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Miguel Paiva

Miguel Paiva é chargista e jornalista, criador de vários personagens e hoje faz parte do coletivo Jornalistas Pela Democracia

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Minha história com Paulo Freire

"Tratava-se de um homem que desejava sincera e simplesmente a felicidade do povo mais pobre – que sofre e vem do mesmo lugar que ele veio. Seu maior sonho estava sempre claro em suas palavras e ações: educar o maior número de pessoas possível para, com isso, diminuir a injustiça social no mundo", escreve o chargista Miguel Paiva sobre sua experiência com o educador Paulo Freire

(Foto: Miguel Paiva)
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Por Miguel Paiva, para o Jornalistas pela Democracia 

(Trecho do livro Memória do Traço de Miguel Paiva com texto e edição de Vitor Paiva).

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Morar em Milão nos oferecia a saudável possibilidade de passar o final de semana em Genebra a uma curta distância. Íamos de carro, em uma viagem maravilhosa de quatro horas de duração, cruzando o Monte Branco por impecáveis estradas de sonho. Em Genebra viviam, em exílio, o cartunista Claudius, meu amigo desde a época do Pasquim, a jornalista e escritora Rosiska Darcy de Oliveira (hoje ocupante da cadeira número 10 da Academia Brasileira de Letras), seu marido, o diplomata Miguel Darcy de Oliveira e o grande educador brasileiro Paulo Freire. Juntos, Paulo, Claudius, Rosiska e Miguel criaram o IDAC – Instituto de Ação Cultural, ligado à educação e alfabetização de adultos e aos direitos e questões da mulher.  

Foi o Claudius quem fez a ponte entre mim e o pessoal do IDAC. Ele costumava se hospedar em minha casa quando ia a Milão, e eu na sua em Genebra. Tanto Rosiska quanto Paulo eram professores na Universidade de Genebra, e Paulo já se encaminhava para se tornar o brasileiro mais homenageado da história, alcançando 41 títulos de doutor honoris causa, em universidades como Harvard, Cambridge e Oxford, nas quais também lecionou.  

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Quem me convidou para participar do trabalho que fariam na África inicialmente foi o próprio Claudius. Paulo Freire estava oferecendo assessoria direta ao novo ministério da educação da Guiné-Bissau, que havia recentemente conquistado sua independência dos portugueses, e estava adotando seu método de alfabetização como sistema de ensino oficial do país.   

Esse apoio oferecido pelo Paulo e o IDAC incluía uma série de workshops e a produção de material didático, principalmente cartilhas de ensino. Era aí que entrava o conhecimento gráfico do Claudius, para o desenvolvimento de ilustrações que utilizassem o humor como veículo de transmissão de conhecimento - não necessariamente através de piadas propriamente, mas priorizando desenhos em estilo leve. A premissa do desenvolvimento dessas cartilhas era justamente tratar assuntos duros, como educação, alfabetização, direitos civis, igualdade entre gêneros, esquerda e direita, de maneira inteligente, moderna, direta e humorada. O trabalho era árduo e extenso, e Claudius então me convidou para dividir com ele o encargo gráfico. Através do método do Paulo, a cartilha forneceria material não só para a alfabetização concreta, como também para estimular o conhecimento da própria história da Guiné, recontada como base para o estímulo à leitura. Era um trabalho que exigiria de mim imersão completa, ao qual com muito orgulho aceitei imediatamente.

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(...)

Paulo atuava como mentor e monitor do processo em todas as estâncias. Sua presença servia também como aval, um selo de qualidade das propostas levantadas ali. Me lembro de sua angústia para segurar o ímpeto de, diante da dificuldade de seus alunos, resolver de antemão as questões do processo pedagógico. Paulo dizia que era fundamental que errassem para que aprendessem de fato - que entendessem por conta própria o processo. No entanto, sua aflição era tremenda.  

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Conhecer e, ainda mais, trabalhar com o Paulo foi uma experiência transformadora. Paulo era um contador de histórias extraordinário, que partiu de uma infância muito pobre em Pernambuco, de miséria e fome absolutas e uma alfabetização muito tardia, para enfim se tornar o maior educador brasileiro – e um dos maiores do mundo. Lecionou e foi premiado nas principais universidades, e era – ainda é – amado e reconhecido em todo planeta. Só mesmo o Brasil que até hoje o destrata.  

Para além da sumidade que era, e do impacto que sua presença provocava, Paulo era um homem muito simpático, que gostava de reafirmar suas raízes culturais nordestinas e a própria vida que viveu, especialmente durante o exílio na Suíça. Sempre muito paternal, adorava reunir pessoas a sua volta, e sua casa em Genebra estava sempre cheia, em clima de celebração. Fizemos por lá um baião de dois em pleno Natal suíço, em 1977, reunindo diversos brasileiros saudosos do país, como eu.   

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Paulo levava a clareza de pensamento, a intuição aguda e a simplicidade contundente que caracterizam seu método para qualquer situação de sua vida. Antes de qualquer premissa política, oferecia uma visão tão humana e generosa das pessoas, que era impossível separar sua presença de seus anseios maiores. Tratava-se de um homem que desejava sincera e simplesmente a felicidade do povo mais pobre – que sofre e vem do mesmo lugar que ele veio. Seu maior sonho estava sempre claro em suas palavras e ações: educar o maior número de pessoas possível para, com isso, diminuir a injustiça social no mundo. Por esse esforço, Paulo foi preso e expulso do país logo em seguida do golpe militar, em 1964 – ficando em exílio até 1980.   

Em paralelo às ambições épicas de seu ofício, Paulo era uma pessoa bastante simples que, por exemplo, adorava o bombom Sonho de Valsa, e sempre pedia aos que iam ou vinham do Brasil que o trouxessem para ele em grandes quantidades. Levar Sonho de Valsa para o Paulo era uma prazerosa tradição entre os que frequentavam a turma de Genebra.

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