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Ricardo Mezavila

Escritor, Pós-graduado em Ciência Política, com atuação nos movimentos sociais no Rio de Janeiro.

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Mesmo a tristeza da gente era mais bela...

Não tem como dimensionar as verdades nas frases dessa sua música, são proféticas. Vivemos tempos de pandemia, a pior de todas, porque no Brasil não fomos atacados só pelo vírus, mas também por um genocida psicopata que passa o dia abrindo túmulos. A infeliz assimetria é que o vírus nos pegou de surpresa, mas o genocida foi opção e poderia ter sido evitado

A efeméride do dia para nós, cariocas suburbanos banhados em Ipanema, frequentadores de botequins, cachaceiros, amantes da cerveja e do chopp, que arranham no violão e escrevem poesia, não pode ser outra: Há quarenta e um anos, em 1980, morria Vinícius de Moraes! 

Desde então, Poetinha, a vida transcorreu como sempre, uma estrada cheia de curvas perigosas, de paisagens desbundantes, bares & bares, Arpoador, Pedra do Sal, biricutico, Buchanan's, Pão-de-Açucar, Cristo, Maracanã, Quinta, Aterro, Santa Teresa, Mosteiro, Diabo, Gamboa, Lapa, Praça Onze, Portela, Cinelândia, toda a coisa que a boemia curte nos intervalos entre o sol e a lua. 

Dentre as coisas que perduram desde sempre, Poeta, é o nosso Botafogo, paixão masoquista que não se explica, é um sentimento estranho onde, no lugar do sofrimento, brilha o orgulho. 

A nossa famosa garota nem sabia, a que ponto a cidade turvaria, esse Rio de amor que se perdeu/ Mesmo a tristeza da gente era mais bela...   

Não tem como dimensionar as verdades nas frases dessa sua música, são proféticas. Vivemos tempos de pandemia, a pior de todas, porque no Brasil não fomos atacados só pelo vírus, mas também por um genocida psicopata que passa o dia abrindo túmulos. A infeliz assimetria é que o vírus nos pegou de surpresa, mas o genocida foi opção e poderia ter sido evitado. 

Peço perdão, Poeta, em macular sua arte associando ao inominável, mas o distinto é um criminoso que chupa gilete, bebe amoníaco, come botão, ateia fogo no quarteirão, como no Poema Enjoadinho, ainda não saiu do estágio anal do desenvolvimento psicossexual de Sigmund Freud. 

Vinícius de Moraes levava uma vida desregrada, ouvia despudoradamente, os amigos aos berros: Se eu tivesse... se eu tivesse muitos vícios O meu nome... O meu nome era Vinícius. Se esses vícios fossem todos imorais, o meu nome... Era Vinícius de Moraes... 

É, meu amigo, só resta uma certeza/ É preciso acabar com essa tristeza/
É preciso inventar de novo o amor 

Reproduzo o poema Olhe aqui, Mr. Buster, que Vinícius escreveu para um americano que não entendia o porquê dele que, diplomata em Los Angeles, queria voltar para o Brasil, um país subdesenvolvido, deixando para trás os privilégios da civilização e do dólar. 

Olhe aqui, Mr. Buster:  

Está muito certo 

Que o Sr. tenha um apartamento em Park Avenue e uma casa em Beverly Hills. 

Está muito certo que em seu apartamento de Park Avenue 

O Sr. tenha um caco de friso do Partenon, e no quintal de sua casa em Hollywood 

Um poço de petróleo trabalhando de dia para lhe dar dinheiro e de noite para lhe dar insônia 

Está muito certo que em ambas as residências 

O Sr. tenha geladeiras gigantescas capazes de conservar o seu preconceito racial 

Por muitos anos a vir, e vacuum-cleaners com mais chupo 

Que um beijo de Marilyn Monroe, e máquinas de lavar 

Capazes de apagar a mancha de seu desgosto de ter posto tanto dinheiro em vão na guerra da Coréia. 

Está certo que em sua mesa as torradas saltem nervosamente de torradeiras automáticas 

E suas portas se abram com célula fotelétrica.  

Está muito certo 

Que o Sr. tenha cinema em casa para os meninos verem filmes de mocinho 

Isto sem falar nos quatro aparelhos de televisão e na fabulosa hi-fi 

Com alto-falantes espalhados por todos os andares, inclusive nos banheiros. 

Está muito certo que a Sra. Buster seja citada uma vez por mês por Elsa Maxwell 

E tenha dois psiquiatras: um em Nova York, outro em Los Angeles, para as duas "estações" do ano. 

Está tudo muito certo, Mr. Buster - o Sr. ainda acabará governador do seu estado 

E sem dúvida presidente de muitas companhias de petróleo, aço e consciências enlatadas. 

Mas me diga uma coisa, Mr. Buster 

Me diga sinceramente uma coisa, Mr. Buster: 

O Sr. sabe lá o que é um choro de Pixinguinha? 

O Sr. sabe lá o que é ter uma jabuticabeira no quintal? 

O Sr. sabe lá o que é torcer pelo Botafogo? 

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.