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Gustavo Conde

Gustavo Conde é linguista.

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Jornalismo convencional se parece cada vez mais com bolsonarismo

"Diante da maior abominação política jamais imaginada em nenhum lugar do mundo, jornalistas que experimentaram a plena liberdade em tempos recentes se submetem a entoar o diapasão do PT como origem de todo o mal que nos aflige o coração, o fígado e os intestinos", diz o colunista Gustavo Conde

O Brasil entre Lula e Bolsonaro
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Ora, ora, ora. Eis que a imprensa agora se faz de vítima. Para Eugênio Bucci e Carlos Eduardo Lins e Silva (link abaixo), a imprensa é uma puritana asseada que sofre assédio de políticos malvados.

É tanta ignorância que eu chego a corar de vergonha. Bucci e Lins e Silva frequentaram curso superior. A análise rasa que eles propõem assusta, porque mostra o estado de indigência em que os jornalistas mainstream se encontram. Estão solitários, com trabalho reduzido e com as respectivas libidos tilintando diante da abominação humana chamada Bolsonaro que lhes dá a pauta semanal para parecerem inteligentes.

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Bucci parece ser um ressentido. Participou dos governos Lula, presidindo a Radiobrás e saiu contrariado possivelmente porque as decisões ali eram colegiadas e não unilaterais (alguns professores têm esse cacoete, devido os vícios inerentes ao excesso de prestígio acadêmico – uma joça mecânica como qualquer outra). Eu perguntaria ao Bucci: com Bolsonaro ficou bom?

Lins e Silva é o clássico jornalista de cativeiro. Bem comportado, polido, discreto (para não dizer apagado) e ávido em concordar com o patrão, seja ele o dono do veículo que lhe abriga, seja ele o conjunto de conceitos ultrapassados do jornalismo do século 20.

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Que dupla!

Eles foram “contratados” desta vez para comparar Lula a Bolsonaro no que diz respeito ao tratamento com a imprensa. Usam a finesse acadêmica para materializarem a pior leitura possível – o que é muito comum nos nichos universitários repletos de orientações entre amigos, com temas amigos e teses amigas.

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A comparação que eles fazem entre Lula e Bolsonaro é evidentemente delirante. Dizem que ambos passaram seus governos atacando a imprensa. Quem tem um único neurônio sabe que isso é meridianamente falso. Chega às raias do ridículo que dois jornalistas-professores relativamente conhecidos  embarquem nesse pântano.

Comparam o fim da obrigatoriedade da publicação dos balanços financeiros em jornal imprenso decretada unilateralmente por Bolsonaro com a tentativa de criação de um Conselho Federal de Jornalismo proposta pelo governo Lula. Como se fossem duas dimensões similares de fustigação.

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Bucci e Lins e Silva até destacam timidamente algumas diferenças, mas com o propósito retórico de ressaltar as semelhanças, bem ao gosto do finado Otávio Frias Filho, que detestava Lula.

É oportunismo do mais grotesco, do mais covarde e do mais impostor. Se a criação do Conselho foi equivocada, ela foi apresentada ao Congresso e rejeitada, tal como costuma acontecer em democracias. E conselhos são diferentes de decretos, por mais equivocados que possam estar.

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A dupla veterana de jornalistas avança na cultura bolsonora de interpretação de texto. Lins e Silva tenta colar a palavra “ameaçar” no campo semântico de Lula. O trecho todo é repulsivo:

“O Lula ameaçou, ameaçou, mas houve uma reação muito forte da sociedade civil. Ele não conseguiu criar aquele conselho, que seria uma espécie de censura. Bolsonaro, nesse sentido, foi além.”

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De lambuja, ainda restou uma cifra positiva para Bolsonaro, como sói acontecer nas hostes do jornalismo subdesenvolvido: “foi além”. É um “além” autoritário, está claro, mas finaliza o parágrafo e abre margem para leituras ambíguas e tecnicamente desfasadas – como, aliás, as que ele, Lins e Silva, faz.

O esforço hercúleo para associar Bolsonaro a Lula segue em ritmo de escrita fascista – a que repete mil vezes uma mentira para que ela se torne finalmente verdade.

As palavras “paralelo”, “ambos” e “presidentes” se repetem à exaustão. Certamente, eles contam com a capacidade baixa, típica, do leitor da Folha de S. Paulo, em recuperar os blocos semânticos forjados na linha editorial do jornal. A ordem ali é clara: compare-se Bolsonaro a Lula e Dilma, não importa o assunto, a intensidade e, evidentemente, os fatos.

O jornalista Fabio Zanini, que assina o artigo debruçado em quatro vozes (as de Bucci, Lins e Silva, Zanini e da chefia), também empresta seu adestramento edificado em muita disciplina e bom comportamento: ele subscreve a tese de que os “blogueiros de esquerda” são caras-metades dos “youtubers de direita”. Cá pra nós, Zanini se estabelece fortemente como funcionário do mês.

Ele mostra serviço. Diz que Lula “ameaçou” (olha a palavra ‘ameaçar’ mais uma vez aí) “expulsar” o jornalista Larry Rohter, mentira que circulou com intensa desenvoltura nos idos de 2004. Lula não “ameaçou” ninguém. O caso “Larry Rohter” foi um episódio repleto de erros e emocionalidades por parte da assessoria do governo Lula e a imprensa deitou e rolou em cima.

Eles não dizem, no entanto, o que Larry Rohter publicou para gerar a indignação de Lula. O jornalista americano o taxou de bêbado no jornal The New York Times. Esquecem também de dizer, essas quatro vozes adestradas do jornalismo convencional, que o cancelamento de visto do jornalista foi imediatamente cancelado, após retratação e após o governo entender que o assunto estava embutido no pressuposto da liberdade de imprensa.

Governos erram. O que é diferente de pregar o ódio, o desmatamento, o fechamento de jornal, a prisão de jornalistas e a apologia a torturadores.

É possível comparar Lula a Bolsonaro?

Zanini evoca a tentativa de Bolsonaro de expulsar o jornalista Glenn Grenwald como forma possível de comparação ao episódio Larry Rohter, no que Eugênio Bucci deita todo o seu ressentimento, reiterando o tom de ameaça de um Lula “ditador”, mas suave e charmosamente afirmando que Bolsonaro está situado “fora do campo democrático”. Haja eufemismos!

Bucci compara negando a comparação, desta vez com um fio de caráter, reservando palavras duras também para Bolsonaro. “Menos é mais”, diria Sérgio D’Ávila, diretor de redação que certamente operou as cifras de ódio contido presentes na matéria.

Após essas cenas lamentáveis de péssimo jornalismo, Fabio Zanini ainda pisa um pouco mais fundo na lama do simulacro. Diz que “mídia golpista” é uma alcunha produzida por “petistas”. Pobre Paulo Henrique Amorim que não está mais aqui para requerer seus direitos autorais.

Assim caminha a boçalidade. Pastiches de jornalistas deitam suas frustrações intelectuais, assistidos por um veículo que lhes acolhe comiserado, somados à putrefação em estado avançado de um país que um dia foi generoso com os jornalistas e com imprensa subdesenvolvida que participava do jogo político fazendo oposição sob a desculpa técnica de que o país não tinha mais política partidária crítica (durante os governos do PT).

Diante da maior abominação política jamais imaginada em nenhum lugar do mundo, jornalistas que experimentaram a plena liberdade em tempos recentes se submetem a entoar o diapasão do PT como origem de todo o mal que nos aflige o coração, o fígado e os intestinos.

A matéria da Folha é uma encomenda e tanto. É um freio de contenção para obstruir a avalanche de respostas em defesa da liberdade de imprensa que está por vir depois de Bolsonaro praticamente gritar voz de prisão aos jornalistas, na sua mais grave declaração até aqui.

“Se fosse pelo excesso jornalístico, vocês deveriam estar todos presos”, disse o “nosso capitão” diante do nariz de jornalistas da própria Folha de S. Paulo que lhe protege como um bibelô de cristal, delicado e democrático.

E para essa defesa transversa usam Lula.

Destaque-se: Lula é a medida simbólica definitiva para tudo o que pode ser dito neste país. Eis a sinuca de bico discursiva que estes veículos de imprensa carcomidos pelo tempo e pela culpa têm ainda a infelicidade de constatar.

Sem Lula, não resta muita coisa, nem democracia nem sentido. Tecnicamente, esses próceres do pior jornalismo da face da Terra sabem que, mesmo quando o nome de Lula não é citado em uma matéria, ele está lá, elíptico, subentendido, pressuposto, como significante primal da nossa atividade simbólica.

Que a Santa Protetora da Interpretação de Texto proteja esses nobres desconhecidos Eugênio Bucci, Carlos Eduardo Lins e Silva, Fábio Zanini e, por que não, Sérgio D’Ávila. Eles nos dão e nos darão a oportunidade de confeccionar muitas aulas de semântica, discurso e, quem sabe, jornalismo (quando o jornalismo deixar de ser esse brinquedinho ultrapassado para assassinar o futuro).

Leia aqui a matéria do jornal Folha de S. Paulo mencionada pelo autor.

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