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Sylvia Siqueira

Jornalista, ecofeminista e antirracista, é diretora executiva da organização Nossa América Verde

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Mulheres na política para erradicar a cultura do estupro

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O desejo de ser feliz levanta Irene Nzumba da Silva cedinho. Os primeiros raios de sol entram na panela que prepara o almoço do dia. Dá uma geral na casa, rega as plantas. O tempo voa na suposta paz da manhã. Ela se arruma chamando as três crianças. A aula vai começar na mesa da sala, junto com o café, o pão assado e as incertezas agravadas pela pandemia de covid19. 

Tudo pronto. Irene chama a mãe, Chica Nzumba da Silva, para tomar conta da casa porque ela precisa correr atrás do pão de amanhã no comércio da Rua da Imperatriz, no centro do Recife. Salário mínimo suado. O primeiro emprego depois de anos como empregada doméstica. 

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No ônibus lotado, passando pela Avenida Caxangá, ela olha as mensagem de um grupo de mulheres no WhatsApp. E os  olhos dela param no texto: « 70% das mães que deram origem à população brasileira são africanas e indígenas, mas 75% dos pais são europeus. O estupro de mulheres negras e indígenas era padrão na época da invasão europeia». Lembranças recentes vêm à superfície de Irene. Ela sustenta o nó. Engole firme e desliza o dedo na tela. Até que que o sorriso de esperança aflorou. Há um mês mais mulheres de luta, negras, periféricas foram eleitas para defender melhores condições de vida de todas.

A história do Brasil está sendo reescrita pelas mãos das mulheres que ousam lutar nos espaços públicos. Essa ousadia não é valentia. É um grito doído, às vezes abafado, que brota da urgência de salvar vidas. Quanto mais as mulheres ocupam as ruas, são candidatas e eleitas, mais os pilares do sistema tremem, os machistas agonizam na covardia de tentar parar a marcha. A tentativa é em vão. Irene, tu e eu sabemos que já não tem volta atrás.

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Uma ocupação política feminista e negra está em curso. O patriarcado é um sistema perverso. Ele cria uma bolha de segurança fundada em violências físicas, psicológicas, simbólicas. O machismo machuca meninas e mulheres tanto dentro das nossas casas, como nas casas legislativas. O capitalismo aprofunda as dores numa desigualdade abismal. Enquanto o racismo aprisiona os corpos negros e condena a cultura dos terreiros. E ruem nasceu no corre da favela, no morro e nas ruas sabe da urgência de novas representações políticas conectadas com as dores e sabores do cotidiano das mulheres que sustentam esse país em várias casas públicas e privadas.

Irene Nzumba da Silva passou a perceber que tudo é político. Ela ficou horrorizada com a violência vivida pela deputada estadual Isa Penna (PSOL/SP). O dedo tocou uma ferida recente em Irene, e doeu profundo quando ela pensou nas suas duas filhas. Ela chorou junto com Isa Penna quando o Presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, Cauê Macris (PSDB), negou-se a exibir o vídeo que comprova o assédio durante sessão do Plenário. O Regimento da casa legislativa encobre a covardia que alimenta, sistematicamente, a cultura do estupro, representada no assédio do agressor Fernando Cury, deputado estadual do Cidadania/SP. 

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Quando uma mulher é violentada, todas sentimos. É físico, é emocional, toca o espiritual. O medo é constante, até mesmo porque o sistema de proteção, muitas vezes, é conivente. Não se muda uma cultura de dominação do dia pra noite, mas se muda todos os dias, em todos os momentos que a gente grita, denuncia, se reconhece na outra, se solidariza na luta contra todas as formas de violência contra as mulheres e as pessoas LGBTQIA+. A eleição de mulheres de luta escancara as dores e os agressores, bem como as falhas de um sistema político falido de representação ativa.

As mulheres de luta eleitas são uma parte da evolução humana em curso. Irene Nzumba da Silva sentiu a esperança brotar nas eleições deste ano. Dani Portela, Liana Cirne, Tainá de Paula, Duda Salabert, Ana Lúcia Martins e muitas outras são essa primavera. Elas estão entre as 9.196 vereadoras eleitas em 2020, contra 48.265 vereadores. As mulheres representam 16% de vereadoras, sendo 52% do eleitorado e 51,8% da população brasileira. A missão é desafiar o patriarcado colonizador, racista e capitalista até que todas sejamos livres. 

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Elas vão sem medo de ocupar a política com responsabilidade histórica, pois sabem que todas já vivem sob o terror das múltiplas violências. E cada mulher de luta eleita, principalmente as feministas negras, são o pior pesadelo dos machistas. O caminho delas não é fácil. Mas estão seguras porque a caminhada vem de longe, das que vieram antes, e seguirá na consciência do amor que cuida, engaja e se torna elo pulsante da revolução por uma política ética, responsável e comprometida com a reparação histórica. 

E quem sabe Irene Nzumba da Silva seja nome completo estampado na história das eleitas nos próximos anos, enquanto isso, ela vibra com as denúncias de violência, educa suas crias para o respeito entre os gêneros, ocupa as ruas e redes sociais em defesa da vida de todas.

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