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Paulo Kliass

Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal

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Lula e a austeridade fiscal

O governo não poderá mais contar com a benevolência da situação internacional a partir de 2023

Lula em entrevista (Foto: Ricardo Stuckert)
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Existe uma regra inescapável a respeito dos meses que antecedem as disputas eleitorais no Brasil, em especial os pleitos envolvendo a Presidência da República. Tendo em vista a baixa institucionalidade dos partidos políticos na elaboração dos programas das candidaturas e de suas alianças, cria-se um clima de vale-tudo em torno das figuras dos candidatos, que costumam contar com uma dose expressiva de capacidade decisória no que se refere aos seus projetos de governo. Esse elevado grau de personalismo na forma como se desenvolve a política em nosso País costuma oferecer um grau de incerteza a respeito o de qual será o perfil do programa a ser eleito e de qual será o comportamento do futuro Chefe do Executivo.

As pressões de toda ordem que se apresentam sobre Lula são o maior exemplo dessa característica do processo eleitoral tupiniquim. Tendo em vista a imensa assimetria de forças que se verifica entre o candidato e seu partido, ocorre que o ex presidente acumula para si a capacidade de decisão sobre questões essenciais de sua campanha e mesmo da estratégia eleitoral. Esse foi o caso, por exemplo, da escolha de seu vice-presidente e da definição das orientações para a concretização das alianças políticas e eleitorais nos Estados da federação. O candidato conta com um grande grau de liberdade para tomar as decisões e, caso necessário, depois o Partido dos Trabalhadores (PT) monta um jogo de cena para referendar as opções, já implementadas por Lula, em suas próprias instâncias internas de decisão.

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O famoso bordão “It’s the economy, stupid”, criado em 1992 pelo assessor especial James Carville para campanha presidencial de Bill Clinton, fez sucesso e costuma ser lembrado até hoje em situações semelhantes. Naquela situação, os Estados Unidos atravessavam uma grave recessão e o marqueteiro sugerir que se focasse na economia. Essa foi a estratégia para que o candidato democrata conseguisse derrotar nas urnas o presidente George Bush, que buscava sua recondução. E o resultado foi a vitória que pôs fim a um ciclo de 12 anos de presença republicana na Casa Branca.

“It’s the economy, stupid” também vale por aqui.

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Por aqui, a gravidade e a profundidade da crise social e econômica também recomendam que o centro da campanha se localize nesse departamento. Apesar de Lula sempre relembrar publicamente o exemplo de seus 8 anos à frente do governo para tentar tranquilizar o tal do mercado, o fato concreto é que as elites do financismo e as classes dominantes de forma geral buscam enquadrar o eventual futuro presidente de todas as formas que imaginam. Esse pessoal sabe muito bem que um provável terceiro mandato não deverá oferecer, na condução da política econômica, os mesmos graus de liberdade com que Lula contava entre 2003 e 2010.

À época, ele montou sua equipe com Antonio Palocci à frente do Ministério da Fazenda e Henrique Meirelles no comando da política monetária e do Banco Central. Foram anos de rigorosa austeridade fiscal, com a geração de expressivos volumes de superávit primário nas contas governamentais e com a manutenção da taxa de juros oficial nas alturas. Porém, a situação da economia internacional ofereceu a possibilidade de ingressos expressivos no caixa do governo, graças ao chamado “boom das commodities”. Surfando na onda generosa propiciada pelos preços elevados de nossos principais produtos de exportações, o governo conseguiu realizar com sucesso o chamado jogo do “ganha-ganha”. As elites ficaram satisfeitas com seus lucros, em especial no agronegócio e no financeiro. E Lula conseguiu implementar programas fundamentais de distribuição de renda e de geração de emprego voltados à grande maioria da população. Não por acaso ele concluiu seu segundo mandato com uma aprovação popular recorde: mais de 87% de bom e ótimo, de acordo com as pesquisas de opinião.

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A conjuntura econômica interna e externa, a partir de janeiro de 2023, deverá ser bem distinta. O governo não poderá mais contar com a benevolência da situação internacional e será necessário definir prioridades. O espaço para a realização da estratégia de contentar de forma satisfatória a todos os setores estará certamente bem reduzido. Isso significa que o próximo Presidente da República deverá arbitrar polêmicas e tomar decisões difíceis, onde os interesses de alguns grupos não serão atendidos como antes.

Lula tem dito e repetido que sua intenção é colocar o pobre no Orçamento e o rico no Imposto de Renda. Essa é uma boa orientação quanto à urgência de recuperação dos programas sociais de redistribuição de renda e de redução da miséria e da pobreza. Desde 2016, logo depois do “golpeachment” contra Dilma Roussef, os programas governamentais voltados à maioria da população têm sofrido cortes e desmantelamentos. O período Temer & Bolsonaro pode ser caraterizado como a destruição do Estado e do desmonte das políticas públicas. Ocorre que, para recompor a capacidade dos governos federal, estaduais e municipais de implementa tais mudanças, é fundamental que seja abandonada a lógica da austeridade fiscal restritivista que nos assola há tanto tempo. Na verdade, trata-se de uma armadilha de política econômica que permaneceu intacta durante os 14 anos em que o próprio PT esteve à frente do Palácio do Planalto.

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Colocar o pobre no Orçamento é uma figura de linguagem que traz consigo necessidades inescapáveis. Em especial para um período como atual, em que a economia apresenta baixo índice de crescimento e uma situação fiscal “desequilibrada”, para usar os termos dos jornalões que repercutem as falas mal-intencionadas dos representantes do sistema financeiro. Quem pegar o governo em primeiro de janeiro vai encontrar um quadro de déficit fiscal e elevação da dívida pública ao longo dos primeiros anos do próximo quadriênio. Apesar de ser este o quadro presente no projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias 2023, que deverá ser aprovado em breve pelo Congresso Nacional, não se deve cair em uma depressão catastrofista do tipo “não temos alternativas” a não ser a repetição de mais uma fase de austeridade fiscal. Caminhos diferentes existem: o que falta é a vontade política de trilhá-los.

Lula deve assumir para si e transmitir à população que a política econômica precisa ser alterada. O aumento necessário no nível de gastos públicos para “incluir o pobre no Orçamento” significa a inescapável revogação da Emenda Constitucional nº 95/2016, uma terrível herança maldita deixada por Temer & Meirelles, cuidadosamente mantida por Bolsonaro & Guedes. O dispositivo criou o chamado “Novo Regime Fiscal” – nome pomposo para a tragédia da política do teto de gastos, que estabelece o congelamento das despesas públicas não-financeiras pelo longo período de 20 anos, até 2037. Não existe mecanismo que permita recuperar capacidade de implementação de políticas sociais voltadas à maioria do povo sofrido e desempregado sob a vigência de tal regra draconiana. O novo governo até pode tentar fazer como Bolsonaro, que buscou as saídas demagógicas e mentirosas das gambiarras orçamentárias para atender às demandas de sua base fisiológica em ano eleitoral. Mas ficará sempre refém do Centrão também nesse quesito, sujeito a denúncias de desrespeito às definições constitucionais.

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Outro dogma que precisa ser combatido e derrubado refere-se ao também famoso “não temos recursos”. A falácia é facilmente desmontada com a revelação do saldo superavitário das contas do Tesouro Nacional junto ao Banco Central. Os recursos existem e podem ser utilizados para implementação dos programas governamentais tão necessários. As informações mais recentes a respeito de tais valores contidas no Balanço do BC apontam para um saldo superavitário de R$ 1,7 trilhão na famosa “Conta Única do Tesouro Nacional”. Além disso, o governo também conta as ferramentas de emissão monetária e de colocação de novos títulos de dívida pública para conseguir os recursos com fins de viabilizar os programas a serem criados ou recuperados.

Porém, o entorno da campanha de Lula não parece ajudar muito o candidato nessa perspectiva. Existe uma disputa permanente em relação à orientação da futura política econômica. Figuras que são apresentadas como interlocutores de Lula para esse domínio insistem em repetir o mantra tão desejado pelo financismo, que soa como música aos ouvidos da elite endinheirada. Por exemplo, o ex ministro Nelson Barbosa escreve, uma semana sim e outra também, que o País precisa manter o ritmo da sacrossanta responsabilidade fiscal e que o caminho passa obrigatoriamente pela redução dos índices de endividamento público. Outros dirigentes partidários não perdem a oportunidade de elogiar e bater no peito para ressaltar a “impressionante capacidade” (sic) dos governos do PT em realizarem superávits primários sequenciais e expressivos.

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Declarações desastrosas de alguns conselheiros de Lula.

Até mesmo o ex ministro Guido Mantega teria afirmado a setores das elites empresariais que o atual comando da autoridade monetária de Bolsonaro, sob responsabilidade de Roberto Campos Neto, seria mais competente do que os anos em que o PT esteve no governo. Ora, trata-se de uma declaração completamente equivocada, especialmente em termos políticos, na comparação Lula e Bolsonaro, que tudo indica será a polarização política e eleitoral a se estender até outubro próximo. Se a intenção era “tranquilizar o mercado” quanto à permanência do atual presidente à frente do BC, não era necessário se desmanchar em elogios a alguém está contribuindo para a destruição do Brasil e do nosso Estado.

As experiências que Lula acumulou ao longo de seus 2 mandatos na Presidência da República e a proximidade que manteve com os 6 anos de sua sucessora já lhe ofereceram as chaves para compreender a complexa dinâmica entre as esferas da economia e da política em nosso País. Ele deve saber muito bem que não há como deixar alguma marca positiva de sua terceira passagem à frente do governo federal sem se liberar das amarras da austeridade fiscal. Caso permaneça cercado de pessoas que apenas raciocinem – quer seja por medo ou por convicção – com a cabeça da ortodoxia, seu governo não conseguirá contribuir para a superação o atual desastre em que o Brasil se encontra. Lula tem sido mantido muito bem informado a respeito das mudanças ocorridas nos governos dos países do chamado mundo desenvolvido no quesito paradigmas de política econômica. As crises de 2008/9 e a atual da pandemia terminaram por abrir espaço para uma redefinição dos conceitos de regras fiscais, de capacidade de endividamento público e de presença do Estado na economia.

Bastaria Lula fazer um chamado às nossas elites para que se atualizem com seus interlocutores nos países centrais e aceitem trazer para cá a incumbência de fazer a “lição de casa”, como tanto gostam de salientar quando se referem ao suposto “atraso” que insistem em repetir que o Brasil teria em relação aos países do hemisfério norte. Um bom roteiro começaria pela revogação do teto de gastos, pela revogação da reforma trabalhista redutora de direitos, pelo fim das privatizações, por um projeto de maior justiça tributária e pela aceitação de um pacto social envolvendo a retomada dos programas sociais.

Em uma palavra, seriam medidas que oferecessem forma e conteúdo à ruptura com essa austeridade fiscal, que se revela a cada novo dia ainda mais contraproducente e ultrapassada.

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