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Reimont Otoni

Deputado federal (PT-RJ), vice-líder do PT na Câmara e membro da Comissão de Trabalho

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Não podemos olhar para o outro lado

A criminalização da pobreza é o centro do discurso fascista, que avança a cada dia. O nosso dever é denunciar e combater esse avanço em todas as frentes

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Há alguns meses, em uma publicação que fiz aqui no Facebook, sobre o deslizamento na encosta da Ladeira do Leme, uma pessoa comentou acusando os moradores das favelas de responsáveis pela tragédia, apesar de não haver qualquer área com essas características nas proximidades do local. Cheia de injustificável ódio, essa pessoa xingou todos os moradores e moradoras de comunidades pobres de “porcos, imundos, animais”. Tentei argumentar que o lugar não tinha favela, mas que é dessas comunidades que sai a força de trabalho que faz o nosso pão, cuida das nossas crianças, prepara o nosso alimento, limpa a nossa casa, recolhe a sujeira lançada nas ruas, atende nas lojas e supermercados, alegra as nossas noites musicais, sustenta os serviços das casas das classes média e abastadas, move a economia da cidade, do estado e do país. De nada adiantou... ela continuou a chamá-las de “sujos, porcos e animais”, como se não fossem gente, como se não tivessem direitos, como se não fossem humanos.

De onde nasce esse ódio? Como germina essa intolerância? Neste domingo, 04 de agosto, reflito sobre essas emoções que hoje se espalham como ervas daninhas em nossa sociedade. Aonde irão levar a nossa comunidade brasileira? Qual o tamanho e a extensão desta fenda social que se alastra e se aprofunda? Por que tudo isso está acontecendo?

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Falo como uma pessoa que tem dedicado a vida a entender as questões humanas, desde as suas dimensões espirituais às necessidades e direitos básicos de existência. E, nessa reflexão, tenho tentado compreender as raízes desse ódio profundo e explosivo. Acredito que, para a grande maioria, a chamada grande massa, elas misturam tanto o desalento e o medo, como a competição, a desconfiança, a desesperança, o individualismo e a necessidade de ter um oponente, um inimigo, mesmo que ilusório, a combater, como em uma vingança pessoal. É o sentimento encontrado, por exemplo, em linchamentos, em espancamentos coletivos.

Mas o que insufla e dá chama a essa fogueira que nos queima socialmente é um discurso muito bem traçado, por vezes invisível, e que, lentamente, vai dando corpo a esse inimigo ilusório. Hoje, com imensa tristeza, penso que o inimigo que atrai o ódio e a intolerância é a grande população de empobrecidos e excluídos da sociedade. Vejo mesmo pobres odiando pobres, debochando da fome como se ela não existisse (foi o que disse o presidente, não?), pregando projetos de mais e mais exclusão, atacando políticas públicas de inclusão social, acreditando nas mentiras da meritocracia e do empreendedorismo, entre as tantas que são disseminadas em enxurradas das ditas fake news.

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O problema da população em situação de rua vem nesse caminho. O assassinato de duas pessoas por um morador de rua fez brotar a ideia de que todos os mais de 15 mil moradores de rua do Rio de Janeiro são assassinos, de que todos são dependentes químicos, de que todos são como praga, “animais” não-merecedores de direitos.

Muitos me dizem, em deboche, “leva pra casa”, como se não soubessem que não tenho essa possibilidade. Outros clamam por uma punição generalizada, mal disfarçando o desejo de que uma “solução final” faça “essa gente” desaparecer, por bem ou até por mal, se preciso.

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Eu pergunto: quando um morador de bairro nobre mata uma pessoa, alguém acha que toda a população do bairro é culpada? Quando um membro de uma igreja tem um surto, alguém grita que todos os membros da igreja devem ser punidos? Quando um empresário dependente de drogas comete um crime, alguém defende que todos os empresários da cidade sejam compulsoriamente internados?

Mas, envolta na intolerância, parte da população se deixa levar, abandonando a racionalidade , a compaixão e o respeito às pessoas. É típico do fascismo. Não podemos esquecer que, na Alemanha nazista, a “solução final” dos fornos crematórios, câmaras de gás e fuzilamentos que assassinaram de mais de 11 milhões de pessoas foi construída pela sistemática e lenta disseminação do discurso oficial de ódio contra judeus, ciganos, doentes mentais, deficientes físicos, comunistas, homossexuais, socialistas e não-arianos, eleitos como os inimigos ilusórios de então. Também esses grupos foram chamados de “sujos, porcos e animais”.

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Minha reflexão deste domingo tem grande proximidade com a tragédia histórica do nazismo. Há 75 anos, em 2 de agosto de 1944, quando a derrota de Hitler se aproximava, os nazistas assassinaram os cerca de 4.300 ciganos que sobreviviam no campo de concentração de Auschwitz-Birkenau. Atualmente, o campo é patrimônio mundial, transformado em um monumento contra o ódio e a intolerância. Naquele local, na última sexta-feira, parentes e amigos das mais de 1,5 milhão de pessoas ali sacrificadas reverenciaram a memória dessas vítimas. Até hoje a Alemanha sofre por esse legado trágico, como a lembrar de que o fascismo corrói e corrompe os seus defensores, pelo embrutecimento, pela desconstrução do sentido de humanidade.

Hoje, a criminalização da pobreza é o centro do discurso fascista, que avança a cada dia. O nosso dever é denunciar e combater esse avanço em todas as frentes.

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"Peço perdão, em nome dos cristãos que, confrontados com uma pessoa pobre, olham para o outro lado" – Papa Francisco

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