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Hélio Rocha

Repórter de meio ambiente e direitos sociais, colaborador do 247

119 artigos

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Lula repetiu uma lição milenar

Do final deste pequeno interlúdio democrático em meio aos séculos de autoritarismo europeus, temos a lição de que Lula faz, desde a prisão, a coisa certa, e segue o caminho de quem foi, nos tempos de renascença e recuperação das liberdades, o grande mártir da democracia

(Foto: Stuckert)
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Que mais dizer da opção de Lula, depois que tudo já foi discutido? 

Como é comum a este espaço de discussões, a opção é recorrer à história para encontrar respostas a questões que envolvam as decisões atuais, visto que para isso se estuda esta ciência: tentar entender no passado os erros a não ser cometidos, os acertos em que se espelhar e os paralelos para se conjecturar decisões cujo resultado ainda parece incerto. Neste caso, vamos falar de queda da democracia...

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Afinal, é o que está em risco no Brasil.

E, quando estamos discutindo democracia, temos que lembrar que se está falando de uma tradição política que, não no Brasil ou na América Latina, mas mundialmente, foi interrompida várias vezes e deu lugar a anos de autoritarismo. Muito se fala, principalmente em postagens de Facebooks, Instagrans e Whatsapps da vida, que o Brasil é um país de interlúdios democráticos em meio a um cenário político majoritariamente autoritário. Fazem-no invocando colônia, Império, Repúblicas da Espada e do Café com Leite, Estado Novo e Regime Militar para evidenciar que o país esteve em muito mais da metade de sua história sob regimes autoritários. Os incautos só se esquecem de lembrar que assim o foram quase todos os demais países, inclusive desenvolvidos dadas as proporções de seus anos de existência (exceção feita aos Estados Unidos, ainda que relativamente, o que se pode discutir em outra ocasião).

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Ou o que convencionamos chamar de França, Espanha, Portugal, Inglaterra, não viveram três quartos de sua história sob Estados monárquicos autocráticos e, ainda após as revoluções do século XVIII e consequências no XIX, sob regimes constitucionais parlamentaristas excludentes e arranjados entre as elites, tal como o nosso “café com leite” ou o Estado de exceção que vivemos hoje?

Portanto, tal momento, dado o fato de que o Brasil é uma nação jovem, é próprio do processo de luta social e estabilização da soberania e direitos universais de todos os países...

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Entretanto, uma das primeiras Repúblicas a cair dessa forma, excetuando aquela ateniense, que malogrou ante o domínio territorial por uma potência externa, o Império Romano, foi a própria República de Roma, imersa em exceção pelos triunviratos de Júlio César e depois, definitivamente, golpeada por Octávio Augusto, o primeiro César. O Império Romano existiu por séculos, inclusive imortalizando seus líderes mais negativa que positivamente (vide Nero, Calígula, Cômodo), ocultando a figura de um mártir da democracia chamado Marco Túlio Cícero. O líder do Senado romano resistiu à tentação do autoritarismo em nome dos militares romanos vocalizada por Lúcio Sérgio Catilina, cujos discursos no Senado, documentados em ata e que chegaram aos dias de hoje, tornaram-se a obra “As Catilinárias”, resgatadas pelo pensador Petrarca para se tornarem a base da democracia moderna.

Ao presenciar a ascensão do autoritarismo em Roma na figura de Júlio César, Cícero foi convidado e recusou convite do próprio comandante militar para integrar o primeiro triunvirato, e colocou-se contra o movimento por considera-lo um ataque às instituições e ao povo de Roma. Figura influente e, à época, a mais popular do Império ao lado de Júlio César, Cícero, sem o poder das armas, foi preso e proscrito da cidade-mãe da civilização ocidental. É incerto o paradeiro de sua proscrição, mas provavelmente tratou-se de uma ilha tal qual Elba de Napoleão, onde lhe foi concedida certa deferência por ser o então mais respeitado senador de Roma, não lhe sendo dado o destino de uma masmorra. Mais ou menos como uma cela especial na Polícia Federal de Curitiba. 

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A alegação da proscrição? Conivência com o senado manchado pela corrupção em que a arrecadação dos impostos romanos se tornava muito mais festas e banquetes que a construção de aquedutos, estradas e templos, prioridades da época. Na época, não se falava em provas por estrutura própria daquela civilização, portanto, a bem da verdade, não há paralelo a se fazer nesse caso. Fato é que a corrupção é um argumento tão antigo quanto a própria democracia, para quem defende a abolição desta, visto que certa desordem lhe é um efeito colateral. 

Cícero, mais tarde, de sua suposta ilha de ostracismo (para que não mais falasse aos seus pares romanos e não ameaçasse com sua razão e carisma os nascentes triunviratos que seria mais tarde o Império de Neros e Calígulas), recebeu certa vez, já morto Júlio César e ante a ascensão de Octavio Augusto, o convite de retorno ao Império, porém fora de Roma e na condição de anonimato, para que retornasse na velhice, ao menos, ao convívio com seus filhos. Provavelmente no Norte da África, mas aí é pura conjectura.

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Pura conjectura porque jamais ocorreu. Cícero o recusou e é incerto, igualmente, o seu motivo para isso, visto faltarem recorrentemente documentos para fechar os fatos que constituem processos históricos de 2000 anos atrás. Entretanto, é consenso que sua razão foi a fidelidade a seus princípios, não lhe importando retornar ao regime autoritário o qual lhe proscreveu por defender a democracia. A história de Cícero termina assim: morto em regime de proscrição, sem presenciar, mas coexistindo com a ascensão de um Império o qual combateu com palavras e, depois, com o martírio.

Por ironia, o Império sempre coexistiu com um inoperante Senado, serviçal do Imperador. Tanto que todos conhecem o estandarte romano SPQR: “Senatus Populus Que Romanus”, ou “O Senado e o Povo de Roma”. “As instituições seguiram funcionando...” e o cinismo do SPQR pode muito bem ser o “meu partido é o Brasil”, daquela época.

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Não se quer que Lula termine assim, óbvio. Mas os tempos são outros, a informação circula, o tempo político de 400 anos do Império Romano não foi o mesmo sequer nos 20 da ditadura militar brasileira, quanto mais no século XXI. O que importa é que, 1400 anos mais tarde, Petrarca recuperaria os textos e a história de Marco Túlio Cícero para transformá-lo no símbolo do Renascimento e na recuperação dos valores da civilização clássica, não tão representados pelo período imperial romano, mas pelo amor à razão iniciado pelos gregos e defendido pelo maior dos senadores no argumento pela democracia.

Não fossem as escolhas de Cícero até a proscrição, e igualmente sua opção por morrer numa ilha qualquer do Mediterrâneo ao invés de aceitar um retorno às periferias do Império, provavelmente não haveria Renascimento e todas as suas consequências, inclusive o Iluminismo e o ressurgimento da democracia e sucessivas lapidações até chegarmos aos exemplos europeus que temos hoje.

Do final deste pequeno interlúdio democrático em meio aos séculos de autoritarismo europeus, temos a lição de que Lula faz, desde a prisão, a coisa certa, e segue o caminho de quem foi, nos tempos de renascença e recuperação das liberdades, o grande mártir da democracia.

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