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Wilson Ramos Filho

Jurista, professor e escritor

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Imaginário

Choraram, se abraçaram, e, depois de meses na secura, se amaram. Estava decidido. Romperia aquela relação. O importante é a família, a igreja, as instituições que seguem funcionando normalmente. Não iria mais àquela confeitaria mal frequentada

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Todos os dias entrava na confeitaria perto de seu trabalho e pedia dois cafés. A mesa poderia variar, dependia da disponibilidade, o pedido, nunca. O dele, alongado, carioquinha. O outro, espresso, meia xicrinha (resisto ao xicarazinha, acho feio). Dois cafés. Todos as tardes. Tomava o seu, pagava a conta e saía. O outro, intocado, era deitado à pia.

Um cunhado, passando pela calçada, viu a cena. Atrapalhou-se. Certamente uma evidência de solerte infidelidade. Sentiu-se invadindo-lhe a intimidade. Não quis nem ver quem era a sirigaita. E poderia não ser nada disso. Benefício da dúvida e pulga atrás da orelha. Resolveu tirar a limpo. No mesmo horário, no dia seguinte, como quem não quer nada, passou na confeitaria, sentou-se ao fundo, simulando a leitura de um jornal. Chegou o cunhado. Dois cafés, um carioquinha, outro espresso. Tomou o seu, ficou pensativo por um quarto de hora, pagou a conta e saiu. O espresso, ali, esfriando. Caboclo esquisito, pensou. O garçon haveria de elucidar.

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Vem todas as tardes, pede os dois cafés, toma o dele, e se vai. Não acha estranho? Não é da minha alçada, respondeu como um funcionário público. Todos os dias, dois cafés, toma um e sai, não é esquisito? Paga pelos dois, e deixa gorjeta, problema dele. Cada um tem os seus. Mais alguma coisa?

Cunhado é cunhado. Contou para a irmã. À noite a jiripoca haveria de piar. A casa do cretino havia caído, o poço de virtude, o moralista militante, o palmatória-do-mundo tinha um, agora descoberto, segredo. Boa coisa não seria.

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Ele prefere espresso, eu sou mais, todos sabem, um carioquinha. Ele quem? Meu amigo. Que amigo? Ele, oras, quem mais, meu parceiro de todas as tardes. Descreveu-o em detalhes.

Sopesando a gravidade dos fatos, o casamento, a sagrada instituição da família, e escândalo que seria, aceitou. Não era tão grave. O invisível era homem, pelo menos. Fosse uma mulher, seria mais difícil. Mas era homem. E não se fala mais nisso nessa casa.

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Ele prefere café espresso e defendia o Ele Não, com argumentos racionais, e com certa razão, reconheçamos, pela quantidade de estultices no primeiro mês de governo. Não me convenceu, seguimos a orientação da igreja, somos gente de bem. Estava mesmo começando até a brigar com ele, muito chato, com a reiteração vespertina daquele viu eu bem que disse. Todo santo dia a mesma coisa, sarcástico, comentando as falas dos ministros, dos garotos, e perguntando pelo Queiroz. E eu lá sei? É preciso ter fé.

Choraram, se abraçaram, e, depois de meses na secura, se amaram. Estava decidido. Romperia aquela relação. O importante é a família, a igreja, as instituições que seguem funcionando normalmente. Não iria mais àquela confeitaria mal frequentada. Só tinha um pedido, queria distância do cunhado esquerdista. Aquiesceram, confundindo-se, carinhosos, reciprocamente carinhosos, protegidos pelos sacro-santos recônditos da normalidade.

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