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Paulo Moreira Leite

Colunista e comentarista na TV 247

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Impeachment não é discussão de gabinete. É das ruas

"A história do país ensina que impeachment sempre foi e pelo visto sempre será uma saída jurídica capaz de permitir ao sistema político afastar um chefe de governo que acabou sem condições de enfrentar um condomínio de adversários e se impor ao país. Quem decide? A rua", diz Paulo Moreira Leite, do Jornalistas pela Democracia

Jair Bolsonaro (Foto: Marcos Corrêa/PR)
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Paulo Moreira Leite, para o Jornalistas pela Democracia - Ninguém tem o direito de dizer que o debate sobre um possível pedido de impeachment de Jair Bolsonaro é uma ideia sem base na lei 1079, que define os crimes de responsabilidade que podem determinar o afastamento do Presidente da República. Um desse casos, estabelecido no inciso VII do artigo 5 diz que "proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo" constitui crime de responsabilidade contra a "probidade da administração". 

Ninguém tem o direito de imaginar, porém, que é fácil sustentar uma denúncia que sempre será carregada por critérios de alta subjetividade, como "dignidade", "honra"e "decoro" num grau "incompatível com o cargo". Nunca haverá consenso sobre o singificado exato dessas palavras numa mesma família ou numa conversa de bar -- quanto mais num país 210 milhões. Não há nada de espantoso nisso. 

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Sabemos que no único caso de impeachment presidencial concluído em nossa história, ocorrido em 2016, no afastamento de Dilma Rousseff, ocorreu um processo sem crime de responsabilidade configurado, por essa razão reconhecido como golpe parlamentar por observadores sérios. O caso de Fernando Collor, denunciado pela compra de uma caminhonete Fiat para com recursos do Caixa 2 de campanha, ficou na metade do caminho. Na última hora o presidente renunciou ao cargo para tentar ser absolvido no STF -- o que de fato acabou acontecendo. 

Tanto em 1992 como em 2016 o fator essencial para resolver as ambiguidades jurídificas foi a mobilização popular. Quando as vias convencionais da disputa política se esgotaram, a massa da população entrou em cena e a luta se resolveu  nas ruas.  

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Após uma onda inicial de protestos, Collor chegou a dar a impressão de quer poderia resistir, atravessando um conjunto de obstáculos que não vou descrever aqui. Afastando-se de sua base original, trocou os ministros da República de Alagoas por uma seleção de velhos quadros do conservadorismo verde-amarelo. Sem dúvida enganado por humores fugazes que em determinado momenteo passaram a soprar nas proximidades do gabinete presidencial, onde nunca faltam assessores capazes de iludir o chefe de governo com projeções otimistas, sentiu-se fortalecido a ponto de convocar uma manifestação em apoio ao governo, nas quais seus eleitores deveriam vestir-se de verde-amarelo. As ruas disseram não. 

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Sem o menor preparativo prévio, em 48 horas uma multidão inconformada de adversários vestiu-se de preto, ocupou ruas, avenidas e praças do país inteiro,  decidindo o jogo contra o presidente. 

Em outro contexto, o impeachment de Dilma foi produzido na sequência dos gigantescos protestos de 2013, furacão que a presidente conseguiu contornar numa reeleição decidida no olho mecânico. A seguir, também o apoio popular recém-recuperado seria novamente prejudicado pelas medidas de austeridade do início do segundo mandato. Quando tentava reagir, decisão simbolizada pelo convite a Lula para integrar o ministério, Sérgio Moro divulgou gravações ilegais que impediram de nomeação do ex-presidente -- naquiele momento, a "volta de Lula" já era motivo de comemoração entre trabalhadores do chão de fábrica de São Paulo. A dificuldade de produzir uma mobilização de porte em sua defesa explica a agonia e derrota de seu governo, a partir de uma acusação que -- esta sim -- não está prevista na lei 1079. 

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A lição dessas duas histórias é clara. Cada um a sua maneira, impeachment era e  pelo visto sempre será  uma saída jurídica capaz de permitir ao sistema político afastar um chefe de governo que acabou sem condições de  enfrentar um condomínio de adversários e se impor ao país. Quem decide? A rua. 

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Embora um conjunto esplêndido de juristas que já reconheçam as bases jurídicas para o afastamento de Bolsonaro, é preciso novamente entender que o assunto não será resolvido nos gabinetes, mas pelos movimentos da maioria dos brasileiros,  onde se encontram as razões fundamentais para sua ruína. 

Mudanças de poder, aqui, não são trocas de governo. Envolvem a clássica situação que alimenta as grandes alterações da história -- quando os de cima já não querem viver como antes e os de cima não podem viver como antes.  

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Com um programa acabado e cruel de destruição nacional, cada ano, cada mes, cada dia que Bolsonaro for capaz de permanecer no cargo irá representar um dano maior para o Brasil e para os brasileiros, condenados em sua maioria a tornar-se mais pobres, mais vulneráveis aos grandes interesses que mandam no país, menos protegidos por direitos. Não há dúvida de que o mandato de Bolsonaro será  um retrocesso histórico para nossa democracia e nosso embrião de estado de bem-estar social. Colocando o debate em termos médicos. Se o Brasil fôr pensado como um paciente, o tratamento a que está sendo submetido por Bolsoaro é tão desastrado que ameaça deixar o paciente em permanente estado de coma. 

Essa realidade torna legítimo -- e legal, conforme os melhores juristas  -- pensar seu afastamento o mais rapidamente possível. 

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Aqui, outra questão se coloca -- o vice. Sabemos que as  incertezas de uma mudança nessas condições são inevitávéis e desde já é preciso evitar sublinhar um ponto importante. 

Caso Jair Bolsonaro venha a ser afastado -- sempre pelas razões legais determinadas pela Constituição -- não há dúvida de que sua saída irá produzir uma ruptura no bloco de forças que governa o país e esse é o ponto político mais proveitoso. 

Atingida por uma derrota histórica, a coalização social-política-econômica organizada em torno de Bolsonaro não terá condições para apenas trocar de presidente e retomar o show como se nada tivesse acontecido. Tanto a sucessão Collor-Itamar como Dilma-Temer mostram isso.

Exatamente porque não se trata de um processo jurídico, o impeachment obriga um novo governo, fruto da mesma aliança, a se reconstruir, abrir portas e ceder. Não é uma solução de gabinete mas uma nova relação de forças. 

Derrotado num processo liderado à direita, a queda de Dilma produziu um governo conservador em patamar criminoso, que antecipou vários passos de Bolsonaro-Guedes. A sucessão de Collor se deu em direção a centro-esquerda, desenho aproximado do conjunto de forças que liderou a oposição a seu governo. 

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Itamar Franco arquivou projetos que Collor pretendia encaminha e aproximou-se de várias ideias que o próprio PT elaborava internamente. Num ato mais do que simbólico, Luiza Erundina recebeu convite para integrar o ministério. Até o Plano Real e a campanha de 1994, quando PSDB e PT lançaram candidatos em separado, a aproximação entre tucanos e petistas atingiu um grau impensável, antes ou depois. 

Apenas para lembrar que a história não se repete, aqui há outro fator -- a postura presidencial. 

Collor e Dilma resistiram com as forças que conseguiram mobilizar para impedir o impeachment e perderam. Compromissos diferentes, trajetórias políticas opostas, não é o que importa aqui. 

A pergunta a ser feita, antes de especulações em torno de Mourão é anterior. Após sete meses de experiências anti-democráticas com Bolsonaro, a questão consiste em saber se o presidente possui uma reserva democrática suficiente para enfrenta um processo de impeachment nos limites do Estado Democrático de Direito -- como fizeram Collor e Dilma -- ou se tentará reagir  o país para permanecer no posto de qualquer maneira.  Mais uma vez, as ruas terão o papel principal. 

Alguma dúvida?  

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