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Marcia Tiburi

Professora de Filosofia, escritora, artista visual

103 artigos

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Indústria cultural

A contradição entre o discurso de ódio à Lei Rouanet e as verbas públicas dos cantores sertanejos

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As contratações de artistas com cachês milionários por parte de prefeituras de cidades com pequenas populações, vieram a escancarar alguns problemas graves no contexto da indústria cultural brasileira. O mais visível foi a contradição dos próprios artistas que, combatendo a Lei Rouanet e dizendo-se contra o uso de dinheiro público, recebiam dinheiro público para fazer suas apresentações sem terem que passar pelo crivo de lei nenhuma. O caso de Conceição do Mato Dentro veio à tona com ares de escândalo, pois nessa cidade de menos de 18 mil habitantes, 38 % da população vive na extrema pobreza recebendo menos de 100 Reais por mês segundo levantamento do CadÚnico, fornecidos pelo Ministério da Cidadania. Um artista chamado Gustavo Lima recebeu 1 milhão e 200 mil de uma verba destinada originalmente à educação, saúde e infraestrutura. Questionado, o artista chorou. 

O choro público vem se tornando uma curiosa estratégia política. A performance vem sendo utilizada por homens que visam se passar por vítimas do ataque público no momento em que são flagrados por erros morais. Os mesmos homens que atacam a tudo e todos, ao Estado, à democracia, às instituições, recorrem ao choro numa espécie de ato retórico para persuadir a população de que são seres sensíveis e estão sendo atacados injustamente. Tentam esconder por meio dessa performance, a hipocrisia que reside na contradição entre discurso e prática. Atacam, mas ao serem atacados, choram. Mas como tudo o que é banalizado, o choro tende a ser um recurso que se esvaziará com o tempo. O fascismo que acaba com a compaixão e desperta a ira, é ingênuo na hora em que quer contar com os bons sentimentos das massas fascistizadas. 

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Persistindo o neoliberalismo, a tendência é que a indústria cultural não se esvazie, mas acabe por tomar o todo da cultura que precisa da regulamentação e da legalidade para existir, pois não opera dentro dos mesmos parâmetros de mercado que a indústria cultural. De fato, o escândalo envolvendo a indústria da música sertaneja veio mostrar que nem mesmo essa indústria sobrevive sem verba pública, assim como qualquer projeto neoliberal, capitalista e de mercado que sempre usa o Estado a seu favor. Lembremos da importância no Estado na hora da estratégia de “passar a boiada” segundo expressão do ex-ministro do meio-ambiente que saiu do cargo por denúncias de corrupção ligadas ao contrabando de madeira. Os neoliberais sabem que não vão passar a boiada sem o Estado, por isso parasitam o Estado. 

Aqui surge um problema de fundo. Assim como a indústria da cultura sertaneja faz a propaganda anti verba-pública para se valer dela sem ter que passar por nenhum tipo de controle, a propaganda anti-Estado dos neoliberais existe para que eles possam se aproveitar dele. Esse é o paradoxo neoliberal que precisa ser superado. Assim como os artistas sertanejos que discursam contra a verba pública deveriam parar de usar tais verbas, os neoliberais deveriam deixar os seus postos no Estado. A hipocrisia é parte desse tipo de posição contraditória que os agentes neoliberais buscam esconder. O neoliberalismo implica uma desonestidade de fundo. A rigor, nenhum neoliberal deveria pleitear cargos de poder político e muito menos assumi-los, já que são contra a existência do Estado. Evidentemente, o neoliberalismo sabe disso. O neoliberalismo é um parasitismo e, como tal, é insidioso. Ele precisa escamotear suas táticas para se manter vivo.

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Por fim, cabe lembrar que o principal problema da Indústria Cultural, ela mesma um mecanismo neoliberal, não é o fato de ela imitar obras de arte, ou de oferecer entretenimento no lugar de arte, ou de ser uma estética do mau gosto. Tais questões estéticas podem ser discutidas. O maior problema é o objetivo da indústria cultural enquanto mecanismo de produção ideológica. A indústria cultural é o principal aparelho de lavagem cerebral do capitalismo ou, em termos mais complexos, dos arranjos do psicopoder, ou seja, do cálculo que o poder faz sobre o que as pessoas pensam e sentem. O que está em jogo é a destruição da linguagem que permite ao sujeito humano a autonomia do pensamento e da esfera moral e política. Não é apenas o pensamento que precisa ser livre, a esfera dos sentimentos, emoções e da afetividade como um todo também precisa ser livre. Contudo, os artefatos culturais, seja a música, sejam os programas de televisão ou as “dancinhas de Tik Tok”, ou os fragmentos postados diariamente em profusão nas redes sociais, participam de uma nova programação da linguagem. A mutação da linguagem afeta a política e a vida como um todo. 

Precisamos estar atentos se desejarmos salvar a autonomia humana destruída pela indústria cultural. Esconder a contradição entre o que se diz e o que se faz como no discurso de ódio à Lei Rouanet enquanto se recebe de maneira escamoteada verbas públicas desviadas de suas funções, também é uma função da indústria cultural tanto quanto acabar com a percepção crítica que permite analisar esse estado de coisas.

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