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Ricardo Nêggo Tom

Cantor, compositor, produtor e apresentador do programa Um Tom de resistência na TV 247

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Karol Conká e a racialização dos vilões nos realities da vida

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Ok! Ok! Ok! Já que o país parou para eliminar Karol Conká, com o maior índice de rejeição da história do BBB, não apenas no Brasil, mas entre todos os países do mundo que se prestam a oferecer a carnificina da dignidade humana como entretenimento, vamos tentar analisar os principais erros cometidos pela mais nova vilã do reality show global. Já que falei em carnificina, e sabendo que a carne mais barata do mercado é a carne negra, o principal erro de Karol foi se esquecer de que, apesar de famosa e ter uma carreira aqui fora, ela é preta.

Como a arte imita a vida e vice-versa, ela tinha a obrigação de saber que pretos não ficam bem no papel de vilões. Pelo menos, quando falamos de vilões cuja maldade praticada costuma ser lida de forma lúdica e romantizada, transformando-os em quase heróis por identificação popular. A teledramaturgia nacional é uma prova disso. E como o BBB nada mais é do que uma novela da vida real, com ficcionalidade induzida em alguns de seus participantes, a comparação, para além do óbvio, é mais do que válida. É necessária e escurecedora.

Vilão bom é vilão branco. Quem não se lembra da psicopatia e do narcisismo da Carminha de Adriana Esteves em “Avenida Brasil”, da sordidez elitista da Odete Roitman de Beatriz Segall em “Vale Tudo”, da ar sombrio e manipulador de Nazaré Tedesco de Renata Sorrah em “Senhora do Destino”, da maldade nua e crua da Raquel de Glória Pires em “Mulheres de Areia” e da violência machista do Marcos de Dan Stulbach em “Mulheres Apaixonadas”, que usava uma raquete para espancar a sua mulher. A vilania de Karol é mal criação de criança birrenta perto dessa galera.

Ah! Mas você está racializando a situação, comparando personagens de obras de ficção, com participantes de um jogo da vida real? Não! Estou comparando a forma de tratamento dada a cor de quem pratica o mal no Brasil. A naturalização da racialização do comportamento, apesar de evidente e estrutural, eu deixo para a sua reflexão. Porém, se você acredita mesmo que o BBB seja a vida real expressa e manifesta, você terá alguma dificuldade em perceber o que está implícito no pensamento e explícito nas atitudes.

Os vilões citados anteriormente estão imortalizados no imaginário popular. Nenhum deles está cancelado ou apresenta índice recorde de rejeição. Pelo contrário, suas expressões e gestuais hoje são usados como memes divertidos nas redes sociais. Um privilégio que apenas os vilões brancos possuem. Pretos como Karol Conká, quando ousam transitar num território culturalmente demarcado como propriedade da branquitude, sentem na pele, com o perdão da redundância, as consequências de sua ousadia. E o BBB costuma ser um fator ratificador dessa constatação.

Das seis maiores rejeições da história do BBB, quatro delas são de participantes negros. Duas delas apenas na atual edição. Karol Conká (99,17%) e Nego Di (98,76%), os atuais campeões nacionais e mundiais em rejeição, têm a companhia de Aline do BBB 2005 (95%), 3ª colocada no ranking mundial de rejeição no BBB, e de Nayara do BBB 2018 (92,69%), 6ª colocada no ranking de rejeição no Brasil. Se as cartas não mentem jamais, os números também não. Há quem insista em confrontá-los e prefira acreditar em coincidência. Eu não.

E a minha opinião aqui não tem o objetivo de passar pano nos equívocos cometidos por Karol no programa. Até porque, não assisto a atração na íntegra e não acompanhei todo o imbróglio no qual ela teria se envolvido. O fato é que a nossa sociedade sofre de um eterno complexo de Estocolmo induzido, onde fomos ensinados a nos apaixonar pelo carisma da vilania branca. A colonização explica. Há poucos dias, vimos alguns jovens brancos da classe média paulistana, destruírem uma loja da rede Burguer King e agredirem funcionárias do caixa, apenas por, segundo relatos, estarem incomodados com a demora no atendimento.

Apesar da agressividade e da violência dos delinquentes, nenhum deles foi estrangulado pela segurança do local e nem veio a óbito acidental, na tentativa de conter o destempero criminoso que apresentavam no momento. Um privilégio que eu, Karol Conká, Nego Di e qualquer outro preto brasileiro que estivesse movido pela mesma emoção desses jovens brancos, não teríamos. Nem precisaria votação. A rejeição seria automática e fatal. George Floyd e João Alberto que o digam.

Somos um país onde a história (?) da doce, meiga e assassina Suzanne Richtoffen vira filme, e a da guerreira e libertária Dandara é omitida e demonizada nas escolas. Um país onde a descontrolada, agressiva, cuspideira e abstinente Andressa Urach tem personalidade forte, e a marrenta e má jogadora Karol Conká tem mal caráter. Um país onde Guilherme de Pádua tem a chance de virar pastor, após ter assassinado uma colega de trabalho, e Rafael Braga é considerado terrorista por carregar um vidro de desinfetante na mochila.

Observando a expressiva mobilização popular para tirar Karol da casa, por um momento imaginei que a solução para nos livramos de Jair Bolsonaro, seria confina-lo no BBB. Depois, me lembrei que ele é branco e foi eleito por 57 milhões de pessoas. Se a maioria apostou no mesmo estereótipo de vilão como salvador da pátria, ela não haveria de eliminá-lo de um jogo onde o entretenimento às custas da execração humana é a alma do negócio. E se a alma a ser executada for preta, o sucesso do negócio é dobrado.

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