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Alex Solnik

Alex Solnik é jornalista. Já atuou em publicações como Jornal da Tarde, Istoé, Senhor, Careta, Interview e Manchete. É autor de treze livros, dentre os quais "Porque não deu certo", "O Cofre do Adhemar", "A guerra do apagão" e "O domador de sonhos"

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Impeachment é o novo Plano Cohen

Colunista do 247 Alex Solnik traça um paralelo entre o impeachment da presidente Dilma Rousseff em curso no Senado e o plano de 1937 que simulava a intenção de uma revolução comunista no Brasil, que acabou beneficiando Getúlio Vargas, e um dos episódios que deram origem ao golpe de 1964; "Recomendo aos homens e mulheres de bem do Senado, onde hoje começa a discussão da versão 2016 do Plano Cohen, desta vez batizado de 'impeachment', que leiam essa história para, inspirados nela, não permitirem que mais uma fraude, de consequências imprevisíveis, mas sempre dolorosas, seja usada com o objetivo de derrubar um presidente da República e macular, de novo, a democracia brasileira", afirma

Colunista do 247 Alex Solnik traça um paralelo entre o impeachment da presidente Dilma Rousseff em curso no Senado e o plano de 1937 que simulava a intenção de uma revolução comunista no Brasil, que acabou beneficiando Getúlio Vargas, e um dos episódios que deram origem ao golpe de 1964; "Recomendo aos homens e mulheres de bem do Senado, onde hoje começa a discussão da versão 2016 do Plano Cohen, desta vez batizado de 'impeachment', que leiam essa história para, inspirados nela, não permitirem que mais uma fraude, de consequências imprevisíveis, mas sempre dolorosas, seja usada com o objetivo de derrubar um presidente da República e macular, de novo, a democracia brasileira", afirma (Foto: Alex Solnik)
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Entre o golpe de 1930 – que os historiadores houveram por bem chamar de "revolução" – e o de 1937, o Brasil viveu um breve, porém agitado, período democrático, mesmo com Getúlio Vargas no poder.

Em 1934 entrou em vigor uma nova constituição, formulada por uma Assembleia Constituinte, que legalizou a situação de Vargas, transfomando-o em presidente da República, por eleição indireta dos constituintes, com mandato de quatro anos, improrrogáveis e marcou eleições presidenciais para janeiro de 1938.

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Em mais um gesto voltado, na aparência, para agradar aos paulistas, que ele tinha esmagado em 1930 e em 1932, Getúlio colocou no governo dois ministros de São Paulo: Macedo Soares e Vicente Rao.

A Assembleia Constituinte também elegeu o novo governador de São Paulo, Armando de Salles Oliveira, engenheiro formado pela Escola Politécnica, que tinha sido interventor de Getúlio a partir de 1933. Salles assumiu o cargo de governador, agora também legalizado, a 11 de abril de 1935 e o deixou a 29 de dezembro de 1936 para se lançar candidato a presidente da República.

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Desde o início ficou claro que ele entrara para ganhar. Apoiado pelas forças econômicas paulistas, naturalmene conservadoras, que tinham sido fustigadas por Vargas em 1930, sua campanha, lançada em janeiro de 1937 num banquete-monstro, como era comum na época, tendo por convidados de honra os ministros Macedo Soares e Vicente Rao tinha por objetivo recolocar São Paulo na liderança política do país.

Alto e magro, cabelos penteados para trás, ele discursava de forma empolada, como se cantasse, e seus gestos que lembravam os de um maestro regendo a orquestra, mas seus pronunciamentos empolgavam pelo conteúdo, sempre polêmico e pela forma grandiloquente.

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"A nossa campanha está aberta" proclamou Salles no banquete inaugural, realizado no Theatro Municipal. "E as suas perspectivas são tais que os próprios cegos as veem. A bandeira que erguemos não é pequena. É uma só e está sustentada por brasileiros de todos os pontos do país. O seu tamanho é, por conseguinte, o tamanho do próprio país".

Além dos empresários paulistas, Salles tinha apoio de governadores do Nordeste e – mais importante que tudo – do poderoso governador do Rio Grande do Sul, general Flores da Cunha. Ex-aliado de Getúlio em 1930, além de ser o governador ele comandava uma tropa estadual portentosa.

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Um dos pontos altos da campanha foi a visita de Salles a Porto Alegre. Desembarcando no porto do rio Guaíba, ele foi recebido por uma multidão entusiasmada que lotou completamente o cais. O automóvel em que se deslocava mal conseguia avançar, tal era a aglomeração à sua volta. Faixas com dizeres otimistas tais como "certos da vitória" foram penduradas em todo o percurso.

Dois outros políticos estavam na disputa. O ex-ministro da Viação Civil de Getúlio, o escritor José Américo de Almeida era o candidato oficial do governo, mas sua campanha não tinha nem o mesmo vigor nem os mesmos investimentos da de Salles e nenhum entusiasmo de Vargas. O máximo que disse a respeito foi: "José Américo é um bom candidato porque divide".

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O terceiro postulante era o chefe da Ação Integralista, Plinio Salgado. Seu movimento, de inspiração nazi-fascista tinha representantes no governo Vargas, o que leva a crer que, embora não fosse candidato oficial, contava com certo apoio governamental.

Fazia sua campanha nas principais avenidas do Rio de Janeiro, onde marchavam homens vestidos de preto, com bandeiras nazistas e saudações à la "heil Hitler", como também grupos de mulheres e de estudantes de todas as idades, inclusive crianças.

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Estava claro que o candidato a combater era Salles. O lance mais ousado – e no qual Vargas vislumbrou o grande perigo que ele representava – deu-se em meados de 1937. No dia em que a constituição completou três anos, Salles promoveu, na capital federal, um imenso comício noturno, no estádio do América F.C., ao qual compareceram 50 mil cariocas.

Sob o manto da U.D.B. (União Democrática Brasileira), uma congregação de partidos estaduais que pretendia se tornar nacional, ele expôs, nessa noite os cinco pontos defendidos por sua candidatura: 1) luta pela democracia; 2) voto secreto; 3) pluralidade partidária; 4) defesa das liberdades políticas e 5) eleições em janeiro de 1938.

Vargas, como de hábito, ficou na moita durante toda a campanha, dando a impressão de que deixava a coisa rolar, sem interferir no andamento, sem declarações, passando à opinião pública a impressão de que abandonara o autoritarismo e aceitaria de bom grado a decisão que os brasileiros tomassem pelo voto direto e secreto, em janeiro de 1938, mesmo se perdesse, o que parecia inevitável

Tudo indicava que Armando Salles de Oliveira seria o próximo presidente eleito do Brasil quando, no dia 1º. de outubro de 1937, os jornais assustaram os cariocas com manchetes retumbantes.

O Estado Maior do Exército, chefiado pelo germanófilo Goes Monteiro havia descoberto um documento sigiloso com as digitais do Komintern logo chamado pela imprensa de "tenebroso".

Mesmo sem questionar como foi descoberto, onde, como, quando e porque os jornais o consideraram verdadeiro, pois a fonte, segundo os editores, era quentíssima. Tratava-se de um plano em que Moscou orientava os comunistas brasileiros a derrubarem o governo Vargas, insuflando a classe operária a promover saques e depredações na capital federal.

Nos dias seguintes, as manchetes, sempre ameaçadoras, informavam que os ministros militares, em nome da "salvação da Pátria" solicitavam que o presidente da República clamasse ao Congresso para ser decretado, de forma urgente, mas legal, o "estado de guerra", a fim de evitar que a tragédia se abatesse sobre o Brasil.

Não se falava de outra coisa nas ruas do Rio. Na Confeitaria Colombo, nos botecos populares e nas praças públicas os cariocas, assustados com a promessa comunista de saques e depredações já não viam a hora de o "estado de guerra" ser oficializado, mesmo sem saber direito do que se tratava, para salvá-los dos "comedores de criancinhas" e agora candidatos a vândalos que poderiam, inclusive, depredar suas casas.

O clamor "das ruas" ecoava no Congresso. Não havia tempo a perder. "Estado de guerra"! era a palavra de ordem na boca dos parlamentares, que não podiam decepcionar seus eleitores, expostos a um perigo iminente.

Somente um deputado teve a ousadia de contestar a onda avassaladora.

"A Câmara sabe o que esta medida significa"? perguntou Octavio Mangabeira, num discurso que ninguém quis ouvir. "O que esta medida representa? Está a Câmara devidamente informada dos fatos que a justificam? Que satisfação dará ao país votando imediatamente como se pretende medida de tal gravidade sem ao menos ter salvo as aparências nem ao menos ter dado a impressão de que examinou devidamente as peças ou os documentos que lhe foram apresentados, sem mesmo sequer os ter lido"?

Seu discurso não foi suficiente, é claro, para conter a avalanche. O estado de guerra foi aprovado a toque de caixa – sem resistência. Não se tem notícia de comemorações efusivas, provavelmente não, porque a TV Globo não existia.

Decretado o "estado de guerra"", o passo seguinte foi o ministro, da Guerra, é claro, Eurico Gaspar Dutra determinar o imediato envio de tropas ao Rio Grande do Sul. Para proteger nossas fronteiras, suspeitando que Moscou invadisse o Brasil a partir do Uruguai? Não, para dar um xeque-mate no general Flores da Cunha, "federalizando" suas poderosas tropas estaduais, que passaram a obedecer ao comando do Ministro da Guerra.

Flores da Cunha não teve outra coisa a fazer senão renunciar ao cargo de governador e partir para o exílio, abandonando o país e a campanha de Armando de Salles de Oliveira de quem era o mais poderoso aliado (o único que dispunha de tropas).

O valente paulista não deu o braço a torcer, avaliou que ainda haveria eleições, mesmo com "estado de guerra" e seria consagrado nas urnas.

Mal sabia ele que um golpe maior do que aquele, contra a sua candidatura, estava em marcha e seria consumado a 10 de novembro de 1937, quando Vargas, apoiado no "estado de guerra" decretado legalmente e que se fundamentava, por sua vez, no "plano tenebroso" que ficou conhecido com o "Plano Cohen" fechou o Congresso, extinguiu os partidos, cancelou as eleições e rasgou a constituição de 1934, substituindo-a por outra, redigida por um obscuro advogado que, de secretário da Educação do Distrito Federal foi promovido a Ministro da Justiça do novo governo, agora denominado "Estado Novo". E que não foi submetida aos deputados e senadores, pois não havia mais nem Senado, nem Câmara dos Deputados.

Somente o ministro da Agricultura, Odilon Braga, não assinou a infame e autoritária constituição de Francisco Campos e somente o embaixador nos Estados Unidos, Oswaldo Aranha a criticou, ainda assim não publicamente, mas em carta ao seu irmão:

"Essa constituição foi concebida por um anormal".

No dia seguinte, o ministro da Guerra, naturalmente por ordem de Vargas expediu um comunicado aos militares, reproduzido em manchete por "O Globo":

"Qualquer perturbação da ordem será uma brecha para os inimigos da Pátria, para os adversários do regimen democratico que nos consagra".

Num toque de mágica, um golpe autoritário foi classificado de evento de um "regimen democratico", por decisão de Vargas, do ministro da Guerra e da imprensa.

Mas não acaba aí essa história que teve consequências funestas para os brasileiros, com centenas de prisões, torturas, queima de livros e de bandeiras, proibição de obras primas como "O grande ditador", de Charles Chaplin, dentre outros crimes.

Em 1945, quando o "regimen democratico" de Vargas agonizava, pressionado externa e internamente depois de o Brasil ter participado, ao lado de outros países democráticos da campanha vitoriosa da Segunda Guerra Mundial, que derrotou os regimes autoritários da Alemanha e da Itália, o general Goes Monteiro revelou, espontaneamente. que o "Plano Cohen" não fora escrito pelo Komintern, nem representou qualquer ameaça dos comunistas aos cariocas, nem ao Brasil.

Não passou de um papelucho redigido por um agente secreto dos quadros da Ação Integralista – o capitão Olympio Mourão Filho, que, em 1964, detonaria o golpe militar – sob encomenda de Plinio Salgado, que o ofereceu de bandeja a Getúlio Vargas, que prometera transformá-lo em Ministro da Educação do Estado Novo.

Recomendo aos homens e mulheres de bem do Senado, onde hoje começa a discussão da versão 2016 do Plano Cohen, desta vez batizado de "impeachment", que leiam essa história para, inspirados nela, não permitirem que mais uma fraude, de consequências imprevisíveis, mas sempre dolorosas, seja usada com o objetivo de derrubar um presidente da República e macular, de novo, a democracia brasileira.

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