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Paulo Moreira Leite

Colunista e comentarista na TV 247

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No ar, ruinas da democracia americana

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Minha experiência no jornalismo cultural sempre me auxiliou a refletir sobre a cultura de massa. Filmes, seriados e romances podem nos ajudar a compreender as angustias de nosso tempo, desde que tenham apoio num enredo envolvente, com base em personagens bem construídos, capazes de criar uma certa empatia – sem isso ninguém aguenta. Outro ponto essencial é uma noção clara do próprio contexto histórico.

Sou um espectador incansável de “House of Cards” e “Homeland”. Quem assistiu ou está assistindo essas duas séries exibidas pelo Netflix sabe do que estou falando. São produções bem realizadas, que prendem a atenção a partir de roteiros bem articulados -- e atores de competência inegável.
O horizonte de ambas é a América dos dias de hoje. House fala da política americana e Homeland tem como pano de fundo a guerra do Iraque. Na Paz ou na Guerra, o fio condutor dos dois seriados é o mesmo -- os escombros da democracia nos Estados Unidos. O cidadão não tem poder nenhum sobre o que acontece com seu país.

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Muitas pessoas gostam de identificar o personagem principal de House of Cards como um político sem escrúpulos, às voltas com operações condenáveis e logo faz associações com uma visão de fundo moral com a política brasileira. Discordo. House of Cards vai atrás do dinheiro das grandes corporações que move a política nos Estados Unidose e na maior parte do mundo. Nos primeiros episódios, você pode até achar que o protaganista é um patife sem escrúpulos e que a história se resume a isso. Nos capítulos seguintes, fica claro que não passa de um espertalhão mais habilidoso do que os outros, que entendeu melhor as regras de um jogo que está muito acima de sua competência. O que se descreve, ali, é o funcionamento da vida pública dominada pelas contribuições de empresas privadas que patrocinam campanhas eleitorais, anomalia que atinge um nível grotesco nos Estados Unidos – que o seriado descreve muito bem, sem perder a graça nem o suspense.
As grandes obras da cultura de massa, tradicionalmente, se destinaram a testar e confirmados os valores de uma sociedade -- o amor a verdade, a transparência nos negócios do Estado, os direitos individuais, a própria democracia. O que se vê nos seriados são versões de uma situação de ruína histórica. O ponto de partida é que os antigos valores não valem mais e o espaço público transformou-se num salve-se quem puder.
A barbárie que antes era mais fácil aceitar nas ficções científicas está no centro das atitudes e dos acontecimentos de histórias em que as pessoas se vestem como nós, falam como nós e até transam da mesma maneira – em ambas, vale registrar, as mulheres também tomam iniciativa.

Em Homeland, a única personagem capaz de mover-se por convicções legítimas e sentimentos que nós definiríamos como humanos é uma agente da CIA que sofre de alucinações e não mantém o equilíbrio mental sem ingerir muito remédio. Num narrativa onde a tortura é exibida com frequencia, sob várias formas – naquele período histórico, ela fora legalizada por decreto de George W Bush – ela é capaz de dizer “nós não fazemos isso” quando recebe a sugestão de avançar com violência sobre um prisioneiro.
Em House of Cards, não há sequer um personagem equivalente. Quem mais se aproxima dessa situação, talvez, seja um pequeno bandido de gueto que se regenerou como cozinheiro de costelas de porco servidas ao protagonista. E só.
Um dos sintomas mais fortes dessa estranha sintonia entre o que se vê na tela e aquilo que ocorre na vida real é a facilidade com que os dois seriados atraem e envolvem quem assiste. São situação que deveriam causar estranhamento mas auxiliam no envolvimento. Reforçam a sensação de que são puro reflexo da realidade – e isso, quando a série termina, é o mais preocupante. Não há heróis de verdade. O melhor que o destino reserva as pessoas é a sobrevivência.

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