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Miguel Paiva

Miguel Paiva é chargista e jornalista, criador de vários personagens e hoje faz parte do coletivo Jornalistas Pela Democracia

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No condomínio

Confira a crônica do Cartunista e ilustrador Miguel Paiva:

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- Adalberto, será que a gente podia conversar?

- Já vou, amor. Estou postando aqui no twitter.

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- Estou querendo conversar com você faz tempo.

- Traz uma cerveja pra gente conversar na boa.

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-  Não vou trazer cerveja nenhuma, Adalberto. Senta Aqui.

-  Nossa, vocês mulheres, hein...agora se acham, né?

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-  Não acho nada, só queria conversar.

- Tá bom, vai diz.

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- Mas presta atenção, Adalberto, larga desse celular.

- É meu grupo lá de Brasília.

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- Esquece o grupo e foca aqui em mim.

- Tô focado.

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...

- Quero me separar de você.

- Ah, Elzinha, pra isso que você me tirou do celular? Dá um tempo.

- Quero me separar, Adalberto e estou te dando a chance de conversar antes.

- Está me dando uma chance? Como é isso?

- Se não quiser conversar eu vou embora e pronto. Quer dizer, quem vai embora é você.

- Deixa de merda, Elzinha. Como vou embora? Não sou homem de ir embora.

- Mas a casa é minha. Quem tem que sair é você.

- Mas porquê, meu deus do céu? Somos um casal.

- Éramos um casal, agora somos só você.

- E não dou conta?

- Não, Adalberto. Você não dá conta e suas contas não batem.

- Como assim?

- Cansei dessa sua postura. Quando a gente casou o momento era outro. Nem percebi essas nossas diferenças

- Que diferenças? Você bem que gostava de mim na cama.

- Gostava. Agora nem isso. Difícil gozar com um bolsonarista, que fala mal das mulheres, detesta gays, gosta de armas e coça o saco..

- Como assim? Sou macho pra cacête e não fraquejo.

- Pois é. Não gosto mais disso. Quando a gente casou, repito, nem prestava atenção nessas coisas. Agora salta aos olhos.

- Já sei, tá querendo trabalhar fora, ser independente.

- Já trabalho fora faz tempo, Adalberto e você nem percebeu.

- Mulher minha não trabalha fora.

- Por isso não quero mais ser sua mulher.

- Para com isso, Elzinha. Casamos na igreja. Não dá pra separar.

- Você é um babaca, Adalberto. Não aguento mais viver com quem pensa como você. Suas ideias me dão nojo e me brocham.

- Mas você nunca reclamou.

- A gente nem falava nisso e eu, confesso, era uma boba. Mas acordei. Me liguei. Me liguei no Felipe Netto.  Mudei.

- Sabia que tinha homem na jogada. Para com essa merda, Elzinha. Vai se vestir pro churrasco do deputado. Bota aquela sainha bem justa e curta.

- Vai à merda, Adalberto. Não vou a churrasco nenhum. Vou me separar de você, entendeu? Não aguento mais. Não aguento mais seu bafo, seu hálito, seus músculos, seu cérebro e seu pau. Aliás, nem isso.

- Você bem que gostava.

- Gostava. Agora não gosto mais.

- Vai virar freira?

...

- Não, vou namorar uma mulher. 

- Kkkkk, uma mulher? Vai ficar faltando coisa aí.

- Não vai faltar nada que importe. Essa sua virilidade de direita é completamente falsa. Só da boca pra fora. Nem isso você sabe mais fazer e além de tudo, não é isso que eu quero agora. Quero amor, paz, inteligência, parceria, doçura...

- Coisa de esquerdopata e viado. Tá namorando um viado Elzinha?

- Não, Adalberto, não escutou? Estou namorando uma mulher. Linda, gostosa, inteligente...

- Você não abre a boca sobre isso no churrasco, por favor. Olha a minha imagem.

-Sua imagem vai sair dessa casa agora, Adalberto. Suas coisas já estão arrumadas. Tá tudo na garagem. Ah, o carro é meu, só pra te lembrar.

- Não vou sair daqui. Aliás, vou chamar a ambulância, você está louca.

- Ok, não sai você, saio eu, mas tem que pagar o condomínio, o IPTU, a água, a luz, a diarista e o advogado. Toma, os papéis do divórcio estão aqui. Fui.

 

Elzinha sai e bate a porta. Adalberto fica ali com o envelope na mão, boquiaberto sem ter reação.

 

- Mulheres. E nem me trouxe a cerveja que eu pedi.

 

Adalberto pega o telefone e liga.

 

-Mãe, tudo bem? Acho que vou passar uns dias aí. A Elzinha tá menstruada. Ela fica insuportável. Você sabe que eu não aguento. Tô chegando pro jantar. Beijo, mãe.

 

Pano rápido.

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