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Ramon Brandão

Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)

23 artigos

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Governo coloca tudo em xeque

Hoje é muito claro que o tal coro de parcela significativa da população pelo afastamento da presidente Dilma Rousseff não passou de uma grande dissimulação. Estamos vendo uma briga que não é contra a corrupção, mas contra um programa de governo

O procurador da República Deltan Dallagnol, que integra o núcleo da Operação Lava Jato, participa de lançamento, no Rio, do projeto 10 Medidas Contra a Corrupção, do MPF (Vladimir Platonow/Repórter da Agência Brasil) (Foto: Ramon Brandão)
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De acordo com o procurador da República que coordena a força-tarefa da operação Lava Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, é “possível e até provável” que investigações acabem por interferência política.

Dallagnol afirma que as conversas gravadas pelo ex-presidente da Transpetro (Sérgio Machado) com o atual presidente do Senado Federal, Renan Calheiros (PMDB), com o ex-presidente José Sarney (PMDB) e com o ex-ministro do Planejamento Romero Jucá (PMDB) expuseram uma trama para “acabar com a Lava Jato”.

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Ainda segundo o procurador, “esses planos seriam meras especulações se não tivessem sido tratados pelo presidente do Congresso Nacional”, e completa: “As investigações aproximaram-se de pessoas com poder econômico ou político acostumadas com a impunidade. Há evidências de diferentes tipos de contra-ataques do sistema corrupto: destruição de provas, criação de dossiês, agressão moral por meio de notas na imprensa ou de trechos de relatório de CPI, repetição insistente de um discurso que aponta supostos abusos jamais comprovados, tentativas de interferência no Judiciário e, mais recentemente, o oferecimento de propostas legislativas para barrar a investigação, como a MP (Medida Provisória) da leniência (que altera as regras para celebração de acordos entre empresas envolvidas em corrupção e o poder público). Tramas para abafar a Lava Jato apareceram inclusive nos áudios que vieram a público recentemente (se referindo às gravações feitas por Sérgio Machado com Jucá, Sarney e Calheiros, todos do PMDB). A Lava Jato só sobreviveu até hoje porque a sociedade é seu escudo”.

Em seguida, perguntado se é realmente possível que um governo ou mesmo o Congresso ponha fim à Lava Jato, o procurador foi enfático: “É, sim, possível e até provável, pois quem conspira contra ela são pessoas que estão dentre as mais poderosas e influentes da República. À medida que as investigações avançam em direção a políticos importantes de diversos partidos, a tendência é que os que tem culpa [...] se unam para se proteger. É o que se percebe nos recentes áudios que vieram a público (se referindo, mais uma vez, às conversas gravadas por Sérgio Machado). Neles, os interlocutores dizem que alertaram diversos outros políticos quanto ao perigo do avanço da Lava Jato. É feita também uma aposta num ‘pacto nacional’ que, conforme também se extrai dos áudios, tinha como objetivo principal acabar com a Lava Jato.

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Por fim, questionado sobre o que os áudios revelam, afirma: “Os áudios revelam um ajuste entre pessoas que ocupam posições chave no cenário político nacional e, por isso, com condições reais de interferir na Lava Jato. Discutiram concretamente alterar a legislação e buscar reverter o entendimento recente do Supremo [Tribunal Federal] que permite prender réu após decisão de segunda instância. Eles chegam a cogitar romper a ordem jurídica com uma nova Constituinte, para a qual certamente apresentariam um bom pretexto, mas cujo objetivo principal e confesso seria diminuir os poderes do Ministério Público e do Judiciário. Esses planos seriam meras especulações se não tivesses sido tratados pelo presidente do Congresso Nacional, com amplos poderes para mandar na pauta do Senado (se referindo a Renan Calheiros); por um ex-presidente com influência política que dispensa maiores comentários (se referindo a José Sarney); por um futuro ministro do Planejamento (se referindo ao já afastado Romero Jucá, que na época das gravações ainda não havia sido nomeado por Michel Temer) e na presença de outro futuro ministro, o da Transparência (se referindo ao também já afastado Fabiano Silveira, que naquele momento também não havia sido nomeado). Quando a defesa jurídica não é viável, porque os fatos e provas são muito fortes, é comum que os investigados se valham de uma defesa política. Agora, a atuação igualmente firme contra pessoas vinculadas a novos partidos, igualmente relevantes no cenário nacional, reforça mais uma vez que a atuação do Ministério Público é técnica, imparcial e apartidária.

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A reflexão que trago ao leitor é a seguinte: hoje é muito claro que o tal coro de parcela significativa da população pelo afastamento da presidente Dilma Rousseff não passou de uma grande dissimulação. Estamos vendo uma briga que não é contra a corrupção, mas contra um programa de governo. Raríssimos são aqueles que bradaram pelo impeachment, que bateram suas panelas e que, agora, militam contra a nova base política, escandalosamente corrupta.

José Murilo de Carvalho, reconhecido cientista político e historiador brasileiro (além de membro da Academia Brasileira de Letras), fala dos três mitos brasileiros – comparando-os com os do povo estadunidense. O paraíso brasileiro, que desde a independência vive na expectativa de se tornar um grande império, nasceu para ser desfrutado, enquanto o americano foi construído; a ideia de um poderoso império brasileiro é uma aspiração, enquanto o americano foi trabalhado para que se tornasse uma realidade; os heróis brasileiros são mártires (Ayrton Senna, Pelé, etc.) enquanto os pais da pátria americana são construtores da nação. O mito de um poderoso império futuro revela um anseio por grandeza nacional, por status de grande potência mundial, de reconhecimento internacional que, concomitantemente, não é sustentado pelos esforços apropriados para a realização desse sonho.

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O drama brasileiro jaz nesse triste contraste entre sonho e realidade; entre aspiração e realização.

Enquanto esperamos por um futuro que nunca chega, as belezas e recursos naturais são exauridos e a imagem (vendida internacionalmente) de paraíso na terra que deveria ser desfrutado é igualmente extinta. Exceto por sua dimensão geográfica, tamanho da população e futebol, o Brasil se destacou por longos anos na arena política internacional por suas tristes estatísticas de pobreza, analfabetismo, mortalidade infantil, violência (inclusive a policial) e por liderar os piores índices globais de desigualdade social.

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Hoje, após a redução significativa de todos esses índices, chega um governo – com o aval dessa parcela de “paneleiros” – e coloca tudo em xeque.

O paraíso na terra continua sendo destruído e o império aspirado nunca se materializa. O povo não confia em seus líderes e instituições, mas pouco faz para tornar os primeiros mais responsáveis perante as necessidades públicas, tomando o destino e o futuro do Brasil em suas próprias mãos.

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Toda a energia e criatividade da população são canalizadas para o domínio privado, gerando preconceitos, desigualdades e intolerância. O aspecto social é totalmente desvinculado do aspecto político no Brasil. Daí o nosso sentimento de frustração, de desapontamento e a persistência de que um suposto “Messias” (que, em alguns casos, mais se assemelha a “Judas”) possa trazer a solução para os problemas e conflitos.

Depois de mais de quinhentos anos de história, o Brasil permanece um país do futuro, mas de um futuro que nunca se torna realidade.

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