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Denise Assis

Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".

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Lembrar, sempre, mas nada a comemorar

Denise Assis, da rede Jornalistas pela Democracia, relata o terror vivido no episódio conhecido como "Chacina de Quintino", durante a ditadura militar, e critica o gesto do presidente Bolsonaro de comemorar a data do golpe de 64; "O país presidido por ele não tem o que comemorar. Vai lembrar, para lamentar período tão sombrio e de tantas atrocidades cometidas com o aval do Estado. E, também, para não permitir que de novo aconteça", diz a jornalista

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Por Denise Assis, do Jornalistas pela Democracia - Uma das cenas mais impactantes que vivi enquanto jornalista-pesquisadora da Comissão da Verdade do Rio se deu no subúrbio de Quintino. Ali, numa vila com cerca de 200 casas, no nº 8985, que une a Avenida Suburbana – hoje D. Hélder Câmara -, à Rua Goiás, foi instalado na época da resistência à ditadura, o aparelho da VAR-Palmares, para onde foram os jovens Lígia Nóbrega e James Allen. Mais tarde, Maria Regina Lobo e Antonio Marcos Pinto de Oliveira juntaram-se a eles.

Há quem considere a escolha do local, apesar de ter duas saídas - o que facilitava uma rota de fuga – inadequada do ponto de vista da segurança, pois em uma vila os vizinhos se conhecem e qualquer elemento estranho chama a atenção. E, certamente, não foi diferente com o grupo de guerrilheiros da VAR. No dia 29 de março de 1972, há 47 anos, portanto, a polícia invadiu o local, matando todos os ocupantes do aparelho.

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Os documentos produzidos pelos militares descreviam o episódio, para variar, como "ato de resistência". A versão, no entanto, foi derrubada a partir do importante depoimento do perito Valdecir Tagliari, que emitiu os laudos cadavéricos e acabou admitindo, tantos anos depois, que foi pressionado a produzir duas versões. Os verdadeiros, elaborados com fidelidade ao que observou, e outros, falsos, a pedido do diretor da Polícia Técnica, omitindo as marcas da tortura impingida a Antonio Marcos Pinto de Oliveira, encontrado no segundo andar da casa. Lígia e maria Regina tombaram metralhadas no jardim. James Allen conseguiu escapar pelos fundos, pela linha férrea, mas Antonio Marcos foi encurralado no andar de cima, onde foi barbaramente torturado, antes de ser morto.

Em 2013, durante os trabalhos de elucidação do episódio, conhecido como "Chacina de Quintino", constatamos que vários moradores permanecem, ainda hoje, na vila, o que muito contribuiu para a reconstituição dos fatos em detalhes. Na casa geminada ao aparelho morava, e ainda mora, a família de Orlando de Brito. Em 2013, quando o trabalho de pesquisa e elucidação foi feito, ele mesmo muito ressabiado, deu o seu testemunho daquela noite, quando a Polícia chegou, em torno de 20h e, depois de uma tocaia no terreno baldio em frente, invadiu a casa de dois andares metralhando o que via pela frente.

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Ao ver movimento de visitas na casa, Márcia, a única filha do casal, em 2013 com 50 anos (tinha 9, quando o massacre aconteceu), veio para a sala. Ao ouvir o pai e a mãe relatarem o episódio, Márcia agarrou-se ao braço da mãe, e com voz infantil apelava:

- Mãe, não fala. A Polícia pediu. Disse para nunca falar disso. Não conta, mãe, eles vão voltar!

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E repetia, aos prantos, o pedido, numa cena de regressão explícita. Para os que ainda duvidam dos horrores e sequelas que os atingidos pela ditadura carregam, a cena da regressão de Márcia, vizinha da chacina executada pela repressão naquela noite, ilustra bem os seus efeitos. Foi impressionante assisti-la sendo assaltada pelo medo do passado, tanto tempo depois.

O presidente Jair Bolsonaro - que determinou a comemoração da data que instituiu a ditadura responsável por absurdos e matanças como esta, contra estudantes que nem sequer armas tinham, conforme ficou constatado nos relatórios produzidos pela própria Polícia –, na certa considera o 29 de março (depois de amanhã), quando a Chacina de Quintino completará 47 anos, um dia a se comemorar, assim como o 31 de março.

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(Neste ponto, há que fazer um destaque. A verdadeira data do golpe de 1964, como todos sabemos, é o primeiro de abril. Este, porém, é o dia da mentira e foi apagado dos compêndios escolares, para evitar a piada pronta).

Mas como há sempre alguém de bom senso, o Ministério Público Federal disse, em nota, que "festejar a ditadura é festejar um regime inconstitucional e responsável por gravess crimes de violação aos direitos humanos".

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O arroubo presidencial entrará para mais uma de suas inúmeras "trapalhadas". Ele que comemore, entre os seus, discretamente. O país presidido por ele não tem o que comemorar. Vai lembrar, para lamentar período tão sombrio e de tantas atrocidades cometidas com o aval do Estado. E, também, para não permitir que de novo aconteça.

(Conheça e apoie o projeto Jornalista pela Democracia)

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