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Paulo Moreira Leite

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Justiça condenou Gabrielli sem provas

Denunciada por mestres da USP e da FGV, cassação da aposentadoria do ex-presidente da Petrobras é um ataque a um dos líderes da luta dos brasileiros e brasileiras pelo desenvolvimento e pela soberania, escreve Paulo Moreira Leite, do Jornalistas pela Democracia

José Sergio Gabrielli (Foto: Antonio Cruz/Agencia Brasil)
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Por Paulo Moreira Leite, do Jornalistas pela Democracia

Em 2012, quando se encontrava no Rio de Janeiro para um evento entre juristas, o professor alemão Claude Roxin, criador da teoria do Domínio do Fato, descobriu que suas idéias foram empregadas para justificar a condenação do José Dirceu, líder máximo do PT, na Ação Penal 470, o Mensalão, e ficou preocupado.

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"A posição hierárquica não fundamenta, sob nenhuma circunstância, o domínio do fato. O mero ter que saber não basta" explicou, referindo-se a outro caso, do ditador peruano Alberto Fujimori (condenado pela tortura e execução de presos políticos). "Foi importante ter provas de que ele controlou os sequestros e homicídios realizados". (Folha de S. Paulo, 11/11/2012).


Referindo-se ao "clamor por condenações severas, mesmo sem provas suficientes", típico de nossa época, Roxin explicou: "o problema é que isso não corresponde ao Direito. O juiz não tem que ficar ao lado da opinião pública".

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Embora a expressão "Domínio do Fato" não tenha sido mencionada no julgamento do economista Sérgio Gabrielli, presidente da Petrobras entre 2005 e 2012, é fácil reconhecer, pela leitura dos autos de sua condenação pela Controladoria Geral da União, sete anos depois que ele deixou o posto, o "clamor por condenações severas, mesmo sem provas suficientes" que a AP 470 inaugurou no país.

Um aspecto notório, no caso de Gabrielli, é que a pena recebida foi a mais grave que a legislação reserva a um funcionário público -- a cassação da aposentadoria, punição reservada por lei a servidores que já deixaram o serviço ativo e não podem receber a punição original, demissão. Ocorre que Gabrielli, hoje com 70 anos, não se aposentou como funcionário da Petrobras, mas como professor da Universidade Federal da Bahia, depois de contribuir por 36 anos (432 meses) para o bem estar na velhice.
Aqui se reconhece outro ponto fora da curva. Condenado em atos ocorridos durante sua passagem por uma empresa de economia estatal de economia mista, Gabrielli foi atingido num direito líquido e certo obtido numa universidade federal. Numa reação imediata, a reitoria da UFBA divulgou nota, condenando a decisão em termos diretos: "Causa-nos profunda estranheza que infração supostamente praticada em outra instituição possa repercutir sobre a percepção de aposentadoria concedida em razão do exercício do cargo de Professor do Magistério Superior, suprimindo direitos desse servidor e retirando, enfim, em definitivo, os proventos de um dos mais conceituados profissionais que atuaram em nossa universidade, tanto como docente, quanto como gestor".

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"A cassação da aposentadoria do professor José Sérgio Gabrielli é uma flagrante brutalidade e perseguição política, ajustada aos tempos bicudos que estamos vivendo" afirma Haroldo Lima, engenheiro e antigo diretor da Agencia Nacional de Petróleo, Gás Natural e Combustíveis." O estranho ato foi assinado por um ministro substituto da Controladoria Geral da República, CGU, Valmir Gomes da Silva, precisamente no dia do Natal, talvez para ser mais afrontoso com o espírito natalino de justiça".

"Em vinte anos no Direito, nunca encontrei um caso como este", disse ao 247 o advogado paulista Italo Cardoso. A punição de fato é raríssima.
O único registro conhecido no Superior Tribunal de Justiça -- para onde os advogados de Gabrielli encaminharão mandato de segurança para suspender a decisão -- envolve uma delegada de Brasília que foi condenada com base na denúncia de que manipulou o local do crime num caso de triplo homicídio que chocou o Distrito Federal no início da década. Falsa ou verdadeira, o fato é que, neste caso, apurou-se a atuação da policial denunciada e uma investigação concluiu por sua culpa -- na área na qual trabalhou e se aposentou.

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No caso de Gabrielli, um professor respeitado nos debates sobre desenvolvimento econômico no país, com tese de doutorado pela universidade norte-americana de Boston, ficha imaculada nas investigações da Lava Jato, cujo foco concentrava-se na empresa que dirigiu, o que se aponta é uma suposição sobre suas responsabilidades na compra da refinaria Pasadena nos Estados Unidos, factóide que fez grandes manchetes contra Dilma Rousseff em 2012 mas jamais foi devidamente comprovado nos dois aspectos essenciais.

Apresentada como um negócio tecnicamente inviável, e por isso suspeito de ter sido realizado para esconder o pagamento de propinas e desvios de toda ordem, Pasadena acabou se revelando uma refinaria capaz de atender sua finalidade, refinar óleo pesado para vender no mercado interno dos Estados Unidos. Com o tempo, até gerou ganhos para a Petrobras.

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Mesmo que a compra tivesse sido um mau negócio em si, no entanto, qualquer condenação deveria demonstrar que fora um projeto elaborado com más intenções e apontar o papel direto de Gabrielli negócio, cuidados cuja importância foi bem ressaltada nas explicações de Roxin, parágrafos acima.

Nos 36 anexos de sua delação premiada à Lava Jato, a que o 247 teve acesso na íntegra, o engenheiro Nestor Cerveró, responsável pelas tratativas com os antigos proprietários de Pasadena, deixou um longo repertório de casos a disposição de interessados. Sobrou até uma negociação, que o delator revela ter acompanhado de perto, de compra da refinaria Perez, na Argentina, consumada pela Petrobras nos meses finais do governo Fernando Henrique Cardoso e lubrificada, segundo Cerveró, por uma propina de cem milhões de dólares. Soma jamais ouvida em nenhuma outra negociação, em qualquer época da empresa, não há notícia de que tenha sido investigada.

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Principal fonte de informações sobre Pasadena, com um língua sem inibições, referindo-se até a um automóvel de luxo que pretendia oferecer à mulher, Cerveró trata da refinaria em vários depoimentos, detalhados. Não há lugar para falar de Gabrielli em Pasadena, no entanto.

Mesmo assim, no TCU e na CGU, o presidente acabou incriminado, a seu lado, como se fosse cúmplice de uma operação na qual ambos são responsabilizados, a partir de uma matemática envenenada e defeituosa. Sua base é a contabilidade de uma empresa, Astra Oil, diante da qual nem Michael Denayer, auditor da Deloitte, contratado para examinar e atestar a consistência das informações, coloca a mão no fogo, sugerindo que não teve meios de comprovar o conjunto dos dados apresentados.

Após deixar claro que não assume qualquer responsabilidade pelos métodos adotados, o auditor limita-se a corroborar a simples matemática do balanço apresentado, como se confirmasse que 2 +2= 4, quando era óbvio que o problema era de outro tamanho -- a diferença entre 56 milhões de dólares que aparece numa carta de intenções do início das tratativas, e o pagamento total de U$ 360 milhões que a defesa assegura terem sido pagos por Pasadena.

E aqui se encontra um ponto decisivo dessa história, aquele em que se condena Gabrielli com base numa suposição. Essa situação foi colocada de modo explícito no voto do relator que examinou seu caso no Tribunal de Contas da União e admitiu uma convicção fatal, capaz de sobrepor-se às provas dos autos: "Não é possível considerar que o sr José Sérgio Gabrielli não tivesse conhecimento das ações de seu subordinado direto para a formalização de negócio dessa monta". A distinção absoluta de tratamentos que a Justiça reserva a aquilo que se imagina e a aquilo que se demonstra ficou clara no destino de Cerveró e Gabrielli.

Condenado na Lava Jato por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, Cerveró teve a pena ampliada para 27 anos e quatro meses quando chegou ao TRF-4. Gabrielli sequer foi indiciado criminalmente em nenhum caso da Lava Jato embora fosse o presidente da empresa, alvo óbvio de investigações que sempre buscaram chegar aos patamares mais altos das empresas investigadas, inclusive Odebrecht. Essa condição não permite imaginar que a vida e o patrimônio de Gabrielli não tenham sido devassados em busca de contradições e incoerências.

Numa entrevista a Gessica Brandão, do portal Nexo, o professor Carlos Ari Sundfeld, que leciona Direito Administrativo na FGV de São Paulo, empregou palavras suaves para apontar para aspectos graves do caso, numa situação que pode levar o Judiciário a "desconfiar de algum desvio de poder".


Lembrando as ligações de Gabrielli com o Partido dos Trabalhadores, e que o cargo de ministro chefe da CGU é um posto de confiança do Presidente da República, Sundfeld aponta para um ponto político da decisão. Fala de Bolsonaro como "alguém que quer tomar medidas para destruir as pessoas e membros de partidos que participaram de governos anteriores que são frequentemente chamados de inimigos." Bingo.

"A punição a Gabrielli revela uma estratégia de intimidação contra as universidades públicas", afirma Gilberto Bercovici, professor titular de Direito Econômico da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, autor de obras clássicas como Constituição Econômica e Desenvolvimento, onde debate o papel de empresas estatais na formação econômica do país.
Em entrevista ao 247, Bercovici recorda que bons e maus negócios fazem parte da história do capitalismo no mundo inteiro e que, na época, jamais surgiram evidências indicando que a compra de Pasadena seria um mau negócio para quem queria refinar petróleo pesado para ser negociado no mercado norte-americano.
Sublinhando que Gabrielli não sofreu nenhuma punição pela gestão na Petrobras, que durou sete anos, Bercovici denuncia a punição através da Universidade Federal da Bahia, onde cumpriu 36 anos como professor exemplar.
"É uma ilegalidade e um absurdo", afirma Bercovi. É uma boa síntese para o ataque a um cidadão que não é acusado de crime algum, nem na universidade, nem na maior empresa brasileira, hoje alvo de um programa deliberado de destruição de Jair Bolsonaro e Paulo Guedes.

Na passagem de Gabrielli pela Petrobras, a empresa multiplicou sua produção de petróleo em dez vezes, a capacidade de refino cresceu de 1,3 milhão para 2 milhões de barris/dia. A descoberta do pré-sal abriu caminho para que o país se tornasse um dos grandes produtores mundiais de petróleo. Ao impedir o merecido descanso de um dos condutores deste processo, o que se pretende é reescrever uma História que é motivo de orgulho para brasileiras e brasileiros.

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