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Leonardo Boff

Ecoteólogo, filósofo e escritor. Escreveu Ecologia: grito da Terra, grito dos pobres, Vozes 1995/2015; em espanhol por Trotta, Madrid 1996, Dabar, México 1996

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Merecemos ainda continuar sobre a Terra?

A cultura do capital nos fez individualistas, consumidores e nunca próximos e cidadãos com direitos, escreve Leonardo Boff

(Foto: NASA)
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Por Leonardo Boff 

(Publicado no site A Terra é Redonda)

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Reparando a situação da humanidade, da Terra viva, de seus ecossitemas, das relações entre as nações se guerreando militar ou economicamente, na África tribos se matando, cortando braços ou pernas, uma superpotência como a Rússia massacrando todo um povo parente, florestas sendo devastadas como na Amazônia e no Congo… Quando acompanho os relatórios científicos de climatólogos dizendo que já passamos o ponto crítico do aquecimento e que não haverá mais retorno e que nem a ciência a tecnologia não nos poderão mais salvar, apenas nos prevenir e finalmente dizem radicalizamos o anntropoceno (o ser humano é a grande ameaça à vida, estamos na sexta extinção de vidas), passamos pelo necroceno (morte em massa de organismos vivos) e chegamos agora ao piroceno (a era do fogo na Terra), talvez a fase mais perigosa para a nossa sobrevivência.

Os solos perderam sua umidade, as pedras se superaqueceram e folhas secas e gravetos começam a deslanchar incêndios pavorosos como ocorreu em 2022 em toda a Europa, até na úmida Sibéria, na Austrália, na Califórnia e especialmente na Amazônia. E mais ainda, quando vejo que os chefes de Estado e os dirigentes das grandes empresas (CEOs) ocultam tais dados ou não lhes dão importância para não prejudicar os negócios, estão cavando a sua própria sepultura.

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Pior ainda quando a OXFAM e outros organismos nos mostram que apenas 1% da população mundial controla praticamente todo o fluxo das finanças e que possuem mais riqueza que mais da metade da população mundial (4,7 bilhões) e que no Brasil, segundo a revista Forbes, 318 bilionários possuem grande parte da riqueza em fábricas, terras, investimentos, em holdings, em bancos etc. num país no qual 33 milhões passam fome e 110 milhões se encontram em insuficiência alimentar (comem hoje e não sabem o que comerão amanhã ou depois) e milhões de desempregados ou na pura informalidade, nos vem logo a irrefreável interrogação: nós humanos, somos ainda humanos, ou vivemos na pré-história de nós mesmos, sem termos nos descoberto como co-iguais, habitantes na mesma Casa Comum.

Com todas estas desgraças das quais ele, em grande parte, se fez responsável, merece ainda viver sobre este planeta? Ou a Terra mesma, possui sua estratégia interna, como o coronavírus revelou: quando uma espécie ameaça demasiadamente todas as outras, ela dá um jeito de diminuir o seu furor ou mesmo eliminá-la para que as outras possam continuar a se desenvolver sobre o solo terrestre.

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É nesse contexto que lembro a frase de um dos maiores brasileiros de nossa história, o Betinho que muitas vezes em conferências dizia: o problema maior não é econômico, não é político, não é ideológico, não é religioso. O problema maior é a falta de sensibilidade do ser humano com para com seu semelhante que está a seu lado. Perdemos a capacidade de termos com-paixão para com quem sofre, de estender a mão a quem pede um pedaço de pão ou um lugar para dormir em época de chuva torrencial.

A cultura do capital nos fez individualistas, consumidores e nunca próximos e cidadãos com direitos, muito menos nos concede sentir que somos irmãos e irmãs de fato por termos os mesmos componentes físico-químicos iguais em todos os seres vivos, também nos humanos.

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Houve alguém que há mais de dois mil anos passou entre nós nos ensinando a viver o amor, a solidariedade, a compaixão, o respeito e a reverência face à Suprema Realidade, feita de misericórdia e perdão, e, por causa destas verdades radicalmente humanas foi considerado um inimigo das tradições religiosas, um subversivo da ordem ética do tempo e acabou assassinado e levantado no alto da cruz, fora da cidade que era símbolo de maldição e do abandono de Deus. Ele suportou tudo isso em solidariedade para com seus irmãos e irmãs.

Até hoje sua mensagem permanece, embora, em grande parte foi traída ou espiritualizada para desvitalizar seu caráter transformador e manter o mundo assim como está com seus poderes e infernais desigualdades. Mas outros, poucos, seguiram e seguem seus exemplos, sua prática e seu amor incondicional. Muitos desses por causa disso conhecem o mesmo destino dele: a calúnia, o desprezo e a eliminação física. Mas é por causa desses poucos, creio eu, que Deus ainda se segura e não nos faz desaparecer.

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Mesmo com essa crença, diante deste quadro sombrio me vem à mente as palavras do livro do Gênesis: “O Senhor viu o quanto havia crescido a maldade dos seres humanos na terra e como todos os projetos de seus corações tendiam unicamente para o mal. Então o Senhor se arrependeu de ter criado os seres humanos na terra e ficou com o coração magoado. Então o Senhor disse: vou exterminar da face da terra o ser humano que criei e com ele os animais, os répteis e até as aves do céu, pois estou arrependido de tê-los feito” (Gn 6,5-7).

Estas palavras, escritas há mais de 3-4 mil anos atrás, parecem descrever a nossa realidade. Colocados no jardim do Éden (a Terra viva) para guardá-lo e cuidá-lo, o ser humano se fez sua maior ameaça. Não bastava ser homicida como Caim, nem etnocida com a exterminação de povos inteiros nas Américas e na África. Fez-se ecocida, devastando e desertificando inteiros ecossistemas. E agora irrompe como biocidas, pondo em risco a vida da biosfera e da própria vida humana.

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Aqui cabe citar os relatórios científicos de uma grande jornalista norte-americana Elzabeth Kolbert. Após escrever o premiado livro A sexta extinção em massa: uma história não natural, acaba de publicar O céu branco: a natureza do futuro (ambos pela Intrínseca). Nele descreve as tentativas desesperadas dos cientistas para evitar o desastre total como efeito do aquecimento global, pois cresce dia a dia; só em 2021 foram lançadas na atmosfera 40 bilhões de toneladas de CO2. Estes cientistas propõem com a geoengenharia bloquear em grande parte o sol para que deixe de aquecer o planeta. O céu ficará branco. Quais seriam tais consequências, especialmente para a biosfera, para a fotosíntese e de tudo o que depende do sol? Por isso essa tecnologia é questionada. Criaria amais problemas do que aquele que quer solucionar.

Termino com a observação de um dos maiores naturalistas Théodore Jacob que escreveu um livro inteiro exatamente com esse título: E se a aventura humana vier a falhar. A base de sua suposição é a terrificante capacidade destrutiva dos seres humanos, pois “eles são capazes de uma conduta insensata e demente; pode-se a partir de agora temer tudo, tudo mesmo, inclusive a aniquilação da raça humana”.

Sou um pessimista esperançado. Pessimista face à realidade perversa sob a qual vivemos e sofremos. Esperançado porque creio que o ser humano pode mudar a partir de uma nova consciência e no Criador que desta crise e eventualmente de uma ruína pode construir ou tipo de seres humanos, mais fraternos entre si e respeitosos da Casa Comum.

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