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Julian Rodrigues

Professor e jornalista, é militante do PT-SP e ativista dos movimentos LGBT e de Direitos Humanos

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Ideologia de gênero e governo Bolsonaro

"Impulsionar a disposição de mobilização dos setores democráticos, sobretudo dos movimentos sociais da juventude, das mulheres, de negras e negros. e da população LGBTI é essencial", escreve o professor, jornalista e ativista dos movimentos LGBTI e de Direitos Humanos Julian Rodrigues

(Foto: Reuters | Reprodução)
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Por Julian Rodrigues

(artigo originalmente publicado no site A Terra é Redonda)

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Em 1988 o Brasil concluiu sua transição democrática aprovando uma nova Constituição (desde 1964 o país era dominado por uma ditadura militar). Desde a promulgação da nova carta constitucional, houve um processo de reconhecimento de direitos civis, políticos e de implantação de políticas sociais. Esse processo se adquiriu intensidade entre os anos 2003-2014, durante os governos de centro-esquerda de Lula e Dilma Roussef.

Na década de 1990, mesmo durante os governos neoliberais de Fernando Collor – deposto por um impeachment em 1992 – e Fernando Henrique, que governou entre 1995 e 2002, houve um avanço progressivo em termos de legislação e de políticas de promoção dos direitos da população negra, dos povos originários, da juventude, das mulheres, dos idosos. E, em menor escala, progrediu a política de enfrentamento à epidemia de HIV/Aids, que afeta sobretudo gays, bissexuais e travestis.

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A partir de 2003, no governo Lula e até meados do primeiro mandato de Dilma Roussef, houve um grande impulso nas políticas sociais e de afirmação de direitos, bem como na participação popular. O governo Lula criou o programa Brasil sem Homofobia, em 2004. Um conjunto de 54 ações governamentais, transversais de promoção de políticas públicas focadas na população LGBTI. Em 2008, aconteceu a I Conferencia Nacional LGBTI, onde mais de mil ativistas de todo o país discutiram políticas públicas, evento aberto pelo próprio Lula. Foi o auge de um processo – inédito – de reconhecimento de direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, mulheres transexuais, homens trans e pessoas intersexuais.

Em 2011, a Suprema Corte reconheceu a união estável e as famílias LGBTI – e, em 2013, o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo foi legalizado plenamente. Em 2018, o mesmo STF reconheceu o direito das pessoas trans alterarem nome e sexo, por meio de autodeclaração.

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Nenhum desses avanços, direitos ou conquistas passou, no entanto, pelo Congresso Nacional. O parlamento brasileiro nunca constituiu uma maioria capaz de legislar a favor do reconhecimento dos direitos LGBTI.

Ocorre que, pelo menos desde as eleições de 2010, presenciamos uma ascensão conservadora impulsionada, sobretudo, por setores fundamentalistas evangélicos e por conservadores católicos, que se opõem aos direitos sexuais e reprodutivos.

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O processo ascendente de reconhecimento de novos sujeitos de direitos e construção de políticas sociais no Brasil foi sendo contestado gradualmente nos últimos anos, em uma aspiral crescente. A pauta dos direitos LGBTI foi alçada ao centro das disputas político-eleitorais.

A ascensão conservadora conseguiu bloquear, em 2014 e 2015, a aprovação, no Plano Nacional – e nos os Planos Estaduais e Municipais de Educação – qualquer medida voltada a promover o respeito à igualdade de gênero e à diversidade sexual nas escolas.

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Políticos, pastores, padres, bispos, deputados, vereadores, importaram o termo “ideologia de gênero” (ver https://aterraeredonda.com.br/ideologia-de-genero-afinal-do-que-estao-falando-e-do-que-nos-deveriamos-falar/). Disseminaram a ideia de que discutir gênero na educação é equivalente à defesa da destruição das famílias, da dissolução das identidades das crianças e até mesmo do incentivo à pedofilia.

Expressão vaga, plurissemântica, “ideologia de gênero” funciona como uma espécie de gatilho e senha para a mobilização reacionária. Um espantalho. Galvanizando uma série de ideias e temores, produzidos no âmbito do conservadorismo religioso, essa movimentação, ajudou a acionar pânicos morais relacionados principalmente à integridade das crianças e adolescentes e ao bem estar das famílias.

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Toda essa agitação conservadora em terras brasileiras se deu em consonância com uma iniciativa muito mais ampla, internacional. Em diversos países europeus e latino-americanos (com destaque para Colômbia e Costa Rica) ocorreram processos muito semelhantes, quando “guerras culturais” e mobilizações “anti-gênero” (de setores conservadores, religiosos ou não) se mesclaram a batalhas políticas, eleitorais e ideológicas mais gerais, impulsionando o crescimento de setores de extrema-direita, que ameaçam a própria democracia liberal.

Em vários países o combate à “ideologia de gênero” funcionou como uma cola simbólica, aglutinando diversos setores reacionários. Mesmo partidos e segmentos identificados com o centro e com a centro-direita, defensores do liberalismo econômico foram, em diversas ocasiões, tragados por um verdadeiro tsunami conservador, que tem com um de seus vértices a oposição frontal aos direitos sexuais e reprodutivos e controvérsias morais.

Embora só tenha aportado em terras brasileiras em 2015, a expressão “ideologia de gênero” tem suas origens em meados dos anos 1990, a partir da oposição do ativismo católico conservador ao termo “gênero”, que se consolida nos documentos oficiais da ONU. “Ideologia de gênero” é uma ideia que apareceu na Conferência Episcopal do Peru em 1998 e depois se ampliou e se sofisticou em diversos documentos oficiais da Igreja Católica e em trabalhos teóricos de vários teólogos e bispos.

O termo “ideologia de gênero”, além de funcionar como um gatilho de acionamento de pânicos morais, é geralmente associado a um suposto ataque de acadêmicos, feministas e ativistas LGBTI (às vezes com dimensões de conspiração internacional) às famílias (aquela dos padrões tradicionais da moralidade cristã) e às crianças e adolescentes.

Um dos panos de fundo recorrentes é a controvérsia sobre o papel da família, do Estado e da sociedade na formação das crianças e adolescentes e sobre o conteúdo dos currículos escolares, sobretudo nos tópicos relacionados à educação sexual, à forma de abordar os temas dos direitos sexuais e reprodutivos, à questão da igualdade de gênero e do reconhecimento da diversidade sexual.

Importante anotar que uma das estratégias do movimento conservador que manipula o conceito de “ideologia de gênero” é uma suposta secularização – a tentativa de se valer de argumentos racionais, pretensamente científicos para construir a base discursiva contra os direitos sexuais e reprodutivos.

Embora todo arcabouço teórico ao redor da “ideologia de gênero” seja estruturado por intelectuais católicos, são instituições da “sociedade civil”, políticos, e até mesmo intelectuais não religiosos que muitas vezes sustentam as batalhas anti-cidadania LGBTI e contra igualdade de gênero. Muitas vezes, como estratégia argumentativa, substituem argumentos do tipo: “a Bíblia diz assim”, por ideias supostamente científicas: “na natureza só há homens e mulheres”.

Uma peculiaridade nacional é o protagonismo de lideranças evangélicas na disseminação do pânico moral e no enfrentamento radical ao que denominam “ideologia de gênero”. Ou seja, embora toda a construção internacional teórico-teológica seja da cúpula católica, são as lideranças evangélicas, no Brasil que popularizam (distorcendo, simplificando) o enfrentamento a tal ameaça.

No Brasil, o pastor evangélico Silas Malafaia, por exemplo, faz questão de reivindicar sua condição de psicólogo (supostamente um homem também da ciência) para argumentar que “não há cromossomo gay”. Ou seja: qualquer orientação sexual distinta da heterossexualidade não se legitimaria na ordem biológica da espécie.

Jair: fake news e kit gay

Foi num ambiente de radicalização, de quebra da ordem democrática e de ascensão extremista, que se deu em 2018, a eleição de Jair Bolsonaro – ex-capitão do exército, aposentando compulsoriamente; orgulhoso representante da extrema-direita; seguidor de Trump e Steve Bannon (que contribuiu ativamente com sua eleição).

“Ideologia de gênero” e direitos LGBTI foram temas centrais na campanha de Bolsonaro, na manipulação de uma mega-estrutura de distribuição de conteúdos falsos nas redes sociais, explorando de forma segmentada dúvidas e temores de milhões de pessoas. Sua máquina de propagenda distribuiu milhões de fake news, via whatsapp, afirmando que o candidato progressista, Fernando Haddad (PT) defendia distribuir kits gays nas escolas, doutrinando as crianças.

Pior ainda: foram espalhadas mensagens afirmando que o candidato Haddad havia disponibilizado mamadeiras nas creches de São Paulo, que teriam um bico em forma de pênis (o boato ficou conhecido como “mamadeira de piroca”).

Em dez meses de governo Bolsonaro, vivenciamos o patrocínio institucional aos discursos de ódio, o aumento da violência policial contra jovens negros, o desmonte das políticas sociais, ambientais e dos direitos humanos.

Com relação às LGBTI, a Ministra das Mulheres, Família e Direitos Humanos, pastora evangélica fundamentalista, disse que “meninos só devem usar azul e meninas rosa”. E que é preciso proteger as crianças de desenhos malignos, como Frozen, que tem a Elsie, que seria uma princesa lésbica, ou Bob Sponja (um personagem gay influenciador das criancinhas). Esse é o nível obscurantista do debate promovido pelo atual governo.

Rechaçar as manipulações baseadas no pânico moral relacionado aos temas da sexualidade e gênero é fundamental. Trata-se de resgatar a laicidade do Estado, os princípios constitucionais do pluralismo e da dignidade humana.

Impulsionar a disposição de mobilização dos setores democráticos, sobretudo dos movimentos sociais da juventude, das mulheres, de negras e negros. e da população LGBTI é essencial.

Uma iniciativa relevante é reforçar a campanha internacional para assegurar a liberdade do presidente Lula, maior líder popular da América Latina. É um passo fundamental na reconstrução do Estado de direito e na luta pela garantia das liberdades democráticas no Brasil.

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