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Giselle Mathias

Advogada em Brasília, integra a ABJD/DF e a RENAP – Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares e #partidA/DF

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Marias 2

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Os anos se passaram e Maria A vivia em seu casamento como a maioria das mulheres, cuidando dos filhos, trabalhando o suficiente para não atrapalhar a sua dedicação a vida doméstica e cedendo às vontades e desejos do marido; quanto mais ela nos contava da sua rotina, mais eu me via nela, lembrava do meu casamento, o quanto cedia e me anulava, mesmo que eu não percebesse aquela dinâmica, afinal, somos bem treinadas para colocarmos nossos anseios e potências em segundo plano, para que o marido e os filhos prosperem em suas vidas e realizem seus sonhos.

Sua história era a repetição de tantas outras, ouvíamos com atenção, mas era quase como se ela estivesse ali contando a história da minha vó, da minha mãe, a minha própria, a das minhas amigas e de todas que nos antecederam e de muitas que nos sucedem hoje. Aquele momento em que riamos e nos divertíamos, ironizando o comportamento padrão conquistador do masculino, dera espaço para uma certa tristeza, porque percebíamos o quanto é difícil tentarmos uma vida real e verdadeira, o quanto a sociedade em que vivemos nos exige uma certa falsidade, um viver superficial e sem conexões, uma aparência que nada reflete da nossa essência.

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Maria A continua sua história e nos revela que dos 40 anos de casamento passara 15 sem que ela e seu marido tivessem conexão sexual, não havia nem mesmo uma troca de carinhos. Ele não a tocava mais, e ela se silenciou; apenas observava as várias mulheres com quem ele se relacionava, percebia os telefonemas, as saídas, a proximidade que ele fazia questão de mostrar, inclusive, com as funcionárias que trabalhavam em sua casa.

Um dia acordara no meio da noite e percebera que seu marido não estava deitado ao lado dela na cama, tentou voltar a dormir, mas o tempo foi passando e nada dele retornar. Decidira se levantar e ir a sala de televisão para ver se estava tudo bem, mas não o encontrou. Foi na varanda e nada dele por lá também. A angústia e desconfiança começaram a brotar em seu peito.  Entrou na cozinha e se aproximou da dependência dos empregados, ouviu os gemidos e a voz de seu marido se deleitando no corpo da jovem funcionária contratada para o trabalho de limpeza da casa.

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Ela nos falou sobre a raiva e humilhação que sentira por ser traída em seu próprio lar, do asco que passou a ter daquele homem que não só a desrespeitava como também aos filhos que ainda residiam com eles, e que abusava daquela moça que estava em uma posição mais subjugada do que a dela como mulher, se condoeu e naquele instante se solidarizou com a jovem, porque percebera sua posição vulnerável.

Devo dizer o quanto admirei Maria A, a sensibilidade dela, sua percepção de mundo e a consciência da situação que vivera, apesar de toda dor que o seu marido lhe causara. Ela não culpou a jovem funcionária, sabia o quanto ela precisava daquele emprego para ter o mínimo de sobrevivência em uma sociedade tão desigual; com o salário que recebia pagava o aluguel, comprava o básico da dispensa e remunerava a vizinha para olhar seus dois filhos durante a semana, além das duas noites que precisava dormir na casa de Maria A, para receber um extra e poder comprar roupas e calçados para as crianças. Ela sabia da fragilidade daquela mulher e que seu marido se aproveitara disso para se regozijar do seu poder, lambuzar-se no seu desejo de macho envelhecido quase como um vampiro sorvendo a juventude da funcionária.

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Percebi o que nos une enquanto mulheres e o que ela tinha em comum com sua funcionária. 

Maria A decidiu que permaneceria naquele casamento, já tinham se passado quase 30 anos de união, e não iria naquele momento, renunciar a seu padrão de vida, dividir o patrimônio, esquecer as viagens e as joias que ele lhe dava, imaginando compensar toda a dor e sofrimento que lhe causava, como se os bens materiais pudessem apagar a deslealdade e falta de respeito que agia com ela, e com todas as mulheres com as quais havia se relacionado usando-as como mercadorias.

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Sei que muitos irão discordar de mim e de Maria A sobre a perspectiva aqui apresentada, mas se refletirmos como somos construídos e moldados, como nossos afetos e comportamentos são pautados por um modelo de padrões de beleza, sucesso, consumo, aparência de felicidade e realização talvez percebamos o quanto somos escravos e como nos deixamos ser abusados e violentados em nossa humanidade, por um sistema que nos faz crer que tudo pode ser mercantilizado e que todos nós temos um preço em troca de algo que se apresenta muitas vezes como uma farsa.

A saída que Maria A encontrou para se realizar, superar suas dores e possivelmente até mesmo se vingar daquele que a tratou com desdém, mentiras e a fez viver uma farsa foi a de, assim como ele, ter seus amantes, sair e se divertir com as amigas ou até mesmo só. Ela decidira, simplesmente, viver! 

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