uma taxa de câmbio altamente apreciada no longo prazo, mais um juro muito alto, a taxa de juros mais alto que todos os outros países do mundo, inviabilizam o investimento privado. Para isso se desenvolveu uma teoria muito bonita, uma macroeconomia desenvolvimentista, a respeito dos rentistas, que eu já publiquei em três livros, o terceiro está saindo agora no Brasil, já saiu na Inglaterra e chama-se "Macroeconomia desenvolvimentista", escrito por mim, Nelson Marconi e José Luiz Oureiro.

Por que os juros não caem?

Os juros não caem, segundo a ortodoxia porque o mercado financeiro, porque os rentistas, portanto, não têm confiança no estado brasileiro e eles não têm confiança no estado brasileiro porque o déficit público é muito alto. Acontece que entre 1999, primeiro ano do segundo ano do governo Fernando Henrique até 2013, final do segundo mandato do governo Dilma, ou seja, durante 14 anos, o Brasil cumpriu todas as metas fiscais plenamente. Não tinha nenhuma irresponsabilidade fiscal. Estava tudo bem. No entanto os juros continuaram lá em cima. Então, o que explica isso? No meu entender é uma questão de poder político. Há dois tipos de capitalistas: os capitalistas rentistas e os capitalistas empresários. Os capitalistas rentistas estão ficando cada vez mais importantes no capitalismo em geral. Inclusive aqui no Brasil. Capitalista rentista é aquele que não trabalha. É aquele que ganha juros, dividendos e aluguéis. Eles são sempre liberais, são sempre contra a inflação e a favor de juros reais altos, eles são contra a inflação porque reduz os juros reais. Eles são sempre liberais conservadores. E no Brasil, diferentemente do que acontece nos países ricos ou em outros países em desenvolvimento eles se julgam proprietários, eles julgam ter uma "senhoriagem" de 6% do PIB, em termos de juros. Todo ano eles querem receber - e nossos rentistas não são só os muito ricos, não, tem uma enorme classe média que é rentista também, parte dos seus rendimentos vem desses rendimentos financeiros e não do seu próprio trabalho direto ou salário ou atividade empresarial. Eles tornaram-se muito poderosos no Brasil. Isso começou, a meu ver, em 1964, quando os militares criaram a caderneta de poupança. Criaram o sistema nacional de habitação e a caderneta de poupança. E quando eles fizeram isso, eles definiram, em lei que o rendimento da caderneta de poupança deveria ser de 6% ao ano em termos reais. O que é um absurdo, é uma taxa de juros altíssima.

Isso é que puxou tudo?

Eu acho que foi isso que puxou tudo. Quando a Dilma baixou os juros, em 2011, aí chegou um momento em que ela não podia baixar mais por causa dessa lei – essa lei já tinha sofrido modificações, mas continuava em vigor - e ela teve um ato de coragem e extinguiu a lei. Os juros foram para 2% em termos reais e foi aí que começou a crise política dela.

A guerra contra ela?

Sim, porque foi naquele momento que... além disso, ela ainda resolveu atacar os bancos, dizendo que além da taxa básica de juros do Banco Central ser muito alta e ela estava baixando, os spreads dos bancos eram muito altos.

A repercussão daquilo resultou no que estamos assistindo hoje?

Não é só aquilo, aquilo foi a causa inicial da crise política dela, isso não há dúvida. Vieram as manifestações de junho de 2013, a popularidade dela caiu pela metade, devido a essas manifestações que a meu ver já tinham relação com esse problema porque boa parte da classe média que foi pra rua foi essa classe média rentista.

Não foram manifestações tão espontâneas, então?

Espontâneas até acho que foram, mais ou menos, o que não foram é que não foram do povão. O povão não foi pra rua, foi uma classe média. Que se sente com direito a essas rendas e que estava ficando cansada de um governo de esquerda. Porque o fato concreto é que essa crise política, quer dizer... o PT cometeu enormes erros, mas ele se conservou fiel ao seu compromisso com os trabalhadores e os pobres. Não rompeu isso. Ele tentou se associar à burguesia, fazer um pacto desenvolvimentista, eu escrevi sobre isso, eu torci para que isso desse certo porque eu acho que a saída para o Brasil é voltar a ter um pacto...

A união do PT com o PSDB?

Isso eu, mais o Oded Grajew, isso em 1990,.. 91... nós fizemos um pequeno movimento para juntar os dois partidos, ele no PT e eu no PSDB. Mas nenhum dos dois lados quis ouvir e a coisa morreu. O fato é que o problema fundamental do Brasil é ter esse juro alto e esse câmbio apreciado. E acontece que ninguém quer saber disso. Nem a direita, nem a esquerda. Juros ainda, tudo bem, a esquerda briga contra. A direita, não, a direita está sempre quieta, os liberais de direita ficam quietinhos em relação aos juros. Os juros fazem parte da ordem das coisas. Agora, a esquerda briga um pouco sobre esse assunto. Mas sobre câmbio, nem direita, nem esquerda. E este é um problema fundamental do Brasil. (Tosse). Perdão. Tô com um fim de gripe. Tava demorando pra acabar. Basta ler os jornais. Você raramente ouve falar que o Brasil tem um problema cambial. O Brasil tem um problema fiscal, segundo eles. E é sempre assim: fiscal, fiscal, fiscal. Agora tem, por acaso: desde 2013 a Dilma perdeu a cabeça na parte fiscal e o aumento de despesas, principalmente o corte, as desonerações fiscais, a diminuição de receita e mais a crise econômica, que aí tem outras origens resultou numa redução violenta de receita e uma crise fiscal. Mas isso foi agora, enquanto que o problema do câmbio vem desde 1990. O último problema do câmbio aconteceu no governo Lula. Primeiro houve uma crise em 1998 quando Fernando Henrique deixou apreciar o câmbio brutalmente e isso porque ele queria crescer com poupança externa, ou seja, com déficit em conta corrente... quando você tem déficit em conta corrente você tem câmbio apreciado por definição. Mas a teoria econômica esquece isso, os economistas esquecem isso. Então, o déficit em conta corrente do Brasil era zero em 1994 e seis anos depois, em 1999 era quase 5% do PIB e o Fernando Henrique achava que isso ia dar crescimento. Não deu nada. Aumentou o consumo. O déficit em conta corrente financiou o consumo, na verdade, por que? Porque o déficit em conta corrente apreciou o câmbio e ao apreciar o câmbio desestimulou o investimento. O investimento privado parou. Então, o investimento, segundo essa teoria desenvolvimentista depende da taxa de câmbio. Ora, nenhuma teoria diz isso. A teoria ortodoxa neoclássica não diz isso, a teoria keynesiana não diz isso, o desenvolvimentismo clássico de Prebitsh e Celso Furtado não diz isso, etc. Quem diz isso é a teoria novo desenvolvimentista. Ou a macroeconomia novo desenvolvimentista. E por que? Porque essa teoria diz que existe nos países em desenvolvimento uma tendência à sobreapreciação da taxa de câmbio que é cíclica e crônica. Crônica quer dizer no longo prazo e cíclica quer dizer que deixando a taxa de câmbio livre ela se aprecia... quando se tem uma crise ela se deprecia violentamente e vai lá pra cima; e depois ela vai se apreciando, se apreciando, se apreciando, por uma série de causas, aí você entra em déficit em conta corrente, você passas alguns anos – da última vez foram sete anos – com uma taxa de câmbio altamente apreciada e aí vem outra crise. A última vez que houve uma crise financeira foi em 2002. O Fernando Henrique deixou então para o Lula não uma herança maldita, como Lula diz; deixou uma herança bendita, porque deixou uma taxa de câmbio que, a preços de hoje, era de R$3,95, mas a preço de hoje quer dizer R$6 por dólar, pondo a inflação brasileira e tirando a americana. Maravilha! Porque com isso ele podia apreciar o câmbio e o câmbio apreciado aumenta salários e diminui a inflação, sem custos. Só que ele só podia fazer isso até chegar a R$3,80 mais ou menos. Que é a taxa de câmbio que torna as empresas brasileiras que usam boa tecnologia competitivas internacionalmente. Ele não parou aí, de jeito nenhum. Ele entregou para dona Dilma a R$2,20 reais por dólar, R$1,65 em termos nominais. Ou seja... ninguém fala sobre isso, só eu! Mas o fato concreto... porque eles não têm a teoria... o fato concreto é que isso inviabilizou economicamente o governo da Dilma! Herança maldita o Lula deixou pra Dilma! Por que? Porque pra ela fazer com que os empresários voltassem a investir era preciso fazer uma depreciação de 50%. E ela não tinha o menor poder pra isso. Não tinha apoio para isso nem na esquerda nem na direita. Isso traria uma inflação que ela não podia aceitar, traria uma redução de rendimentos, não só de salários, mas de todos os outros rendimentos, juros, aluguéis e dividendos muito forte...

Ela ia cair antes?

Ela ia cair antes. E por que é que ninguém quer saber da taxa de juros? Porque eles não têm uma boa teoria, eu posso dar uma resposta elegante, que seria essa, mas, no plano mais concreto, no plano mais de interesses, é porque para os trabalhadores no curto prazo não interessa porque reduz seus salários, em termos reais, quando você faz a depreciação, como aconteceu agora; não interessa para os rentistas porque reduz seus juros e aluguéis e não interessa ao Norte, ao império, por dois motivos: porque com uma taxa de câmbio apreciada eles podem exportar mais para o Brasil e, o que é muito mais importante, graças a esse déficit em conta corrente eles legitimam as suas multinacionais. Dizendo: e aqui vêm as multinacionais que salvam o Brasil e contribuem para o investimento; poupança externa quer dizer investimento. Poupança externa normalmente quer dizer maior consumo. Déficit em conta corrente quer dizer maior consumo. Só em certos casos o déficit em conta corrente se transforma em investimento. Mas, normalmente, o déficit implica numa apreciação cambial necessariamente e essa apreciação cambial, no longo prazo, estimula o investimento. Os economistas convencionais, ortodoxos, keynesianos ou o que for dizem que a taxa de câmbio é volátil. Não concordo, mas isso não quer dizer nada. Se for volátil quer dizer o seguinte: ela é volátil em torno do equilíbrio, então, se o equilíbrio é R$3,80 a taxa de câmbio vai de um mês para outro, de seis meses em seis meses ela de R$3,80 vai para R$4,50, depois vai para R$2,50 e fica assim... seria uma volatilidade grande. É uma volatilidade sem sentido que vai e volta. Devido às especulações de mercado e coisas desse tipo. Quando você pensa nesses termos você não coloca a taxa de câmbio na sua função investimento. O desenvolvimento econômico depende do investimento fundamentalmente. A taxa de investimento. E a taxa de investimento, segundo a teoria econômica depende da taxa de lucro esperada e da taxa de juros. Se a taxa de lucro for maior que a taxa de juros você investe; se não, não. Aí veio o Keynes e disse: tudo bem, meus amigos, mas a taxa esperada de lucro depende da demanda efetiva. Logo, é preciso uma política macroeconômica para garantir uma demanda efetiva. Foi uma revolução na teoria econômica. O novo desenvolvimentismo diz: tudo bem, senhor Keynes, mas não adianta nada ter demanda efetiva se você não tiver acesso a ela. E o acesso a ela depende da taxa de câmbio. Não se ela for simplesmente volátil, mas se ela tiver esse comportamento de longo prazo. No Brasil, por exemplo, o último ciclo durou sete anos. A taxa de câmbio se torna apreciada já em 2007 e só vai se depreciar no segundo semestre de 2014. Durante todo esse período a taxa de câmbio, a preços de hoje, girou em torno de R$2,40 e perto de R$2,50, mais ou menos. Quando a taxa de câmbio competitiva era R$3,80. Aí, quando o empresário vai fazer a conta ele leva em consideração o R$2,40, o R$2,50. E não faz o investimento porque vê que não dá. Se fosse meramente volátil, faria a conta em torno de R$3,80 e aí ele faria o investimento e aí a taxa de câmbio não estaria na função de investimento. Mas do jeito que é dado esse processo cíclico e crônico a taxa de câmbio entra e torna-se fundamental.

Qual é a relação disso com esse impeachment?

Só pra completar: eu tive um problema sério também com os meus amigos de esquerda porque eles não queriam saber de pôr ordem na casa. Na parte cambial. Porque isso é populismo. Isso é populismo cambial. O populismo econômico é um conceito que surgiu nos anos 80, eu diria que no quadro um pouco do Consenso de Washington e foi dizer: olha, os países que gastam mais que arrecadam fiscalmente e entram em déficit público estão agindo de forma populista. De fato, houve muito populismo, muita irresponsabilidade fiscal naquele período. E isso era o populismo. O populismo econômico é bem diferente do político. Econômico é gastar mais do que arrecada irresponsavelmente. Mas originalmente era o estado gastando mais do que arrecada irresponsavelmente entrando em grandes déficits públicos, aumentando sua dívida pública e depois quebrando. Aí venho eu e digo assim: tudo bem, mas por que não também populismo cambial? Populismo cambial não é o estado investir mais, gastar mais do que arrecada, mas o estado-nação, o país como um todo, gastar mais do que arrecada. Ou seja, em termos de importações, importar muito mais do que exporta. E ter um déficit agora não público, mas um déficit em conta corrente. Quando você tem um déficit em conta corrente o câmbio se aprecia, todos os rendimentos aumentam, todo mundo vai pra Miami, é uma festa! Igualzinho à festa que você faz quando o estado, e não o estado-nação faz o déficit público. Aí a questão que se coloca é: a quem interessa uma taxa de câmbio apreciada? A quem interessa o populismo cambial? Populismo fiscal todo mundo concorda que é uma coisa muito ruim; populismo cambial, não. Mas a quem interessa? A esquerda me dizia que eles lutavam contra porque não queriam baixar os salários. Mero populismo da parte deles. Mas a quem interessa realmente é à direita. Isso interessa muito mais aos rentistas e aos financistas que aos trabalhadores. Os trabalhadores, se pensarem um minutinho, eles sabem que uma taxa de câmbio correta lhes garante o investimento e investimento é emprego e vão ter muito mais crescimento e entendem isso com relativa facilidade. Agora, rentista nunca compreenderá que interessa a ele a taxa de câmbio competitiva porque ele tem interesse na apreciada. Tranquilamente. E especialmente lá fora, então, muito mais. Total interesse na taxa de câmbio apreciada. Então, se você não tem ideia de nação você não percebe esses fatos... se além disso você tem alta preferência pelo consumo imediato você não percebe esses fatos... nós ficamos com essa taxa de câmbio escandalosa, ficamos com essa taxa de juros muito alta e o Brasil não cresce. O Brasil vai ficando para trás".

Bresser Pereira entende que esse quadro de juros altos e câmbio apreciado vai continuar com Temer, o que indica que o crescimento continuará a ser baixo. Além disso, o impeachment, que ele concorda em chamar de golpe, ao provocar um arranhão na democracia vai aumentar a instabilidade política.

Seria importante que os senadores que vão decidir o destino do Brasil leiam e reflitam acerca dessas ponderações antes de confirmarem o golpe que não só vai manchar as suas biografias, mas provocar mais um retrocesso econômico e político que vai afetar negativamente a vida de todos os brasileiros, inclusive os da classe média, a mais empolgada em tirar Dilma do poder.

Em 20 anos de ditadura militar o Brasil retrocedeu 30 anos. Não é possível prever qual será om retrocesso em dois anos de Temer, se os senadores cometerem esse crime de lesa-pátria, mas tudo indica que, mais uma vez, tal como aconteceu em 1964, quando a classe média apoiou o golpe militar, seu tiro vai sair pela culatra.

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