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Wilson Ramos Filho

Jurista, professor e escritor

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Inconveniências

No terceiro áudio ele aderiu ao sarcasmo. Nossa bandeira jamais será vermelha como a da China comunista que construirá um hospital de mil leitos em semanas. Graças ao senhor bom deus

(Foto: Reuters)
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Logo hoje em que a blogosfera se excita com o romance entre dois deputados, com postagens e comentários carregados de forte cariz moralista se opondo a românticas celebrações do amor, um sujeito inconveniente me aparece com assuntos irrelevantes e com perguntas inoportunas.

Não escreveu, gravou mensagem, como preferem os inconvenientes. Segue abaixo um resumo do áudio, depurado das interjeições e das forçadas exclamações. Comentou o aparecimento de mais um vírus com nome estranho na China. Esse pelo menos não foi batizado com letras e números, algo que o apavora. Umas trezentas pessoas já morreram, milhares foram contaminadas. Imediatamente oito grandes cidades foram isoladas. Em uma região enorme, fala-se em onze milhões de pessoas, ninguém entra e ninguém sai. Tudo bloqueado. Começaram a construir um hospital gigantesco (as fotos da obra o impressionam), para mil leitos, que estará pronto e funcionando em pouco mais de dez dias.

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E se o vírus aparecesse no Brasil, perguntou e já foi respondendo. Melhor nem pensar. As redes sociais ficariam ainda mais insuportáveis. Malucos se mobilizariam contra vacinas, os chatos de sempre proporiam correntes de oração, cultos ecumênicos seriam realizados em todas as principais cidades. Deus, sacana como sempre, deve ter inventado o vírus só para se divertir com a mobilização dos crentes que, buscando goiabeiras e respostas nas sagradas escrituras, se esgoelariam em novenas, améns e glórias aos céus. Tudo de acordo com nossas tradições, mesmo agora que, enfim, debelado o perigo comunista do petê, chegamos faceiros à Idade Média. Rezas certamente farão com que deus se arrependa de ter criado o bichinho com nome de cerveja e poupe da morte milhares ou milhões de chinesinhos.

Não satisfeito enviou um segundo áudio, com o volume mais alto, empolgado.

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A obra do hospital no Brasil seria moleza. Noventa dias para elaborar o edital, seis meses para definir o projeto. Depois de resolvidas as costumeiras impugnações, daqui a um ano, já seria possível submeter a papelada à apreciação prévia por parte das autoridades competentes. Obviamente o MPF não resistiria à tentação de embargar a obra e não faltariam associados à combativa guilda da Direita para, conquistando celebridade imediata, deferirem liminares. A obra custaria o triplo do orçado e demoraria o dobro do prazo. Quem já reformou um apartamento sabe de que estou falando. Quando, depois de alguns anos, a obra estivesse concluída alguns meses seriam necessários para a obtenção de alvarás, licenças ambientais e laudos dos bombeiros.

Tudo dentro da normalidade institucional asseguradora da moralidade e dos interesses gerais da população, comentei, com ironia, sem querer polemizar com meu interlocutor.

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No terceiro áudio ele aderiu ao sarcasmo. Nossa bandeira jamais será vermelha como a da China comunista que construirá um hospital de mil leitos em semanas. Graças ao senhor bom deus.

Deixei quieto. Não acordei com vontade de debater. Tentei mudar de assunto comentando as perversões das pessoas nas redes sociais.

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Foi como se não me escutasse. Emendou nova pergunta impertinente, agora por escrito, sobre a pesquisa de um jornalão segundo a qual metade dos brasileiros não valoriza a democracia.

Comentei qualquer coisa sobre esses ásperos tempos, o de sempre.

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Veio novo áudio. Resumo: vejo no PT muitos a defender uma aproximação com os cristãos fundamentalistas, propondo criar núcleos de evangélicos, respeitando a careta e obtusa maneira de ver a realidade que os caracteriza. Se a base é crente, aproximemo-nos dela apesar de haver pouca afinidade ideológica entre o PT que tínhamos e a maneira de existir em sociedade pregada pelos neopentecostais. O PT teria que respeitar, entender e disputar essa base.

Resolvi manter-me no confortável território do sarcasmo, sem paciência para encompridar a prosa. Vingando-me dele gravei um áudio também. Com essa última pesquisa logo haverá quem proponha a criação de núcleos para dialogar com essa metade da população que não tem apreço pelo sistema democrático. Os nossos que também não morrem de amores pela democracia deveriam se aglutinar e se aproximar dos demais setores autoritários: se não conversarmos com eles será pior! Não podemos ignorar a existência desses fascistas na sociedade e em setores da nossa esquerda identitária; precisamos mesmo dialogar com eles, disputar a hegemonia!

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Entrando na vaibe da ironia, meu inconveniente amigo emendou. Além de criarmos núcleos de evangélicos, criemos núcleos de fascistas do PT, do PSOL, do PCdoB. Ou seria superposição desnecessária de esforços?

Aconselhei-o a voltar a praticar ioga, meditação e a respirar profunda e pausadamente. Cuide da saúde, caboclo.

Agora que o primeiro-ministro da Índia declarou suas afinidades ideológicas com Bolsonaro? Com essa terceira pergunta impertinente resolvi largar os betes. Ele está impossível hoje, muito inconveniente.

Nos despedimos com recíprocas recomendações de nos cuidarmos e de praticarmos constritos a recomendada abstinência sexual para salvar nossa pátria amada do pecado.

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