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Rogério Puerta

Engenheiro agrônomo, atuou por doze anos na Amazônia brasileira em projetos socioambientais. Atuou em assentamentos da reforma agrária no Distrito Federal por dez anos e atualmente vive em São Paulo imerso em paixões inadiáveis: música e literatura. Escreveu diversos livros

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Liberdade de (ex) pressão

Supor o seu direito mais importante do que o direito dos outros

(Foto: Andy Rain / Reuters)
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Liberdade de expressão, de opinião. Desnecessário vocalizar, somente a representação, o ato basta. Apresentar-se inteiramente nu em praça pública portando um cartaz com reivindicações é uma suficiente forma de opinião, de expressão. Mas há legislação, alegarão atentado ao pudor.

Que se imagine: eu sou um psicopata que convive escamoteado em sociedade e observa um mínimo de deveres e direitos enquanto cidadão. Tenho predileção por sexo violento, disto dependo para viver com ânimo e produzir economicamente em minha profissão socialmente aceita. Estive em um domingo pela manhã ensolarado na praça em frente ao Superior Tribunal Federal em Brasília portando um cartaz e vociferando, defendendo que fosse abolido o estupro em tipificação criminal.

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Quero praticar o estupro, sexo violento não consentido, pois isto me satisfaz, me anima e me torna um cidadão produtivo, faz bem a minha saúde física e mental. Quero este direito, então me manifesto contra a tipificação criminal, sou favorável à descriminalização. Desejo a contumaz prática sem ser importunado pelo jugo da lei. A minha liberdade de expressão. Naquela ocasião tão somente discursei inflamado.

Sou um elemento infiltrado, o dito lobo solitário, experimento limites e reações, acumulo ações e analiso as repercussões. Planejo solitário um ato terrorista que colocará o Brasil em destaque mundial, para sempre. Entrarei para a História, serei citado em diversos livros. Liberdade de pressão. Busco pressionar até os limites extremos e depois analisar as reações. Possuo um mandante subliminar, contemporâneo e de carne e osso.

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Você é um cidadão pacato e produtivo. Junto à família é proprietário de um pequeno comércio de bairro bem-sucedido e movimentado. Sua mãe, Maria José, é antipatizada por um outro comerciante local rival que todos os sábados pela manhã se manifesta na calçada pública da mesma rua onde se situam ambos os estabelecimentos comerciais.

Este outro comerciante é um sujeito conhecido no bairro, aos sábados na rua apregoa em manifestação pública vocalizada que o melhor para a humanidade é o extermínio taxativo do comércio adversário, a eliminação direta da figura de Maria José do bairro. Ninguém entende muito bem, não levam o sujeito a sério, não atrai muita preocupação, acham que tudo não passa de uma lamentável pilhéria, que se trata de um exercício tacanho de péssimo humor negro.

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Tal comerciante dotado de canhestro humor negro é, na verdade, alguém que representa tal qual em um teatro ao ar livre. Bem sabe ele que um momento crucial do País se aproxima, eleições presidenciais, e está em jogo nada menos do que a sua sobrevivência financeira mediante acordos escusos ilegais recentes que fez com mandatários da política partidária local.

Bela manhã de domingo indo à feira, Maria José é esfaqueada violentamente e morre exangue em questão de minutos. O perpetrador um lunático desconhecido possesso que se convenceu acerca da nocividade e perversão da pacata comerciante. Pego em flagrante após o homicídio, passará décadas recluso em pena.

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Pobre Maria José, tudo isto em ficção ocorre após ela ser citada e antipatizada por um rival econômico com suficiente dissimulação para a interpretação cênica em público. Este o dito outro comerciante que se achava em direito de liberdade de expressão, mas nem sequer detalhava o significado compreendido por liberdade de expressão ao apregoar o extermínio puro e simples de uma figura adversária.

Uma situação bastante hipotética e improvável, mas não impossível ao se imaginar o que se faz hoje em dia dentre gravações ocultas de vídeos, pilhérias de internet. Anos atrás um político brasileiro tresloucado vociferou que um presidente da República em exercício merecia um fuzilamento, sequer pilhéria pareceu.

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Ocorre que se o tal sujeito de comércio rival fosse impedido previamente de se manifestar, a pacata senhora Maria José estaria viva hoje, não apareceria um lunático desconhecido extremado ao limite da ideia de ódio propagandeada e muito bem ouvida e entendida. Há quem defenda que não seria crime incitar ao crime e não perpetrá-lo, e nem são tão poucos os que isto defendam, juristas inclusive.

Liberdade de expressão, mas não, há legislação. O seu direito atravessando o meu direito.

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Nós brasileiros amamos imitar os estadunidenses. Explica-se talvez pela influência explícita e também subliminar, ao longo de décadas, de tanta cultura de lá vinda e aqui absorvida. Mickey Mouses e Pica-paus repetidos à exaustão, meninos e meninas crescidos nos anos 1950, 60, 70 e por aí vai. Havia também o Forte Apache, a boneca Barbie. Talvez esta seja uma teoria exagerada e, muitos diriam, até risível, mas os EUA sempre nos foram muito presentes e influentes.

Terras de Primeira Emenda Constitucional estadunidense, dizem, são emblemáticas quanto a liberdade de expressão. Queima-se a bandeira deles lá, se hasteia de ponta-cabeça, o diabo. Às vezes lá dá complicação, mas mesmo assim usam e abusam em citações a tal primeira emenda.

Música enfática e de protesto é pródiga em polêmicas quanto a liberdade de expressão dos artistas, vários casos, cantores de rap mundo afora, em foco destes geralmente o justiçamento de policiais brancos racistas. Artistas de heavy metal vários acusados, o massacre de Columbine, casos de suicídios, a defesa quanto a supremacia branca, tanta coisa no metal e no punk hardcore.

Defesa da supremacia ariana na Alemanha. Liberdade de expressão, mas não, lá há legislação. Nos EUA há alguma variação, o que gera muita repercussão, discussão. Rimas excessivas, talvez sugestão para uma letra de rap. Empáfia deste que ora escreve.

Novamente o tabu da nudez, o pudor exacerbado. Banhar-se ao delicioso mar de Copacabana inteiramente nu, a sua liberdade, mas se enquadra em atentado ao pudor, há texto jurídico e jurisprudência, muita gente de tal forma enquadrada e penalizada ao longo dos anos.

Você é fumante, conhece as leis vigentes pois já pagou multa e se revoltou. Retira-se ao claustro de seu lar. Ocorre que a sua janela da sala de estar fica a poucos metros da janela da sala da vizinha, edifício estreito de quitinetes, e a sua vizinha com o tempo aciona a prefeitura que aciona a polícia. A sua vizinha busca os direitos dela, encrenca na certa. Você é inquirido dentro de sua própria residência, o seu lar um porto seguro de conforto e privacidade.

Bom senso. Difícil unanimidade, se mesmo dentre os mais letrados e eruditos há historicamente discordâncias. Votações dentre um número ímpar de participantes doutos em direito, para nunca ocorrer empate, ou a previsão de um salvador voto de minerva. Juristas estudados que leem o mesmo texto, mesmíssimo, e o interpretam diferentemente. Hermenêutica, chamam, palavra algo pedante, mas bela.

Seria tudo então solucionável tão somente com a aplicação de bom senso? Em nossa sociedade naturalmente multidiversa o conceito mais estreito de bom senso por óbvio muito varia. Religiosos criacionistas jamais encararam a sua fé como um contrassenso. Por aí vai. Seria bom senso se afirmar crente deísta se não há prova cabal quanto a existência da dita divindade única suprema onisciente? Mais perigosas polêmicas infindáveis, dogmas, tabus, de tudo menos bom senso.

Quando um político nitidamente neofascista é digno a influenciar dezenas de milhões de habitantes de seu País, uma parcela não desprezível de sua Nação, as coisas parecem se complicar um bocado. O bom senso e a liberdade de expressão se dissolvem no ar, ao menos temporariamente, espera-se.

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