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Igor Corrêa Pereira

Igor Corrêa Pereira é técnico em assuntos educacionais e mestrando em educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Membro da direção estadual da CTB do Rio Grande do Sul.

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Há um ressentimento entre os policiais militares?

Esse debate é urgente, necessário. Abandonados e entregues para a extrema direita, disputados por esquemas poderosos e complexos de milícias, que se fortalecem não só no Brasil, como em outros países da América Latina, os policiais militares estão dialogando com quem se propõe a valorizá-los, ao menos nas palavras.

Policiais militares sofrem com "mordaça", baixa remuneração e equipamento precário
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Tento aqui montar um mosaico de episódios que emergem de últimos acontecimentos. A deputada Bia Kicis incita os policiais militares da Bahia a se revoltarem contra o governador Rui Costa, Eduardo Bolsonaro também faz provocações de suas redes sociais. O jornalista Reinaldo Azevedo alerta que “está em curso em todas as PMs incitamento contra a ordem. É a subversão bolsonariana”. Bolsonaro faz reformas ministeriais que o isolam ainda mais, e a alta cúpula das forças armadas parece o abandonar, enquanto ele parece querer se agarrar no bolsonarismo mais enlouquecido que pode ter respaldo nas polícias estaduais. 

Por fim, no interior do Rio Grande do Sul, cidadãos trajados de verde-amarelo aglomeram-se na frente de um quartel militar para protestar contra uma universidade pública, a UNIPAMPA. Os manifestantes alegam que a Instituição representa um desperdício de dinheiro público, ou segundo palavras deles, “é uma máquina de votos para a esquerda”. Pincei esses acontecimentos para falar da relação entre a emergência de um militarismo de extrema direita, que parece romper com o militarismo mais moderado, e o ressentimento contra universidades. As Instituições Públicas de Ensino Superior são muitas vezes confundidas com a esquerda, como se fossem uma coisa só, ambas alvo de raiva e ressentimento. Quero tratar desse tema abordando o ressentimento e a humilhação experimentada por pessoas que se sentiram derrotadas na sociedade por não serem premiadas com o mérito do diploma. 

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Ou, mesmo que tenham um diploma, se sintam prejudicados pois seu diploma foi emitido por uma Instituição menos prestigiada, numa faculdade privada na qual tiveram que entrar por não conseguir passar no processo seletivo, ou mesmo frequentar as aulas. É um ressentimento pouco visualizado, pois o mais comum é atribuir o ódio às Universidades somente a classe média que se sentiu prejudicada pelas cotas raciais e sociais. O mais comum é explicar tudo como uma revolta daqueles que se consideram elite, pagam colégio particular para os filhos se prepararem para o vestibular das públicas, e acham que seus filhos tem que disputar com o filho da empregada. Evidente que esse ódio existe, mas há também aqueles que não puderam deixar de trabalhar para estudar, que são arrimos de família. A dificuldade destes ingressar numa Universidade Pública, mesmo com as cotas, é gigantesca. Acabam sendo forçados a escolher instituições de menor prestígio, ou mesmo acabam por não fazer nenhuma faculdade. E são todos os dias cobrados por uma tirania do mérito por terem esse fracasso.  Essa seria também parte da motivação dos protestos contra Universidades Públicas e também contra os governos de esquerda que as promoveram? Para Michael Sandel, filósofo estadunidense autor de "A Tirania do Mérito", a resposta é sim. Em particular, o valor social do diploma, a alegada arrogância dos que conseguem melhores ocupações pela vitória meritocrática humilha aqueles que não conseguem. Isso motivaria a revolta daqueles que não tem diploma, ou mesmo se o possuem, não são valorizados por isso e são desprestigiados em sua estima e dignidade na sociedade. Adentrando nessa provocação trazida por Sandel, eu diria que encontramos nas polícias militares estaduais uma parcela importante de ressentidos e humilhados de um sistema meritocrático, e que por isso tendem a se unir a Bolsonaro em sua jornada contra as Universidades e também contra a esquerda.  Um estudo da UFJF analisou como policiais de baixa patente da Polícia Militar de Minas Gerais (praças) com formação superior percebem a sua organização, a sua carreira e a relação com a sociedade. O estudo, que produziu um artigo intitulado "Diploma para quê?", revela que os praças com diploma em sua maioria tem um único desejo: deixar a instituição. "A pesquisa conclui que o modelo de dupla entrada das polícias brasileiras (entrada como oficiais ou praças) afasta os policiais com formação superior e aponta a necessidade de inserção do tema da mudança do modelo organizacional em uma agenda ampla de reformas das polícias" conclui Vicente Riccio, autor do estudo. Ou seja, se é verdade que os praças diplomados querem sair da Instituição, os que querem ficar são os de escolaridade média em sua maioria. Lembremos que a maioria dos concursos para policiais de baixa patente exige escolaridade média. Se a escolaridade alta não é incentivada nas tropas a ponto dos praças com diploma desejarem abandonar a Instituição, temos um contingente de pessoal que terá uma tendência a olhar com ressentimento para os diplomados da sociedade, essa turma que fica defendendo ciência e outras coisas que se discute na Universidade.  

Esse ressentimento dos policiais de baixa patente está ancorado nas insalubres condições a que são submetidos. São mal remunerados, em geral mal-equipados, e não tem a estima social que gostariam. A estrutura militar e a rígida hierarquia de suas corporações impede que tenham qualquer condição de reivindicar melhores condições. Policiais militares não podem ser sindicalizados. Em silêncio, estão submetidos a um cotidiano extremo de violência, matando e morrendo, sendo o braço de repressão de um Estado altamente desigual. Enquanto isso, são pouquíssimas as iniciativas da sociedade civil que procuram debater a segurança para além da simplificadora dicotomia polícia militar x direitos humanos. O pensamento progressista, de esquerda, não se propõe a debater segurança pública com abordagens mais complexas, fora dos chavões que reduzem tudo a um esquema caricato de "polícia má x sociedade boa".  

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Essa incapacidade da esquerda pode ter deixado o caminho aberto para o bolsonarismo "nadar de braçada", conquistando corações e mentes principalmente dos policiais de baixa patente, que são linhas de frente da segurança pública do país. Olavo de Carvalho anunciou que ofertaria cursos grátis de filosofia a Polícias Militares, alertou Luiz Felipe Pondé em 2019. O anúncio foi repercutido também pelo portal UOL, que informou ainda ter sido a iniciativa aplaudida por Carlos Bolsonaro. "Excelente estratégia para que as Forças de Segurança Pública possam se dispor a aprender mais sobre a cultura esquerdista maléfica que nos cerca, como sempre nos propomos! Para os derrotados sobra apenas o choro interminável!", comentou o parlamentar em sua conta numa rede social. 

Em recente entrevista ao economista Eduardo Moreira. o Coordenador Estadual do Movimento de Policiais Antifascismo/RN Pedro Chê explanou sobre detalhes do “golpe armado” que pode estar em curso no país, e que o risco viria das polícias militares. Esse perigo foi ainda reiterado pelo deputado do PSOL Marcelo Freixo, em entrevista ao Galãs Feios.  Nesta entrevista, o deputado alerta sobre um projeto de lei em trâmite no Congresso. O perigo da independência foi alertado também em matéria da Revista Piauí. "Projetos de lei que tiram poder dos governadores sobre as polícias alimentam temor de que o braço armado dos estados possa apoiar um golpe de Bolsonaro", escrevem os autores do artigo Renato Sérgio de Lima e Luís Flávio Sapori. 

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Embora os autores reconheçam a necessidade de uma discussão sobre a remodelagem institucional das forças policiais, que é uma reivindicação de setores mais democráticos das próprias forças de segurança como Adepol (Associação de Delegados de Polícia do Brasil), Cobrapol (Confederação Brasileira de Trabalhadores Policiais Civis) e Feneme (Federação Nacional de Entidades Militares Estaduais), as propostas em curso no Congresso pouco dialogam com essas aspirações. Caminham numa direção totalmente enviezada e que ameaça a democracia.  Os trabalhadores da base das polícias, em especial as militares, tem negado o seu direito a cidadania. São desumanizados, vistos como brutamontes sobretudo por uma esquerda, que em sua maioria adota uma postura acadêmica, universitária. Que tal se ouvíssemos o que tem a dizer? Os diálogos seriam possíveis? Caso fosse produtivo, esse diálogo poderia resultar na construção de um novo modelo de segurança pública para o país pautado na efetiva garantia de direitos da sociedade civil e dos próprios trabalhadores de segurança pública. 

Esse debate é urgente, necessário. Abandonados e entregues para a extrema direita, disputados por esquemas poderosos e complexos de milícias, que se fortalecem não só no Brasil, como em outros países da América Latina, os policiais militares estão dialogando com quem se propõe a valorizá-los, ao menos nas palavras. No entanto, o que efetivamente Bolsonaro fez pela melhoria das condições dos profissionais de segurança pública? E o que nós estamos dispostos a fazer? Há uma concepção que precisamos abandonar para fazer esse movimento. Precisamos abandonar a meritocracia como um modelo de sucesso. Nenhuma sociedade do mundo universalizou o Ensino Superior. 

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Ter um diploma não pode ser um indicador de sucesso, assim como não ter diploma não pode ser visto como fracasso. As pessoas devem medir sua estima pelo bem que fazem umas às outras. Pelo quanto contribuem para o bem comum, pelo bem social. 

Um policial de baixa patente pode contribuir tanto para o bem comum quanto um pesquisador com pós-doutorado. Precisamos construir uma sociedade que valorize cada indivíduo na qualidade de seu trabalho e contribuição social, independente dos diplomas que exiba ou não.

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