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Valéria Dallegrave

Jornalista, escritora e dramaturga

35 artigos

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Manifesto Estamos Juntos: uma súplica ao torturador

Além de não ter clareza sobre a quem se dirige, o tom do manifesto é um problema. Ao não se arriscar a ser contundente, torna-se quase uma súplica. Alguém acredita que o torturador se deterá diante de uma súplica?

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A assinatura do manifesto Estamos Juntos tem dado o que falar. Ou melhor, a não assinatura de Lula, que se negou a fazer parte da proposta. A imprensa corporativa, que ainda está com os punhos doendo de tanto bater no PT, aproveitou para retomar a balada de chamá-lo de sectário, arrogante, egocêntrico, etc. Mesmo na imprensa alternativa, os debates estão acalorados, com o questionamento sobre se era correto assiná-lo ou não. Talvez o problema esteja aí, no tipo de pergunta que estamos fazendo. Os tempos atuais, realmente incendiários, colocam a paixão na frente do raciocínio, mas vamos pensar a respeito do que diz o tal manifesto...

O “ Estamos Juntos” declara-se a favor “da vida, da liberdade e da democracia” – mais de trinta mil brasileiros já morreram de coronavírus, sob a batuta animada da marcha fúnebre do desgoverno Bolsonaro – aliás, ele não disse que deveriam ter matado trinta mil na época da ditadura? Outra parte de brasileiros ainda não saiu da escravidão – isso ficou evidente, pois se encontra espremida entre a decisão de ganhar o pão nas ruas, arriscando a vida, ou ficar em casa morrendo de fome. De democracia, precisamos admitir, sabemos bem pouco, pois a bonita “vitória” das Diretas Já se desmanchou como um picolé ao sol nessa esteira de golpe contínuo, que nunca termina...

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Lula, que foi preso como líder sindical na época da ditadura e, depois disso, respeitando as regras do jogo imposto pela direita, tornou-se o melhor presidente que já tivemos, para ainda vir a ser injustamente acusado, condenado e preso – aprendeu muito neste caminho. E não está mais disposto a distribuir flores para a direita raivosa, dissimulada, hipócrita e manipuladora.

Qual a criança que se lamenta pelo picolé perdido, o texto continua em tom quase etéreo, como se “vida, liberdade e democracia” fossem uma aquarela na parede, e não valores imprescindíveis sendo espancados diariamente pelo desgoverno eleito através do silêncio conivente de muitos (alguns assinantes do tal manifesto) sobre um candidato que fazia apologia ao estupro, defendia a liberação de armas e vociferava contra a maioria – sim, porque a soma das “minorias” é a maioria do povo brasileiro: negros, homossexuais, mulheres e petistas.                                          

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E é preciso mais uma vez lembrar a tudo que foi preciso fazer vistas grossas para tentar “legitimar” uma eleição fraudulenta: a retirada ilegal de direitos de Lula, a festa das fake news, a ausência injustificada de debates que pudessem expor ideias e qualificação dos candidatos – a facada fake e o “desconforto” com a bolsa de colostomia não impediram Bolsonaro de levantar uma taça de 18 kg em vitória futebolística, ou de passear entre torcedores e jogadores nas comemorações. E a grande mídia nunca questionou isso como deveria, e ainda tentou mostrar Bolsonaro e Haddad como dois lados da mesma moeda...

Claro que podemos considerar que, hoje, para derrubar o fascismo vale tudo. Será!? É bem compreensível a necessidade urgente de sair do ponto em que estamos. As propostas de união utópica que conseguem furar a barreira da mídia corporativista são, porém, apenas as que seguem os seus termos. Foi assim com as Diretas Já... e vejam só aonde viemos parar. O principal problema é que o texto carece até de direcionamento. Alguém pode garantir para onde se dirige este ônibus, afinal? Será mesmo para o fim do fascismo, ou talvez uma versão mais tolerável dele? Se não fosse a menção a uma crise sanitária, e as citações ao Brasil, e aos brasileiros, a redação poderia servir para muitos outros povos e épocas diferentes. Isso diz alguma coisa. E, se a proposta é colocar-se contra o fascismo, é preciso mostrar coragem, posicionar-se decididamente, coisa que os parlamentares de esquerda têm feito, dia após dia (então é injusto colocar esquerda e direita como iguais no mesmo barco, percebem?). Não houve a coragem sequer de um “Fora Bolsonaro”, de apontar o dedo para o projeto de ditador que, com sua incompetência e insensibilidade, acelera e promove a morte de tantos brasileiros.

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O texto quase diz algo que realmente importa ao declarar a exigência “que nossos representantes e lideranças políticas exerçam com afinco e dignidade seu papel diante da devastadora crise sanitária, política e econômica que atravessa o país”. Mas, ao não direcionar a mensagem a quem de fato a merece, a tornam vazia. A que lideranças se refere? Não cabia a Lula assinar isso, como legítimo líder político. Não ele, que tem colocado sua vida, sua liberdade e de sua família em risco,  dirigir-se de forma quase chorosa aos artífices de nossa desgraça diária. Portanto, além de não ter clareza sobre a quem se dirige, o tom do manifesto é um problema. Ao não se arriscar a ser contundente, torna-se quase uma súplica. Alguém acredita que o torturador se deterá diante de uma súplica? Pois é neste ponto em que estamos, sendo alvo de uma tortura coletiva. Nada que a homenagem a Brilhante Ustra na votação do golpe contra Dilma já não tenha anunciado...

Os que assinaram o manifesto, porém, não merecem nenhuma condenação. Entre seus signatários há algumas personalidades que já declararam amplamente sua vontade autêntica de mudar o que aí está, e têm feito, com suas histórias de vida e declarações pessoais, participações valorosas na busca de resgate da democracia. A questão é que cada um que assina deve ter consciência da sua identidade e da sua responsabilidade com o que defende. Lula, justo por ser quem é, não se permitiu a um ato que o tornaria, como disse em momento de indignação, “maria vai com as outras”. Ele, Lula, não seria correto com todos que acompanharam e acompanham a luta ao seu lado, ou com o Partido dos Trabalhadores, se colocasse sua assinatura ali.

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Mas com isso acusam Lula de privilegiar um projeto de poder, ou de não perceber que o PT teria perdido forças para, sozinho, ser a proposta de futuro para o país. Além de retomarem, claro, aquele blablablá de corrupção, que já está escancarado com a simples evidência de quase nenhuma  investigação ou punição que envolva outros partidos (Aécio e Temer são as principais testemunhas disso), e do posicionamento pouco imparcial de muitos que participaram de processos legais (principalmente promotores e juízes) contra petistas...

Talvez o PT não tenha conseguido, ainda, liderar a derrubada do tabuleiro, mas sem ele não haverá um somatório de forças que determine a imediata restituição da democracia. O partido, é certo, nunca teve projeto de poder, mas sim de governar para o povo brasileiro, caso contrário teria aparelhado a Polícia Federal (como está fazendo Bolsonaro) e não dado a ela mais autonomia. Até mesmo a forma extremamente republicana de Lula escolher novos ministros para o STF, altamente criticada por todos aliados, que ratificava o primeiro da lista de indicações, demonstrou isso. Ingenuamente, Lula, o PT e quase toda a esquerda (me incluo nisso) acreditaram que as “regras do jogo democrático” serviam para todos. Mas agora Lula mostra que mudou, que não aceitará mais se submeter (e aos seus apoiadores) a estas regras, como peça no jogo alheio... 

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Por mais que a mídia corporativa tenha tentado destruir o PT – com a ajuda das fake news-, ele é ainda o maior e mais respeitado partido de esquerda brasileiro. Falta, à direita limpinha e cheirosa, e até a muita gente da esquerda, fazer o seu mea culpa. O PT, que foi e é a esperança do Brasil, como disse a Presidenta do partido Gleisi Hoffmann na reunião digital recente, precisa ser reconhecido como uma das principais forças contra o fascismo. Quem acredita que devemos buscar a mais profunda união social para sairmos do imenso buraco em que estamos devia começar a luta por aí... Não adianta falar sobre maturidade política, ou exigi-la dos outros, se não formos capazes de encarar – e curar – as feridas infringidas nas camadas mais profundas do tecido social. Não é com um band aid bonitinho de um texto supostamente bem-intencionado que se vai curar as pernas fraturadas de nossa democracia.

Por fim, um manifesto que pretenda ter a força de unir esquerda e direita – e respeite a política - deveria ter sido articulado através de um debate com representantes dos principais partidos políticos. Do contrário, não passa de uma peça publicitária, que pode servir mais tarde para glorificar alguém. 

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A polêmica levantada por Lula é muito saudável, e mostra que faltou consistência, honestidade e maturidade à proposta, feita em modelo um tanto “global” ou, para ser mais clara, superficial – por isso está sendo amplamente aceita pela mídia golpista. A pergunta que fica no ar é: a que intenções ela serve, além de fazer uma defesa pífia do estado democrático? Quero lembrar, em especial, que o respeito à política envolve o respeito por um dos mais importantes partidos trabalhistas  do mundo – e por seu líder. Nossa democracia está – e estará – incapaz de se recuperar enquanto não for restituído o respeito devido ao PT e a Lula.

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