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Eric Nepomuceno

Eric Nepomuceno é jornalista e escritor

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Meninos, eu vi...

"O que não deveria haver é espaço para que os fardados da ativa sejam de tal forma conspurcados pelos empijamados capazes de qualquer coisa para manter seus penduricalhos", escreve o jornalista Eric Nepomuceno

(Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil/Fotos Públicas)
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Por Eric Nepomuceno, para o Jornalistas pela Democracia 

Em 1964 o primeiro de abril – dia da mentira – caiu numa quarta-feira. Eu tinha 15 anos da idade. Morava em São Paulo desde 1962.         

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Logo cedo fui avisado que não haveria aula: tinha começado a Revolução.

Foram, então, duas mentiras. A primeira: chamar golpe de Estado de Revolução. A segunda: chamar de Revolução de 31 de março. Na verdade, o golpe foi no dia da mentira.

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Sem saber nada disso, meu pai, o físico Lauro Xavier Nepomuceno, tinha ido até Brasília justo no 31 de março, para cumprir uma tarefa específica: era ele o único autorizado na América do Sul pelo fabricante dos aviões Viscount a fazer o exame de ultrassom das junções das asas, e daquela vez iria examinar justamente o avião presidencial. Chegou ao hangar oficial, foi detido, levado para ser interrogado e devolvido a São Paulo.

Essa é a memória um tanto vaga que tenho daqueles dias. Já do que veio depois a memória é bastante mais ampla e sólida.

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Lembro, por exemplo, de como foi, aos 17 anos, começar a trabalhar em jornal. Recordo os rumores de prisões arbitrárias, a aposentadoria compulsória não apenas de professores universitários (muitos deles amigos de meu pai, frequentadores da nossa casa) mas também de militares  que não se somaram aos golpistas.  

Lembro como se fosse hoje da sexta-feira 13 de dezembro de 1968, quando o país inteiro foi paralisado pelo Ato Institucional número 5, o fatídico AI-5.

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Foi um radical divisor de águas: o país que tinha dormido agitado na noite anterior acordou para entrar num pesadelo tenebroso. Aos meus 20 anos, nem nos meus piores presságios pude imaginar o que viria.

Não vou me estender relembrando prisões arbitrárias, sequestros, torturas, violações – também de homens, mas principalmente de mulheres – e assassinatos. Tampouco recordar como era trabalhar em jornal com um cão censor dizendo o que podia e o que não podia ser publicado.

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Em março de 1973 fui, por decisão própria, para Buenos Aires. Lá, comecei a publicar no influente jornal La Opinión e também na revista mensal Crisis (a mais importante publicação cultural latino-americana daquela época, dirigida por Eduardo Galeano).  

Resultado: virei inimigo da pátria. Dia desses, relendo o dossiê que o DOPS de São Paulo preparou a meu respeito, recordei que escapei por um triz de ser preso nas minhas velozes e muito ocasionais vindas ao Brasil.

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Para que os que não viveram aqueles tempos de breu tenham uma rápida ideia do que era a censura, conto que em 1974 um de meus irmãos (sou o mais velho da família) foi me visitar em Buenos Aires. Aproveitou para viajar até Mendoza: queria conhecer os Andes.

Assim que foi identificado como brasileiro, viu gestos de repúdio e vozes de alerta: “Meninguitis! Meninguitis!”, gritavam os argentinos. Foi quando ficamos sabendo que havia um gravíssimo surto de meningite no Brasil: os jornais foram impedidos pela censura dos militares de noticiar.

Em julho de 1976, pouco mais de três meses depois do golpe militar na Argentina, tive que fugir de lá. Só voltei ao Brasil de vez em julho de 1983, depois de dez anos e quase meio fora. Vi a trôpega retomada da democracia, vi tudo que aconteceu de lá para cá: o golpe institucional contra Dilma Rousseff, vi um ladravaz usurpar a poltrona presidencial, vi tudo que todo mundo acompanhou.

E vi também como os militares conseguiram, ao longo do tempo, recuperar parte da sua imagem junto aos brasileiros.

E o que vejo agora é assombro puro: um clima de tensão crescente, com base em arroubos demenciais, e as fardas que bem ou mal tinham sido lavadas e passadas surgindo cada vez mais borradas, mais imundas.

Não cabe aqui discutir se há ou não espaço para o golpe anunciado duas vezes por dia. O que não deveria haver é espaço para que os fardados da ativa sejam de tal forma conspurcados pelos empijamados capazes de qualquer coisa para manter seus penduricalhos.  

Também não cabe gritar “Golpe, não!”. O golpe já foi deslanchado. Resta ver até onde ele vai.

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