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Luiz Alberto Gómez de Souza

Formado em Ciências Jurídicas e Sociais, pós-graduado em Ciência Política, doutor em Sociologia. Autor de mais de cem artigos em revistas brasileiras e internacionais e colaborador e organizador de vários livros

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La historia no camina al ritmo de nuestrta impaciencia

A deposição da presidenta Dilma poderá ser um choque que sacuda a consciência nacional. Como foi o suicídio de Getúlio. E isso poderá refletir-se em eleições vindouras

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Esta frase, cheia de significado, está num dos últimos escritos do grande poeta espanhol Antonio Machado, ao partir para o exílio ao final da guerra civil, cruzando a fronteira com sua mãe moribunda. Ele próprio morreria dias depois. Em texto que escrevi nas primeiras horas da madrugada do dia 30 eu, que vivera o golpe no Brasil - quando fui preso logo no dia 4 de abril de 1964 - e depois o golpe no Chile - onde meu estatuto de funcionário internacional das Nações Unidas protegeu a mim e a minha família, parti para o México uns meses depois-, perguntava: virá outro golpe? Sim, dois golpes militares e agora um golpe parlamentar. Este, de certa forma mais insidioso, pois travestido de pseudolegalidade – as liturgias processuais cumpridas na forma, ainda que não escondessem sua profunda ilegitimidade, ao depor uma presidenta eleita pelo voto e acusada por quatro pretextos menores e irrelevantes, reduzidos a pó pelas afirmações contundentes de Dilma Rousseff que, valente e com competência e firmeza, enfrentou por horas seus acusadores.

Chega um primeiro momento de profunda tristeza, vendo um poder legislativo que segue acobertando os crimes do ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha e, agora, com firulas legais, depor uma presidenta inocente, honesta, digna e extremamente competente, como ficou evidente na sua ida espontânea ao Senado, quando demonstrou sua enorme capacidade para decidir e governar e sua extrema lisura. Em gestos de aparente “humanidade”, nas palavras de Renan Calheiros – na verdade provavelmente encobrindo uma boa dose de má consciência – o quorum não alcançou a maioria necessária para tirar-lhe os direitos políticos. Nos 61 senadores que a afastaram do cargo, havia antigos membros de seu governo; um Cristovão Buarque que, pousando de imparcial, na verdade mostrava sua vaidade ferida pela maneira como foi demitido pelo presidente Lula do Ministério da Educação; uma Marta Suplicy, eleita prefeita anos atrás pelo PT e que agora se candidata ao mesmo cargo pelo setor fisiológico do PMDB; um Fernando Collor, antigo réu em processo semelhante, que não escondia seu rancor e que buscava uma revanche do PT que participara de sua acusação.

Naquele texto anterior eu, sem querer perder a esperança, dizia que, no caso de vencer o impeachment, pensava nas palavras de Salvador Allende pouco antes de morrer e que as trago aqui ampliadas: “Más temprano que tarde volverá el pueblo a las grandes alamedas ... La historia es nuestra, la hacen los pueblos.” Por isso não perco o ânimo diante de um percalço momentâneo. E recorro novamente a Antonio Machado, num dos versos que outro poeta, Damaso Alonso, considerava o mais belo da língua castelhana: “Yo voy soñando caminos”. Sigo sonhando e esperando.

Tenho escrito várias vezes que não podemos ficar imobilizados pelo curto prazo – na nossa impaciência – porém olhar mais longe, num processo de construção da democracia, marcado por contradições, recuos, mas sem dúvida avanços. Para isso é necessária a construção de uma Frente Ampla, progressista, democrática e nacional. Movimentos como Frente Brasil Popular e Frente Povo sem Medo abrem caminho nessa direção.

Isso é fundamental quando vemos o liliputiano e rancoroso novo governo Temer começar a elaborar medidas antissociais e antinacionais. No social, vai ferir direitos da classe trabalhadora e dos aposentados, com uma reforma previdenciária draconiana e quando os programas sociais, grande força dos governos Lula e Dilma, sorrateiramente vão sendo esvaziados, apesar de enganosas declarações de que o social não será tocado mas inclusive incrementado.

E gravíssimas são as medidas antinacionais, na volta ao tempo do que Amaury Ribeiro Júnior chamou a “privataria tucana”. Vem o projeto de um estado mínimo, de corte fortemente neoliberal, que deixa livre o poder dos setores dominantes nacionais e especialmente os internacionais.

Um exemplo paradigmático e significativo é o caso do petróleo. E a entrega do pré-sal aos consórcios internacionais. Isso nos remete aos tempos de minha juventude, quando tínhamos um lema de luta: “O petróleo é nosso”. E à campanha soez contra Getúlio que o levou ao suicídio e que na sua carta-testamento disse: “Quis criar liberdade nacional na potencialização de nossas riquezas através da Petrobras e mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma ... Não querem que o povo seja independente“. A tecnologia brasileira fez prospecção nas águas profundas do oceano – quando uma direita entreguista afirmava que não tínhamos competência para avanços nessa área. Hoje a Petrobras, apesar da rapinagem criminosa de alguns técnicos e dirigentes, denunciados pela justiça e pela polícia federal, é uma das mais exitosas empresas internacionais. E veio a descoberta da enorme potencialidade no espaço ainda mais profundo do pré-sal. O governo FHC havia escancarado a política petroleira a um regime de concessão, aberto a empresas privadas, basicamente internacionais. O governo Lula, com a descoberta do fantástico filão do pré-sal, criou para ele um outro regime, o de partilha, com a Petrobrás como principal agente. Metade do petróleo produzido está chegando desse espaço do pré-sal. E os enormes ganhos deveriam ser encaminhados basicamente para a educação e uma parte também para a saúde. Pois bem, o senador do PSDB José Serra apresentou um projeto para incluir o pré-sal no regime de concessão. As grandes empresas petroleiras estão ávidas para entrar nesse campo. Isso nos faz lembrar, em 1952, quando lutávamos aqui no Brasil pela nacionalização do petróleo, no Irá, o primeiro ministro Mossadegh, que nacionalizara ali o petróleo, foi derrubado por um golpe de Estado monitorado pela CIA, a serviço da Shell e da Esso. Vejam a simultaneidade com nossa luta aqui, vitoriosa, com a criação da Petrobrás. Hoje o senhor José Serra é ministro das Relações Exteriores do governo Temer. É uma ironia do destino, ele que fora o presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE) no momento do golpe e nosso companheiro no movimento Ação Popular.

Por suas declarações, ele está sendo responsável pela inflexão na política externa até agora independente do Brasil, membro dos BRICs (que criaram um Banco de Desenvolvimento próprio – um dos dirigentes é brasileiro), solidária em nossa região com o Mercosul e a Unasul. Serra já tem sinalizado que iremos passar de uma política em comum com países irmãos, para relações bilaterais. Bilaterais, basicamente com quem? Com as grandes potências e especialmente com a principal delas, os Estados Unidos. Voltamos então à posição subordinada de “satélite privilegiado”, na concepção do general Golbery do Couto e Silna nos tempos da ditadura. Fazem muita falta um Brizola e um Darci Ribeiro para estar na linha de frente. Mas temos a posição independente e desassombrada do senador Roberto Requião (do PMDB, vejam só) e de outros políticos nacionalistas.

A deposição da presidenta Dilma poderá ser um choque que sacuda a consciência nacional. Como foi o suicídio de Getúlio. E isso poderá refletir-se em eleições vindouras. Muito cedo para as eleições municipais de outubro? Quem sabe... Talvez mais possível nas eleições de 2018. É por isso que, também com estratagemas legais, se trata de tirar a possibilidade do presidente Lula concorrer, ele que está à frente das pesquisas de opinião. Mas temos de olhar com ambição mais à frente ainda.

É hora, desde já, de mobilização e de não ceder ao pessimismo. E volto aos exemplos de Allende e de Getúlio para olhar adiante, com criatividade e numa grande aliança na solidariedade com o Brasil e seu povo. Relembro as impactantes palavras de Getúlio em sua despedida, que acordaram e sacudiram o país: “E aos que me derrotaram respondo com a minha vitória... Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. Eu vos dei a minha vida... Nada receio... saio da vida para entrar na história”.


*O autor é sociólogo e escritor. Vários dos fatos históricos aqui relatados estão em seu último livro: “Um andarilho entre duas fidelidades: religião e sociedade”, 2015, Rio, Ponteio/Educam, encontrado nas livrarias, especialmente na Livraria da Travessa e na Cultura.

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