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Denise Assis

Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".

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Idosa é a sua avó!

Denise Assis, do Jornalistas pela Democracia, alerta para o descuido de Jair Bolsonaro ao estimular o fim do isolamento social e para o perigo do coronavírus, especialmente, sobre os idosos. "Quer dizer, quanto mais “idosos” tombarem agora, atingidos pelo covid-19, melhor. E se sobrar para uma periferia pobre, aí mesmo é que vai ficar perfeito", diz

Nelson Teich tomou posse como novo ministro da Saúde em meio a dificuldades de articulação e queda de popularidade de Jair Bolsonaro (Foto: Marcos Correa - PR)
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Por Denise Assis, do Jornalistas pela Democracia

Oi, novo ministro Nelson T(R)eich,

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Doravante vou tratá-lo assim. Acho mais de acordo. Não vou chamá-lo de excelência, porque excelência quer dizer qualidade e não vejo qualidades nem no senhor nem em nenhum outro integrante desse governo que não só aceitou servir, mas ansiou por isto.

Resolvi escrever, agora que o senhor já está devidamente empossado - e provavelmente contaminado, dado o descuido que rolou em sua posse –, porque pela burocracia estabelecida em nosso país, a minha carteira de identidade me diz que estou no grupo de risco. Não só do coronavírus, mas também do grupo eleito pelo seu presidente, que jurou baixar o valor da folha da Previdência, surfando na onda da pandemia. Quer dizer, quanto mais “idosos” tombarem agora, atingidos pelo covid-19, melhor. E se sobrar para uma periferia pobre, aí mesmo é que vai ficar perfeito.

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A motivação para lhe escrever veio hoje, pela manhã. Ao acordar me olhei no espelho e, apesar de estarem lá, em torno da boca, no canto dos olhos, as marcas do tempo vivido, a que assentimos chamar de “rugas”, a minha alma estava leve como a de uma adolescente. Nos espaços não atingidos, digamos assim, havia cor e viço. E mais leve ficou, quando peguei o celular e estava lá o meu filho, querendo saber como eu tinha passado a noite. O senhor sabe o que é isto? Amor de filho. E se for do tamanho do que eu sinto por ele, não tem limites nesta vida. 

Foi quando me perguntei: o que será um idoso? Onde está esta pessoa que merece morrer? Onde está esse ser imprestável, que já viveu o suficiente para, na hora da escolha, ser colocado na lista dos que devem dar adeus a este mundo? Olhei novamente. Desta vez, com mais atenção. Havia brilho nos meus olhos depois da mensagem no celular. Em seguida me lembrei da cena que protagonizamos há dois dias, ao falarmos por um aplicativo. O meu filho e o nosso gato (digo nosso, porque ele passa temporadas comigo e na hora de ir embora é uma encrenca. Ele se esconde e reluta para ir). Nesse dia, ele passou a patinha sobre a tela do computador, como se a distância, quisesse me fazer um carinho. Ao lado, estava a minha nora, dando tchau e demonstrando afeto. Sim. Somos uma família. Pequena, mas muito unida, embora separada pela quarentena. Eu diria que nos amamos. E estamos nos preservando por isto.

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A cena banal que deve estar acontecendo pelo mundo, me diz que eu ainda não sou descartável. Na verdade, iria com pesar, vendo o sol bater na minha varanda sobre o vaso de antúrio branco. Um belo efeito, que eu perderia se não estivesse mais aqui. 

Sobre a mesa da sala estava o jornal, (sim, ainda tenho assinatura. Coisa de “idosos”) repleto de notícias, que embora repetitivas, dado o tema predominante, me proporcionam a indignação que alimenta a minha escrita e aponta o assunto a ser abordado. 

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Hoje não. Hoje abandonei todas as tendências, para ser a cidadã simples, a mãe, a mulher cheia de projetos e planos que não param de borbulhar na minha cabeça, motor da minha existência. Hoje precisei dizer para o senhor que a minha pequena família ficaria bastante desfalcada e doída com a minha partida. Acho que faria falta. 

Outro detalhe que o senhor precisa estar ciente. Sou avessa a furar filas e se alguém o faz na minha presença reclamo no ato. Longe de mim dar a entender que estaria encaminhando ao senhor uma ideia de que mereço, na hora da escolha, ser beneficiada em detrimento de alguém. Mas caso essa desgraça desse monstro, que tenho evitado cumprindo à risca todas as regras estabelecidas pela Organização Mundial da Saúde, e dos preceitos da Ciência, me alcance, eu poderia perfeitamente ceder a vez. 

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Concordaria, por exemplo, jogar o par ou ímpar com algum amigo seu que estivesse na mesma situação, ou quem sabe alguém da sua família... Sim, porque pelo que eu saiba o vírus não anda escolhendo cara ou credenciais. Certo é que hoje, por algum motivo inexplicável acordei assim: mais jovem, apegada à vida e achando muito cedo para estar incluída neste grupo que os senhores acharam por bem chamar de “grupo de risco”. Hoje deixei de lado as lides políticas para dizer coisas tolas, sem nenhuma importância. Coisas irresponsáveis como, por exemplo: “idosa” é a sua avó!

(Conheça e apoie o projeto Jornalistas pela Democracia)

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